Euflauzino 21/01/2012O gosto pelo estranho
Tenho certa dificuldade quando leio contos, para resenhá-los então entro em pânico. Assim como poemas, poucos são os contos que me chamam a atenção. Prova disso é que me amarro nos romances e novelas incríveis do mestre Stephen King, mas não gosto nada nada de seus contos.
Com Certa estranheza (Ed. do Autor, 2011) foi diferente, gostei logo de cara. Foi como aquele beijo roubado no portão. Bia Machado foi forjada no mundo virtual, por isso sua linguagem é clara, concisa, objetiva. Seus contos são repletos de algo inusitado, têm sabor de fruta madura surrupiada no quintal do vizinho.
São 13 contos (imagino que o número não seja mera coincidência). Ao conto de abertura, que dá título ao livro, segue-se tantos outros recheados com tudo o que há de melhor na fantasia: terror, mistério, crimes, pactos, fobias, solidão, duplos (no maior estilo Poe com seu William Wilson).
Tenho meu conto preferido – “Passeio de barco” – pelo título parece algo bucólico, mas não é nada disso. É cheio de reflexões, me lembrou, nem sei bem o porquê, de “A terceira margem do rio” do grande Guimarães Rosa. Acho que foi por causa da paisagem, da inevitabilidade e do confronto ao qual o destino nos impele. Causou-me tanta “estranheza” que não me saiu da memória:
“A fundura do rio é tanta que ninguém ia achar o corpo dele. Ia ficar lá embaixo, ia ser comido pelos peixes, pelas piranhas... Ou será que o boto salvava? Se é filho dele, salvava...”
“... Eu sou apenas isso, um matador. Também um pescador, mas... É, o que eu mais sei fazer é matar. Só que eu nunca matei uma criança. Até hoje.”
Não posso e nem quero falar mais nada, o conto é delicioso. O inusitado e o inesperado são revisitados em cada conto de maneira a fazer do fantástico algo universal, algo a ser tratado como irremediável, parte de nosso dia-a-dia. Esta clareza demonstra a segurança com que Bia conduz cada trama, cada diálogo. São estruturas econômicas, mas com uma riqueza de detalhes que já a coloca na galeria de novos talentos da narrativa curta.
Então fiquemos tranqüilos: a literatura curta de terror está bem representada por Bia Machado! Aguardemos agora um romance de fôlego, não vejo a hora!