Gilliard 17/01/2021
Os lírios de Érico
Tentando correr atrás do tempo perdido sem ler literatura nacional, escolhi (e me foi recomendado) "Olhai os Lírios do Campo", de Érico Veríssimo. Esse foi o meu primeiro livro do Veríssimo, e também foi o primeiro livro do autor a virar um "best-seller", por assim dizer. OLC alavancou o nome de Érico Veríssimo a um patamar de fama jamais visto. No livro, acompanhamos Eugênio, um jovem médico que ocupa uma posição na sociedade graças a certos sacrifícios realizados no passado. Hoje, Eugênio reflete constantemente sobre suas decisões e a posição que lhe pertence. O livro é dividido em 2 partes: na primeira, Eugênio vai ao encontro de um compromisso, duro e inevitável, no período até chegar, revisitamos sob sua ótica, momentos do seu passado, de sua infância difícil, sua família pobre, seus estudos no colégio. Vemos o quanto do passado o protagonista carrega consigo hoje, ele é todo lembrança, ressentimento e trauma; já na segunda parte, o livro ganha um tom diferente, há cartas endereçadas a Eugênio, que o fazem refletir, agir e de certa forma, mudar o rumo das coisas. Eugênio é um homem ressentido, extremamente melancólico, arrependido, autodepreciativo e com complexo de inferioridade marcante. É estressante ler como ele trata a si mesmo em alguns momentos, não é fácil gostar deste protagonista, muito pelo contrário. Em contrapartida, temos outros personagens interessantíssimos de se acompanhar, como Olívia, por exemplo, uma amiga da faculdade de medicina. O mais interessante de OLC é o retrato histórico que ele traz. Érico Veríssimo publicou este livro em 1938, mas o ambienta em 1930, em meio ao turbilhão da Revolução de 30, que o Rio Grande do Sul, ao lado de outros estados liderou, o que culminou com a chegada de Getúlio Vargas ao poder. Vale lembrar que nesta época, sobre a Europa e o resto do mundo pairava a nuvem carregada do fascismo. O militarismo, o antisemitismo e o preconceito são então temas abordados por Veríssimo em sua obra. Temos também um retrato da sociedade brasileira, em especial, a gaúcha da década de 1930, onde Eugênio e os seus estão mergulhados, em todos os aspectos.
A escrita de Érico Veríssimo é leve, mas ácida e cheia de alfinetadas durante toda a história, principalmente por conta dos assuntos por vezes pesados abordados. No final, Olhai Os Lírios do Campo é sobre mudança de paradigmas, de foco na vida, é sobre dar valor aos "lírios" e sobre dar novo sentido e importância àquilo que está ao nosso alcance.
Já guardo com carinho no coração este belíssimo presente que Érico Veríssimo nos proporcionou.