Coruja 16/10/2017 Continuando meu desafio pessoal de ler tudo o que eu achar da bibliografia do Bradbury, peguei esse aqui da estante para aproveitar tanto o tema do mês no Desafio Corujesco quanto o All Hallow’s Read. Uma Estranha Família já estava esperando por aqui faz um tempinho, depois que o consegui numa troca pelo Skoob e foi uma leitura bem rápida e leve.
O livro é narrado de forma fragmentada pelo jovem Timothy, um humano normal que foi abandonado ainda bebê na porta da Casa - um lugar de quartos esquecidos e lareiras incontáveis, onde mora uma família de criaturas estranhas e maravilhosas, os Elliott; vampiros, múmias, fantasmas, adormecidas capazes de levar suas mentes aos confins do mundo. Tim cresce nesse mundo maravilhoso com a missão de ser o narrador das histórias que acontecem ao seu redor - e assim é que cada capítulo do livro funciona como um conto independente (inclusive, ao menos duas histórias já tinham aparecido na antologia O País de Outubro).
Uma Estranha Família pode parecer, à primeira vista, bem simples e até confuso. Mas, como muitas das histórias de Bradbury, essa é uma impressão falsa. Essa é uma história sobre o Estranho, o Outro e o interessante da forma como as coisas se desenrolam é que o ‘estrangeiro’ aqui é Tim, um humano comum em meio a uma família de monstros e outras criaturas imortais. Tim tenta encontrar seu lugar em meio a esses seres maravilhosos, até entender que é sua mortalidade, sua humanidade, faz dele exatamente aquilo que a família precisa: alguém para contar suas histórias.
Isso porque… a família está morrendo. As pessoas estão deixando de acreditar - num mundo de tecnologia e maravilhas modernas, em que não existem mais terras a descobrir e tudo passa pelas explicações da ciência, eles estão perdendo seus poderes.
É um mérito de Bradbury que, mesmo quando está tratando de monstros e criaturas da noite, como aquelas que aparecem nessa história, ele consegue ser incrivelmente poético. A linguagem dele é de uma delicadeza que sempre me impressiona. Aliás, o título original do livro, From the Dust Returned, que faz referência ao bíblico ‘do pó viestes, ao pó voltarás’, combina muito mais com o tom que o livro assume. Por mais estranha que seja a família, não é sua estranheza que é o ponto aqui, mas sim seu lugar em um mundo que não é mais capaz de acreditar no fantástico.
O livro demorou décadas para sair do papel: quando a ideia de A Volta ao Lar - conto que abre a história de Timothy - surgiu, Bradbury sentou-se com Charles Addams, o criador de A Família Addams, que desenhou uma primeira ilustração para ‘vender’ a ideia junto com o escritor. E embora o conto, junto com o desenho, tenham sido publicados numa revista em 1946, nenhum editor comprou a ideia dos Elliott. Assim, Bradbury a guardou na gaveta e Addams continuou com as histórias da família Addams, que de tirinhas satíricas no The New Yorker, foi adaptado para filmes, séries de TV e desenho animado.
Quando Bradbury finalmente publicou From the Dust Returned, em 2001, usou a ilustração de Addams (que então já tinha falecido) como capa. E, embora se possa reconhecer algo dos Addams nos Elliott, são histórias muito diferentes - os Addams foram criado como uma paródia, ao passo de Timothy e sua família existem num limiar entre a prosa e o lírico, naquele mundo de sonho que Bradbury consegue ecoar tão bem em seus contos.
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