Leitora Viciada 13/04/2012Esta é a primeira antologia publicada pela Editora Novo Século e chegou até minhas mãos graças a cortesia do meu Escritor Amigo Estevan Lutz (autor do Cyberpunk O Voo de Icarus), que possui o conto A Última Ceia de Mitra que unido a outros oito escritores, construíram A Batalha dos Deuses.
A capa fosca do livro possui detalhes de brilho nas letras e uma imagem no fundo que combina exatamente com a ideia central: deuses interligados às vidas dos humanos. Todo conto possui uma mini biografia sobre o autor e charmosas páginas pretas, intercalando-os. As orelhas do livro são bem grandes e elegantes, com as informações básicas sobre os contos.
Diversos pontos de vista podem surgir durante a leitura do livro. Algumas pessoas poderão acusar alguns contos de serem anticristãos ou ateus. Outras dirão que o que intitulamos hoje como mitologia nunca foi religião verdadeira.
Logo no nas primeiras páginas, durante a apresentação escrita pelo organizador Juliano Sasseron nos deparamos com um resumo de como as civilizações mudam, e seus deuses mudam com elas. Em como detalhes de uma religião antiga são reciclados numa nova e em como existe a necessidade do ser humano em buscar deuses e explicações sobre a vida.
Como ele avisa no prefácio: "A proposta aqui é o entretenimento do leitor. Assim, muitas vezes optamos por 'licenças poéticas' e preferimos usar o mito em vez da realidade."
Penso que em primeiro lugar realmente vem o entretenimento e em segundo a criatividade e a originalidade. Por que não misturar o fantástico ao real? Por que não aceitar que religião e mitologia para serem classificadas como uma ou outra dependem exclusivamente da crença do indivíduo?
Apesar de ser ficção para divertir, percebemos que cada autor realizou pesquisas mitológicas e históricas antes de criar seu conto fantástico.
Pessoalmente acho que o livro é enriquecedor nesse sentido: refletimos sobre as diferenças e semelhanças existentes nas incontáveis religiões e suas variantes na atualidade e no passado. Pensarmos na intolerância religiosa como um atraso, em como desprezar uma religião diferente da sua é o preconceito mais antigo e mais poderoso que existe, sempre existiu e provavelmente sempre existirá.
Já li diversos livros sobre mitologias diversas, incluindo didáticos. E por me interessar sobre o assunto, independente de religião, me encantei com o tema desta antologia desde o primeiro dia em que a vi na internet, tanto que a divulguei no blog. Quando o Estevan me disse que enviaria um exemplar para mim, eu vibrei de empolgação.
Recomendo este livro para quem gosta de mitologias variadas, de aventuras mesclando deuses e homens, real e fantasioso. Para quem sabe liberar a mente antes de abrir um livro, se divertir e, (por que não?) aprender algo sobre deuses antigos e esquecidos ou imaginar civilizações diferentes, dotadas de crenças desconhecidas. Entre as teorias e fatos históricos famosos ou não, e a pura imaginação rica desses autores, A Batalha dos Deuses é um livro interessante e nem um pouco monótono.
O conto de abertura é Ragnarök, de Sid Castro. Nos deparamos com vikings e sua poderosa mitologia nórdica mesclada à uma fantasia brasileira. Navios vikings se deparam com o desconhecido, com Valquírias e diversos outros tipos de guerreiras e Amazonas, e uma terra conhecida como Hy-Breasail. Um dos contos fantásticos nacionais mais criativos que já li. Adoro mitologia nórdica e me surpreendi com a forma que Sid Castro mesclou a outros elementos.
Em segundo lugar vem O Carvalho e O Visco de Simone O. Marques. Este trabalho é o mesmo tema central em As Brumas de Avalon de Marion Zimmer Bradley: O Deus Único cristão que chega apagando os Deuses Celtas antigos, agora considerados adorados apenas por pecadores.
O terceiro conto é Nhanderuvuçu, de Felipe Santos. Um de meus preferidos, pois pouquíssimo conheço sobre a mitologia amazônica, o que é vergonhoso. Fora poucas lendas do folclore aprendidas na escola e um único livro de ficção lido, não conheço nada sobre o assunto. O conto foi uma bela surpresa, não apenas por me apresentar as divindades dos índios brasileiros, mas também pela narrativa épica! Os Deuses interagem diretamente no mundo dos homens e duelam entre si, depois da chegada do Deus dos brancos colonizadores. Conto fabuloso!
Fernando Henrique de Oliveira traz o conto Pontifex Maximus e não parece um conto de autor estreante, pois é muito bom. Nesta história, sob o ponto de vista de um imperador romano, acompanhamos como os Deuses Romanos foram dando lugar ao Cristianismo. Os próprios deuses do Império Romano foram completamente copiados e absorvidos dos gregos e depois trocaram esses mesmos deuses pelo Cristianismo. Nesta história, observamos o destino de um dos mais grandiosos impérios que já existiu.
Em Popol Vuh, Sérgio Pereira Couto mostra um pouco do panteão maia e esse foi mais um conto onde a mitologia mais me interessou, pois eu não conheço mitologia dos povos antigos americanos. O texto segue um estilo mais diferente dos anteriores, pois tudo supostamente ocorre no presente. Criatividade, curiosidade e aventura de um jovem o levam numa viagem extraordinária.
O conto seguinte é A Menina que Olhava e traz um toque mais sombrio e até mesmo de terror ao livro. Albarus Andreos também mantém sua história no presente e faz o uso de Deuses Egípcios influenciando a Humanidade de forma indireta. O final é muito interessante e arrepiante.
E chega o conto de Estevan Lutz, o que mais me deixava curiosa. Em A Última Ceia de Mitra, Estevan faz uso de seu dom em escrever Ficção Científica de qualidade e nos apresenta uma atualidade alternativa, onde o antigo culto à Mitra permanece, sendo esta a principal religião ocidental, e não o Cristianismo. Uma história curiosa e diversos pontos do culto antigo foram mantidos pelo autor (é só dar uma pesquisada na internet para conferir), e misturados à missa católica. Mitra já foi adotada por diversas mitologias, como a indiana, a persa e até mesmo a greco-romana, tendo decaído juntamente com o Império Romano, após este ter adotado o Cristianismo como religião oficial. O conto do Estevan é incrível, inquietante e ousado; e eu adoro isso!
O penúltimo conto é O Legado de Annunaki e foi um dos contos mais surpreendentes da antologia. Márson Alquati conta uma longa história, iniciando na antiga civilização suméria e chegando aos dias atuais de forma inigualável, utilizando a teoria dos deuses astronautas. Como já li o livro de Erich Von Däniken fiquei boquiaberta com a facilidade com que Márson une essa teoria a fatos históricos e bíblicos de forma natural e empolgante. Eu adorei e parabenizo o autor pela inteligência e criatividade, uma história como sempre desejei ler sobre o tema.
Quem fecha a antologia é o próprio prefaciador e organizador: Juliano Sasseron. Em Consciência Quântica existe uma tentativa de mostrar como as religiões e as ciências andam unidas e em busca das mesmas questões existenciais. A mensagem que captei não é contra nem a favor dos religiosos ou ateus. Imagino que o autor quis mostrar que todas as crenças (e descrenças) existem e as pessoas são assim, a liberdade de escolha de cada um deveria ser respeitada.
Mesmo quem desconhece qualquer mitologia irá se divertir com o livro e quem sabe criar interesse pelo assunto? Aconselho que após a leitura de cada conto, o leitor faça uma breve pesquisa sobre a mitologia e época em questão, para poder observar os contos com um olhar mais abrangente e crítico. Exemplo? Após ler o conto do Estevan, pesquise sobre Mitra; após ler o conto da Simone, pesquise sobre os celtas; após o do Márson leia sobre a teoria dos deuses astronautas; e siga assim, conforme sua necessidade e curiosidade.
Contos que mais gostei: Foi dificílimo escolher meus contos preferidos: Ragnarök; Nhanderuvuçu; A Última Ceia de Mitra; O Legado Annunaki.
Trechos:
"Dessa vez o próprio Thorvaldr tomara o leme, orientando o navio através da bruma espessa, como se não quisesse deixar novamente o destino tecer suas regras. Ele agora parecia saber para onde seguiam, e os vikings, perdidos, apenas remavam, pois a grande vela era inútil naquela calmaria sobrenatural" - Ragnarök, de Sid Castro.
"Sou parte do povo que chamam de celtas, uma semente das tribos de guerreiros e druidas. Nossos deuses são partes do que somos, tanto as boas quanto as más. Assim como são partes dos bosques, das matas e dos mares." - O Carvalho e O Visco, Simone O. Marques.
"Um a um, os deuses se reuniram nos galhos da frondosa Árvore da Vida. Pajarás com seu enorme machado de fogo foi o primeiro a chegar, seguido por Anhangá com seu famoso arco, cuja flecha atirada por ele nunca errava o alvo." - Nhanderuvuçu, Felipe Santos.
"Olhou a imensidão dos seus soldados alinhados esperando um único sinal. Era uma batalha entre deuses, disputada por homens. Há muitos anos ele deixara o culto de Hércules. Agora, ele era um protegido de Júpiter, o mais imponente das divindades do panteão." - Pontifex Maximus, Fernando Henrique de Oliveira.
"A pirâmide era maior por dentro do que por fora. A escuridão parecia envolver a todos com um manto quase opressor. Será que o Grande Deus Que Nos Observa a Todos nos veria lá dentro ou só nos vê quando há seu olho, o Sol, no céu?" - Popol Vuh, Sérgio Pereira Couto.
"Se, ao contrário lá se permitisse usar de garranchos e ignorâncias, seriam o retrato do mundo injusto e violento de onde vinham . E a menina odiava que ela fosse assim: justa, boa, correta! Por isso, só queria seu mal." - A Menina que Olhava, Albarus Andreos.
"Pegou o pão das mãos do padre e levou-o à boca, desviou o olhar e recebeu o gole do jarro amparado pelo Corax. "Sangue de Mitra". Retornou à sua fileira de bancos." - A Última Ceia de Mitra, Estevan Lutz.
"Após uma série de experiências fracassadas, finalmente os cientistas a serviço de Enil conseguem desenvolver, a partir das matrizes capturadas, uma nova raça de escravos dotados da capacidade de procriação e inteligência." - O Legado de Annunaki, Márson Alquati.
"Nunca foi de crenças, mas algo naquele devaneio tinha lhe chamado atenção. Não conseguiu tirar as imagens do pensamento e as frases teimavam em permanecer na memória." - Consciência Quântica, Juliano Sasseron.