Carlos Nunes 30/06/2023
Oportunidade desperdiçada
Esse livro traz uma história que tem como pano de fundo a terrível catástrofe que Lisboa sofreu em 1º de Novembro de 1755, quando a cidade foi atingida por um terrível terremoto, seguido de um tsunami e uma série de incêndios que destruíram grande parte da cidade, um fato que muitos de nós não conhecemos mas que teve repercussão aqui no Brasil, tanto porque os reflexos do tsunami chegaram ao Nordeste, principalmente em Recife, e porque a reconstrução da cidade foi praticamente toda ela feita com os recursos brasileiros, e de tal forma que foi o estopim para a Inconfidência Mineira, alguns anos depois. Mas, apesar desse pano de fundo promissor, o desenvolvimento do livro deixou a desejar. A trama acompanha alguns personagens isolados, atingidos por esses eventos, perambulando pela cidade destruída e tentando sobreviver e encontrar algum sentido naquele caos, e cujas histórias vão se cruzando no decorrer do livro. A narrativa dos eventos é bem detalhada, muito bem narrada, dá uma ideia bastante boa de como tudo deve ter acontecido e da sensação de desespero e surpresa do povo, tendo suas vidas viradas de ponta-cabeça em minutos. O problema é o desenvolvimento da história e dos personagens, que não conseguiram despertar minha empatia. A história é narrada por um comerciante português, aprisionado por piratas árabes, que foi abandonado por Portugal e não teve outra opção a não ser se tornar ele mesmo um pirata, e que por isso está preso, aguardando seu julgamento, enquanto conta a história do terremoto e desse grupo de pessoas: duas freiras fugindo da Inquisição, um rapaz que acredita que a irmã ainda está viva debaixo dos escombros de sua casa e procura desesperadamente salvá-la antes que seja tarde demais, um comerciante inglês, preocupado com o que terá acontecido com seu dinheiro, que estava no banco, e do próprio pirata e seu companheiro árabe, tentando encontrar uma forma de fugir da cidade e de um grupo de bandidos espanhóis que os estão perseguindo. E a trama se resume a esses personagens perambulando de lá pra cá, tentando encontrar comida e se manterem vivos, e isso é até interessante, principalmente aos acontecimentos que vão levando eles a se encontrarem. Mas vamos ao que me incomodou: quem já esteve em Lisboa, com certeza conheceu os pontos centrais, a Praça do Comércio e o Largo do Rossio, que são bem próximos, e os personagens ficam correndo de lá pra cá entre esses dois pontos, como se não houvesse como sair dali, mas ao mesmo tempo é relatado o êxodo dos moradores da cidade para acampamentos nos arredores, e isso acaba cansando. Outro ponto que achei estranho: você é um fugitivo, acaba de sobreviver a uma catástrofe, está perambulando por um local destruído e cheio de cadáveres, perseguido por bandidos, faminto e machucado e fica pensando em... sexo. Aliás, sexo e violência são dois temas bem detalhados no livro, inclusive, como reza a cartilha das obras atuais, com a inclusão de personagens homossexuais. Nada contra, mas um destaque desnecessário no contexto do livro. O personagem inglês é irritante: ele mora em Lisboa há anos, mas ainda não consegue falar português fluente, por isso suas falas misturam as duas línguas, da forma mais tosca possível, bem no estilo “mim Tarzan, you Jane”, por exemplo: “I am preocupado com my money no banco” ou “You are a mulher de my life, eu want casar com you.” Irritante e ridículo. Uma das freiras é bem jovem, e apesar de ter nome, Margarida, na maior parte do livro o narrador se refere a ela como a “rapariga bonita”. Por fim, toda a repercussão do acontecido, as medidas tomadas pelos governantes (a família real não sofreu porque o rei decidiu assistir a Missa em Belém, local que não foi atingido), especialmente pelo Marquês de Pombal para resolver a situação ficaram bem de lado, em detrimento das peripécias dos personagens. O rei praticamente não aparece e o Marquês aparenta estar mais preocupado com picuinhas pessoais do que com a reconstrução da cidade. Em resumo, uma ideia excelente, que poderia gerar um livro fantástico, mas que foi bastante desperdiçada por uma abordagem capenga, soluções fáceis e linguagem pobre. É um livro que se lê rapidamente, dá para se divertir, mas sobre o evento mesmo, pouco acrescenta.