Reccanello 18/09/2021"Devemos" ser um pouco como as cigarras...Em um momento da história, Olívia diz que, se nos empenhássemos mais, poderíamos viver, cigarras e formigas, de forma pacífica e mutuamente proveitosa. Como? Ela não diz, mas a leitura do livro e a percepção do modo como Eugênio, espelhado no grande amor de sua vida, vê o mundo podem nos dar algumas dicas. Ainda que isto não seja expressamente dito no livro, Eugênio é um socialista: sua filosofia invejosa, sua exaltação para com os humildes, seu ressentimento para com os que venceram na vida (ele se ressente dos homens que "trabalham com tanta fúria durante todas as horas de sol" sem perceber que a satisfação de seus ideais igualitários e de "justiça social" depende justamente do trabalho daqueles), sua vontade de impor aos outros sua mentalidade covardemente pacifista, tudo isso mostra o coletivista que ele é. E isso fica mais evidente quando, em uma reveladora conversa com o amigo Seixas, ele revela que gostaria que houvesse um punhado de "homens bons" que tomassem a si a tarefa de, com um bem traçado plano, reeducar o homem e lhe melhorar a natureza, ainda que "para os homens sem juízo ouvirem os conselhos dos homens ajuizados seja preciso usar de violência" - ele não percebe, como sói acontecer com quase todo socialista, que o ser humano só é capaz de "ir à guerra, matar e estraçalhar os outros homens" justamente por conta da reeducação que ele, mesmo à força, gostaria de ver implantada: algo que nos faça cada vez menos atentos a nossas individualidades e cada vez mais preocupados com o "bem maior". Fica fácil, então, descortinar a verdade sobre o anseio de Olívia: as cigarras permaneceriam cantando mesmo no inverno, com as formigas as sustentando às custas de seu trabalho.
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De qualquer modo, e mesmo sendo um dos personagens que mais me causou asco em toda a literatura, há um vislumbre de esperança para Eugênio: ao final, ele percebe que pode "pensar nos outros e fazer alguma coisa em favor deles" sem, entretanto, deixar de lado a simples e individual felicidade de ter sua filha a seu lado.
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Para muitos, a ambientação urbana da história daria margem à abordagem dos efeitos de um capitalismo selvagem sobre a vida das pessoas, mas é exatamente o contrário: ainda que involuntariamente, todo o livro é uma mostra de como uma mentalidade coletivista consegue estragar o que há de bom na natureza humana. E, quanto à obra em si, é interessante notar que, muitos anos depois de a ter escrito e quando de uma revisão, Erico Veríssimo disse que não achava a obra mais tão boa!
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