@fabio_entre.livros 05/07/2021
"Sempre vai existir um Coringa. Porque não há cura pra ele."
Achei esta graphic novel tão peculiar que me recuso, ao menos por ora, a dar uma nota para ela. Isso porque, se por um lado ela é visualmente impactante com seu conteúdo repleto de temas adultos (sexo, drogas e violência, afinal é do selo Black Label), por outro ela apresenta certas convenções duvidosas. Vamos aos poucos.
A arte de Lee Bemejo é espetacular em seu realismo fotográfico que lembra, em alguns quadros, o traço hiper-realista de Glenn Fabry nas capas de "Preacher", por exemplo. O estilo de Bermejo é ideal para evocar o universo sujo e violento da Gotham moderna, bem como a ensandecida jornada do Coringa para recuperar seu status no mundo do crime. Aliás, que Coringa, meus amigos! Tanto o visual boca rasgada quanto a personalidade instável e metódica adotados por Heath Ledger em "The Dark Knight" provavelmente vieram daqui. Digo "provavelmente" porque tanto a HQ quanto o filme foram lançados em 2008, o que pode suscitar a velha discussão sobre o que veio primeiro: o ovo ou a galinha (embora, segundo o Wikipédia, a arte de Bermejo tivesse sido divulgada ainda em 2006, antes de o roteiro de Azzarello ser finalizado).
E, por falar em Azzarello, aí está o X da questão. "Coringa" é definido como um trabalho alternativo no universo do Batman, e fiquei com a impressão de que o roteirista usou isso como justificativa para subestimar a existência do Batman aqui. A começar pela própria ideia de o Coringa ser libertado do Arkham, sem nenhum esclarecimento sobre como isso foi possível: ele sai do asilo já em seu uniforme e logo ao atravessar os portões ganha uma arma. Daí em diante, sem a menor sutileza, toca o terror no submundo de Gotham, deixando uma trilha de corpos, sem que nenhuma autoridade intervenha. Convenhamos que isso é difícil de engolir; o Batman, sendo quem é, ao saber da libertação de seu maior inimigo, com certeza teria se plantado em algum esconderijo nas imediações do Arkham e seguido cada passo do vilão para saber o que ele aprontaria e assim impediria que os planos dele alcançassem a proporção mostrada na história. Como se não bastasse, o Morcego só aparece no final da história e, ainda assim, porque foi convocado por um outro vilão desesperado por ajuda para deter o Palhaço do Crime. Mais uma vez, dá a impressão de que até então o herói estava alheio à situação. Cadê o Gordon, o Bullock, a Montoya ou qualquer outra autoridade da lei? Ninguém dá as caras.
Penso que a ideia de Azzarello teria sido mais bem executada se ele tivesse ignorado totalmente a existência do Batman. Uma vez que ele só aparece na história aos 45 do segundo tempo, teria sido melhor se simplesmente ele não existisse nessa Gotham alternativa.