jota 22/06/2015Um índio descerá de uma estrela...A ilustração da capa de Habitante Irreal (um índio sem a cabeça, do brinquedo da infância de muita gente, Forte Apache, sobre um fundo absolutamente branco) e o título (que fica bem claro na página final) chamam muito a atenção para o livro do gaúcho Paulo Scott. Já é marcante desde aí.
Habitante Irreal foi tido por vários críticos literários como o melhor lançamento brasileiro de 2011. E sobre o qual a extinta revista Bravo! escreveu: “Uma literatura brasileira contemporânea ágil e essencialmente urbana, repleta de referências ao universo pop; não abre mão do lirismo, mas não se entrega a um sentimentalismo fácil.” Esta é uma sinopse curta mas que de fato corresponde bastante ao que lemos no livro de PS.
Apesar de algumas personagens femininas de calibre, Maína, Rener, Luísa e Catarina, são os protagonistas masculinos, Paulo e Donato, que dominam a história aqui contada. Ou histórias, pois a de Henrique, personagem secundário (ele é o pai adotivo de Donato), também é marcante em vários momentos.
Até mais ou menos umas setenta páginas lidas – a obra tem 262 no todo - você fica completamente envolvido pela trama armada por PS. E algumas páginas depois já não quer mais parar de ler: é quando a ação se desloca do Rio Grande do Sul para a Inglaterra, quer dizer, Londres. Então você é transportado junto com ela. Até o final.
Especialmente na primeira parte, passada toda no Brasil, a escrita de PS me lembrou muito a de outro escritor gaúcho, Daniel Galera, do ótimo Barba Ensopada de Sangue. Galera, aliás, de algum modo participou de Habitante Irreal: seu nome está lá nos Agradecimentos no final do livro. Parece que é da região sul que tem vindo os melhores livros brasileiros que li ultimamente – além de Barba... acrescento O Filho Eterno, do paranaense Cristóvão Tezza, inesquecível.
De volta a PS: apesar do “irreal” do título, parece que em alguns momentos alguma coisa - ou muita coisa, não sei - da vida do autor está presente na obra. Especialmente quando ele trata de certas questões nacionais que vêm desde 1989, ano em que a ação é iniciada. E assim será da mesma forma com a narrativa dos vinte anos seguintes, “(...) proporcionando um retrato atordoante da geração que vem ocupando o poder no país”, conforme se lê na apresentação da editora Alfaguara.
Como escrevi antes, o livro prende a atenção o tempo todo e termina mais ou menos correspondendo às expectativas que construímos durante a leitura: estamos diante de um belo romance político - ou politizado. E de volta à capa, somente de longe ela poderia lembrar alguma brincadeira relacionada com o Forte Apache, cuja simbologia está presente sempre que Donato está em cena ou quando são feitas menções à problemática indígena nacional. Sempre um problemão.
A profunda decepção de Paulo com o PT e o Brasil não tem contornos apenas ficcionais, vai além: é igualmente a decepção dos que acreditaram em Lula e outros “notáveis” do partido. Que hoje constitui não exatamente uma organização política mas, como assinalou um ministro do STJ, decididamente criminosa. Muitos caras-pálidas já desembarcaram da estrela vermelha há tempos. Mas ainda há neste país quem aprecie um objeto abjeto, de lata enferrujada...
Lido entre 20 e 22/06/2015.