Fernanda309 08/08/2020
O que achei de O silêncio da noite (+ quotes)
EDIÇÃO: Repito que amo as capas e a diagramação da série, e adoro os títulos também. Permanece meu estranhamento ao fato do livro ter sido publicado antes da entrada em vigor do Novo Acordo Ortográfico, o que também traz consigo algumas gírias que já não se usam mais. Percebi uma erro de edição, quando está escrito que "ficou com os joelhos bambas", num claro erro de concordância. Alguém devia ter prestado atenção na revisão. Fora isso, é uma edição perfeitamente normal, e vale muito a pena colecionar.
ESCRITA: John Marsden escreve numa combinação de fatores difíceis: primeira pessoa, protagonista feminina, adolescente, que faz seu relato como se escrevesse um registro de diário. Não seria minha primeira opção pra escrever um livro sobre temas tensos como os abordados, embora tenha funcionado muito bem pra série. Marsden torna tudo natural, fluido, e você simplesmente esquece que está lendo um diário. Adoro como expõe suas opiniões através dos personagens, e tendo secundários que são quase tão protagonistas quanto Ellie, pode dividir opiniões e abordar várias perspectivas num único problema. São poucas séries que dão tanta voz e espaço para além do protagonista como essa.
ENREDO: Geralmente um dos cincos aspectos que analiso sobressai sobre os outros, mas especificamente neste livro, acho que enredo empata com personagens. Por eu não lembrar do que acontecia nesse, muitas coisas foi como ler pela primeira vez, o que me deixou surpresa, pois acontecem coisas ímpares e marcantes neste segundo. Apesar de ter um deslocamento espacial muito limitado, a ambientação é bem assertiva, o que enriquece a narrativa. Em nenhum momento eu senti que a cena era lenta demais ou rápida demais - e aqui as coisas acontecem bem repentinamente -, mas eu não o considero tão tenso quanto o primeiro. Acredito que isso se deve em parte às minhas próprias expectativas também, mas não tem como negar que parece ter faltado algo, ainda que seja só uma sensação minha. É claro, tudo o que eu admirei na releitura do primeiro está aqui: suspense, tensão, tristeza, morte, violência, reviravoltas, perdas, reflexões, conflitos, esperança. Eu admiro que o enredo balanceie o fato dos personagens serem adolescentes e continuarem vivendo os problemas da fase sem que isso os torne infantis, sem esquecer o que mais está em jogo ali - sua sobrevivência.
PERSONAGENS: Redescobrir Ellie no primeiro livro foi uma agradável surpresa, eu não lembrava que éramos parecidas - a coragem, a teimosia, o autoritarismo. Ela enfrenta agora as consequências dos atos do volume anterior, incluindo o fato de tê-lo escrito em primeiro lugar - achei uma sacada genial do autor fazê-la enfrentar a reação dos amigos a tudo o que escreveu. Seus conflitos internos são muito pertinentes, assim como os dos outros. A transformação e progresso do enredo poderiam ser chatas pelo ponto de vista de uma única pessoa, mas não é. Ela é perspicaz, mas também erra. Claro, não concordei com tudo. Dos secundários, não consigo escolher um favorito. Todos estão juntos nessa, e fazem tanto parte de Ellie quanto ela deles. É meu tipo favorito de história: sobre amizades.
+: Eu lembrava de uma única coisa nesse enredo que achei que permaneceria imutável até o fim, mas acabou mudando. Fiquei chocada com como esqueci de fatos tão ímpares e importantes que acontecem nesse livro, afinal, tenho boa memória. Porém, cerca de oito anos se passaram desde que li aquela única vez. Em resumo, podia dizer que não lembrava de nada. Em relação ao primeiro, ficou abaixo das minhas expectativas, mas não foi ruim. Apesar de já ter pego alguns spoilers do livro 8, o que é bem frustante, sigo com boas expectativas para os próximos - que serão primeiras leituras de fato.
"Ah, o poder da palavra escrita."
"Pode ser que, pra vocês, o que vou dizer seja totalmente óbvio. Talvez essa ficha já tenha caído para todo mundo e só pra mim que não. Mas, sabem, na semana passada, eu comecei a me dar conta de como a coragem funciona. Está tudo na cabeça da gente. A gente não nasce com ela, nem aprende na escola, nem lendo livros. É um modo de pensar, só isso. A gente treina a mente para sentir coragem. Só agora começo a perceber isso direito. Quando alguma coisa acontece, algo que pode ser perigoso, a gente pode perder o juízo de tanto medo. A cabeça da gente fica cheia de pensamentos apavorantes e começa a imaginar coisas: cobras, crocodilos, soldados com metralhadoras. Mas é tudo imaginação. É, quando isso acontece, a nossa imaginação só atrapalha. Ter coragem é uma escolha que fazemos. A gente tem que dizer para nós mesmos: vou pensar em coragem. Eu me recuso a pensar em medo ou pânico."
"Já está na hora de assumirmos o controle sobre nós mesmos de novo, de termos coragem e fazermos o que tem que ser feito. Essa é a única maneira de podermos andar de cabeça erguida e de sentirmos orgulho de nós mesmos."
"Eu gosto de você com todos os seus defeitos, [...]. Acho que isso é amor."
"O futuro é... Não sei, o que é o futuro? É uma folha em branco na qual traçamos linhas, mas às vezes alguma coisa segura a mão da gente, e as linhas que desenhamos não são como queríamos."
"Eu vou dizer o que está errado com esse país. Nós ficamos indolentes, ficamos frouxos, perdemos a direção. Se quer saber, acho que essas pessoas fizeram um favor nos invadindo. Podemos aprender muito com eles. Eles são uma força organizada e disciplinada, com soldados bem comandados. Não falam em 'consenso', nem em "direitos individuais', nem 'liberdade pessoal'. Eles sabem o que é o quê. Se conseguirmos que este país recupere a disciplina, pode ser que se construa uma nação da qual nos orgulhemos, em lugar de sermos um bando de gente indulgente e reclamona."
"A Terra parecia tão tranquila, tão antiga, tão calma e sossegada, como se essas disputas patéticas dos humanos pelo direito de viver em sua superfície não tivessem qualquer importância."
"Muitas vezes, as pequenas coisas são as mais difíceis de se fazer."
"Matamos todas as lagartas e depois nos queixamos que não há mais borboletas."
"Eu vivo na luz, mas carrego minha noite comigo."
"Quero dizer que, quanto mais as pessoas têm certeza das próprias crenças, mais chances têm de estar erradas. As pessoas que me assustam são as que têm mais certeza, que são mais radicais, as que nunca pensam que podem estar erradas nem acham que outras pessoas podem estar certas."
"Às vezes a gente precisa de mais coragem para não fazer alguma coisa do que para fazer."
"Às vezes, é preciso ser corajoso. É preciso ser forte. Às vezes, não podemos ceder aos pensamentos ruins. Precisamos lutar contra os demônios que se infiltram nas nossas cabeças e tentam nos fazer entrar em pânico. Vamos nos esforçando, dando um passinho de cada vez, esperando que, se tivermos de voltar atrás, que não seja muito, para que, quando voltarmos a nadar para a frente, não tenhamos que recuperar muito terreno."