JH 09/05/2012
Quando tomei pela primeira vez um exemplar de Nietzsche para ler, acreditava estar embarcando num mundo de profunda depressão, considerando a história do filósofo e também o tema ateísta, que me aspirava à solidão humana. Me surpreendi, contudo, já nas primeiras páginas de Assim Falava Zaratustra (primeiro livro, do autor, que cheguei a concluir), com o otimismo e a positividade de suas palavras.
Não se tratava de um compêndio sombrio de idéias sobre como a vida é, em sua essência, vazia, e que desfiava provas e fatos contra a existência de Deus e do mundo espiritual.
Não.
Assim Falava Zaratustra busca, sim, quicar a espiritualidade e as crenças no além para a parte mais recôndita em que algo que não existe pode ir parar. Mas, ao invés de deixar um buraco de bicho-de-pé no lugar, preenche a falta de Deus não com abandono, mas com a mensagem tão positiva de que o homem está no centro de suas capacidades - e de suas possibilidades.
Vale lembrar ainda, que Deus não está no centro daquilo contra o que Zaratustra/Nietzsche lutava. Seu ranger de dentes é mais vasto que isso: a ideia de Deus apenas faz parte de um jogo moral traçado, através dos tempos, pela própria humanidade, para construir uma imagem de homem a ser seguida que, de tão desconexa de sua natureza, as pessoas nunca podem alcançar, restando-lhes lançar-se em culpas e frustrações.
Zaratustra/Nietzsche vem lançar uma pedra neste espelho retorcido, para estilhaçar todos os preconceitos, falácias e auto-comiserações que impedem a plenitude do animal humano. Inicia por contrastar o servilismo e obediência do camelo (que representa a situação de cada pessoa nascida em uma comunidade pronta e condicionada às regras de convívio e tradição) com a força do leão, retaliador de velhas ideias, afrontador dos ditadores, gerador do pensamento vivo.
E é este apelo à animalidade, ou melhor, à naturalidade do pensamento humano, que torna Assim Falava Zaratustra um livro tão especial para mim.
Pois Nietzsche era um filósofo poeta. Suas obras não são teses científicas, cheias de dados e silogismos. Seus textos são repletos de metáforas e de um ritmo poético, às vezes até satírico. No cerne desta escrita, reside aquele apelo à vida silvestre; a alegoria da montanha nevada, da águia, do leão, da serpente, da caminhada... Daquilo que contrasta com os antros fechados, abafados e escuros que são as casas de oração, os salões dos eruditos, as tumbas dos mortos.
Enfim, através de suas metáforas, é possível aludir os argumentos e críticas racionais ao quadro formado pelas nossas sensações em relação ao mundo que nos cerca.
Pessoalmente, posso afirmar que o livro me foi um preenchedor de conceitos. Durante a leitura (dificultosa, devo confessar), parecia-me libertar aquelas quimeras que se esperneavam em meu interior, aquelas sensações mal articuladas, que então encontravam eco e forma nas palavras do autor. E nada melhor para dominar as feras do que desacorrentá-las primeiro.
Mas Assim Falava Zaratustra é uma obra complexa, alvo de atenção de diversos estudiosos durante todos esses anos. Contém algo que eu não poderia captar com minha primeira impressão. Faltou-me, por exemplo, quase que completamente qualquer entendimento sobre a ideia do Eterno Retorno das coisas. Sendo um conceito cosmogônico, acredito ser esta a parte mais complexa da obra nietzscheana.