Érika 15/02/2022Não nos deixa indiferentesProvavelmente escreverei uma resenha mais completa desse livro nos próximos dias, mas como esse tipo de resenha não cabe — literalmente — aqui, achei melhor aproveitar para deixar registradas umas poucas impressões frescas da leitura.
"O herói do nosso tempo" de Mikhail Lermontov pode não ser muito conhecido, porém é uma das obras mais importantes da literatura russa, sendo considerado o primeiro romance psicológico dela, antecessor das grandes obras de Dostoiévski ou Tolstói, pela forma como explora os pensamentos de seu protagonista.
No livro, acompanhamos algumas aventuras de Grigóri Pietchórin, um oficial do exército russo bastante mulherengo e um pouco encrenqueiro servindo no Cáucaso. O livro está separado em duas partes, cada uma contendo alguns capítulos focados em episódios diversos da sua vida. No início, ouvimos sobre ele por um narrador externo. Aliás, por um ex-companheiro de regimento que conta sobre ele ao narrador do livro. Um pouco depois, recebemos acesso ao diário de Pietchórin, em que ele mesmo registra acontecimentos anteriores aos narrados pelo companheiro, e também seus pensamentos e sentimentos nessas ocasiões.
A organização não cronológica do livro é uma sacada genial, pois nos permite formar o conceito do personagem gradualmente: primeiro conhecemos só sua fama, filtrada por opinião alheia; depois o vemos pessoalmente; depois entramos na sua cabeça. E, gradualmente, passamos a odiá-lo.
Certo, pode ser que alguns leitores não o odeiem, mas motivos não faltam, e ele mesmo os declina. Seu comportamento é mesquinho, seus sentimentos também, mesmo quando se abre e mostra aparente sinceridade, ele o faz em momentos que o beneficiam, se contradiz e foge de todo impulso bom que o assalte.
A retratação é propositalmente ruim — e, quiçá, justa. Lermontov tinha uma relação complicada com a sociedade da sua época. Apesar de seguir seus critérios de sucesso em certas coisas, ele despreza as métricas e valores e os modos da época em que vive. Ao pintar um bonitão desprezível como o "herói do seu tempo", ele deu uma bofetada na cara da sua sociedade. E uma bofetada bonita: o livro é emocionante, redondinho, com uma pegada meio cinematográfica nas comedidas descrições das paisagens do Cáucaso e nas cenas de ação, e uma previsibilidade e teatralidade em certos eventos que, ao contrário de estragar o livro, combinam muito bem com o seu estilo. A obra certamente não consegue nos deixar indiferentes. Apresenta personagens vivos, pensamentos provocantes e a pergunta: será que o NOSSO tempo já superou Pietchórin? Ou como seria o herói do nosso tempo? Recomendo bastante o livro, quando você estiver com ânimo para se indignar e refletir, claro.