Flávia Menezes 06/09/2022
ROMANCE NADA ROMÂNTICO SOBRE O AMOR DOLOROSO.
?Pássaros Feridos?, um clássico escrito pela romancista e neurocientista australiana Colleen McCullough, foi publicado em abril de 1977, ganhando 10 anos mais tarde uma adaptação para a televisão, tendo seu personagem mais polêmico, o padre Ralph de Bricassart, interpretado por um dos atores mais bonitos da época, Richard Chamberlain.
O romance tem seu início entre 1915-1917, onde somos apresentados à família Cleary, e começamos a acompanhar a vida da ainda pequena Meggie, a protagonista dessa história. Os primeiros capítulos são um verdadeiro mergulho na vida simples da família que vivia com muita dificuldade em terras da Nova Zelândia, com meninos que desde cedo sacrificavam suas vidas de sol a sol, e a única filha, Meggie, que cresce com uma mãe que pouco a nota, e que tem no irmão mais velho sua maior fonte de amor.
Escondendo-se atrás dos rancores e dores da vida, Fee, a mãe de Meggie, é uma mulher bastante calada, sofrida, e que teve um casamento arranjado pelo seu pai com um homem bastante simples, Paddy, porém um dos personagens masculinos mais virtuosos que poderíamos ver descrito em uma obra de ficção.
Para mim, Paddy é o melhor personagem dessa obra, e é o único que realmente merece ser lembrado. A forma como ele assume uma mulher que mal conhece, e que foi humilhantemente posta para fora de casa, com tanto respeito e cuidado é simplesmente tocante. Com ele aprendemos que o amor é muito maior quando vem do ato de se comprometer totalmente com alguém, sem querer mudá-lo, mas convivendo com as suas diferenças dia após dia com muita paciência, respeito e carinho.
E quando a família deixa a vida pobre na Nova Zelândia para se mudar para a Austrália, para que Paddy possa receber a herança de sua irmã mais velha e mais abastada, as dificuldades passadas pelos Cleary vão dando lugar a uma vida com melhor qualidade, e é nesse momento em que o amor que existe entre eles, Paddy e Fee, abre espaço de tal forma que a vontade é poder ter a sorte de viver um amor como o deles.
E tão marcante quanto as cenas de amor entre Paddy e Fee, foram as descrições da autora sobre detalhes climáticos, de vegetação, vida animal e dos costumes vividos na Austrália e Nova Zelândia. Me senti mergulhada em uma realidade que eu desconhecia, e confesso que ler sobre tosquia de carneiros me deixava interessadíssima. Eu desconheço outras histórias que se passam nessa região, então, sem dúvida esse foi um ponto alto desse grande clássico.
Porém, eu confesso que meu encantamento por esse romance acaba por aí. E de fato, o romance principal (e bastante polêmico) que acontece entre o padre e a jovem que o encanta desde o primeiro momento em que se conhecem, é umas das partes mais degradantes dessa história.
Em primeiro lugar porque esse encantamento acontece quando ela ainda é apenas uma criança, e ele já é um adulto. Chega até a lembrar o ?imprinting? que o Jacob, personagem do livro ?Crepúsculo? da autora Stephanie Meyer, tem com a filha da Bella Swan. É um tanto inapropriado, e o pior... é que fica ainda pior. Afinal, precisamos lembrar que Ralph de Bricassart é um padre!
Apesar da autora descrevê-lo como um homem belíssimo, de um físico impressionante, o fato de sua personalidade corrompida pela ganância por dinheiro e poder, o torna o homem mais feio que poderia existir. Tudo o que ele faz é pensar em como pode subir em sua vida sacerdotal, e quando o dinheiro fala mais alto do que o amor que sente por Meggie, não há como não se revoltar.
O que mais me incomodou nessa história é em como a autora o descreve como um homem que fez seus votos sacerdotais, porém que vez ou outra se entrega aos desejos carnais, como se isso não ferisse seus votos, e ainda com a justificativa de que ele estava apenas fazendo um favor à Meggie.
Eu até posso compreender o fato da autora viver o ateísmo, porém, sua crítica ao catolicismo, para mim passou bastante do ponto, sendo esse meu motivo maior para a nota atribuída à obra. Afinal, é um verdadeiro desserviço desenvolver um romance como esse, onde todos os preceitos religiosos são deturpados, unicamente pelo fato da autora não viver a mesma fé. Desnecessário, e totalmente grotesco. E tendo dito isso, nem sequer me estenderei mais no assunto.
Apesar de tão aclamado, esse é um romance que traz homens extremamente gananciosos, e que veem as mulheres apenas com um mero objeto de prazer. E quanto às mulheres, longe de ser como protagonistas do porte de Scarlett O`Hara, ou Jane Eyre, Meggie é uma mulher que idealiza demais os homens da sua vida, chegando a ficar totalmente cega para todo o mal que eles lhe causam. Ela os endeusa de tão forma, que é muito degradante.
Confesso que cheguei ao final da história, me perguntando onde foi que a autora quis chegar, e o que aconteceu com ela nesse caminho, pois a sensação foi de que ela se perdeu completamente. Ela pareceu tão preocupada em amarrar o final a ideia do título, do pássaro ferido que canta pela última vez em meio a todo seu sofrimento, que de fato deixou a história por si só, sem qualquer sentido.
No final, a história é uma sequência de tragédias e muito sofrimento, onde nunca se chega a lugar algum. E a grande tacada de sorte da autora, foi dar ênfase ao personagem Rainer, um alemão que trabalhava para Ralph de Bricassart, e que assim como Paddy, se torna um exemplo de homem honrado, que sabe como tratar verdadeiramente uma mulher. Um verdadeiro refrigério, para um final onde a dor consumiu tudo o que encontrou ao seu redor.
De fato, as vidas nessa história se entrelaçam. Mary Carson, a irmã de Paddy, apesar de abastada, era uma mulher solitária, que tinha o coração tomado pelo rancor à velhice, essa figura maligna, que lhe tirou toda a juventude e a beleza capazes de encantar e viver o amor com o homem que tanto desejava. E quando Mary Carson se foi, ela não deixou apenas as terras como herança para o irmão. Ela deixou também toda a dor, todo o sofrimento, e a sina de que assim como ela, ninguém ali jamais viveria para desfrutar do amor, e da alegria de ser verdadeiramente amado.