gleicepcouto 03/04/2012Vida real beirando o absurdowww.murmuriospessoais.com
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Esse livro caiu na minha mão por completo acaso. A Editora Record estava fazendo uma promoção de alguns títulos por $10 cada para os cadastrados no site, e, após ler a sinopse, não resisti e comprei. Não só esse, como outros quatro. Esse, particularmente, veio num momento bem a calhar... Como costumo dizer, alguns livros nos escolhem e não o contrário.
Com A Casa do Sono, de Jonathan Coe, foi assim. O livro me arrebatou desde a primeira frase e não sabia explicar o porquê. Na medida em que fui lendo, a resposta se formou clara em minha mente.
Mas antes de expor minhas impressões, falemos sobre o livro.
A Casa do Sono é o 5º livro de Coe - autor inglês -, mas o primeiro de quatro que foram lançados aqui, pela Editora Record. A obra foi vencedora do Writer's Guild Award (Inglaterra) e do Prix Médicis Étranger (França).
Presente e passado misturam-se na história, que tem como protagonista uma casa no litoral inglês, perto de um penhasco. Na década de 80, ela serviu de moradia para jovens estudantes, mas anos depois, tornou-se uma clínica de distúrbios do sono. Os frequentadores desta clínica, estranhamente são os mesmos que anos atrás lá moraram: Sarah, que sofre de narcolepsia (distúrbio neurológico que faz a pessoa pegar no sono de repente); Robert, um rapaz sensível que sofre uma radical mudança; Terry, que nunca dorme, só assiste a filmes; e Gregory, psiquiatra renomado, atual dono da clínica, cujo objetivo é provar a não necessidade das pessoas de dormirem.
Assim que terminei de ler o livro, precisei respirar um pouco e esperar, até pegar uma próxima leitura. Na verdade, depois de ler A Casa do Sono, qualquer outro livro parece sem graça - meu nível de exigência de leitura definitivamente subiu. A história é completamente original e imprevisível. Em momento algum esperava o desfecho que teve, que fica balançando no ar, à escolha do leitor.
Coe faz o passado e o presente se intercalarem com desenvoltura (os capítulos ímpares se passam nos anos 80, já os pares, no tempo atual da obra). À vezes chegam a se fundir ideologicamente, evidenciando o retrato de uma geração, e mostrando sua inegável mudança não proposital, mas fruto do que significa 'crescer'. Isso, entretanto, acontece de modo ambíguo, com doses iguais de realidade e surrealismo - que chegam a incomodar o leitor mais atento. E aqui digo incomodar de maneira positiva: sinônimo de refletir e sentir.
Os personagens são deliciosamente comuns, mas com certas particularidades inusitadas. Eles exalam um misto de melancolia e humor descabido, bem característico da juventude e da loucura do ser adulto. Todos os personagens são destaques. Sarah, uma garota perdida em sua doença; Robert um romântico que é capaz de fazer absolutamente tudo pela pessoa que ama; Terry e sua obsessão por um filme que sequer tem certeza que existe; e, por fim, Gregory, um médico megalomaníaco, que tem como meta provar por a + b que dormir é pros fracos.
É interessante perceber o desenvolvimento dos personagens, suas mudanças e, principalmente, as escolhas que os fizeram chegar até ali: vida real beirando o absurdo. E é exatamente nesse ponto que consigo explicar porque o livro me fascinou tanto: Jonathan Coe conseguiu traçar uma ponte entre essas vidas estapafúrdias e a nossa, que é comum ao extremo. Formidável.
Posso afirmar sem medo de estar exagerando que A Casa do Sono é um dos melhores livros que já li e duvido muito que saia desse posto nos próximos anos. É uma obra adulta (com ar de jovialidade), incomum (sem ser pedante) e inquietante (sem ser desconfortável).
A Editora Record fez um bom trabalho, primeiro porque trouxe pro Brasil esse livro. Segundo porque investiu em uma boa tradução, feita por Marcello Rollenberg, e também na revisão do texto, com poucos erros. A capa dá o ar melancólico que o livro sugere (infelizmente não há informações sobre o responsável pela arte).
As outras obras de Jonathan Coe publicadas pela editora são: A Chuva Antes de Cair, O Legado da Família Winshaw (considerado sua obra prima) e O Círculo Fechado.
A Casa do Sono (The House Of Sleep)
Autor: Jonathan Coe
Editora: Record
Anor: 2007 (originalmente 1997)
Páginas: 386
Valór médio: $40 a $50
Avaliação: Desconcertantemente formidável