Lista de Livros 18/02/2019
Lista de Livros: O Mal-estar da Pós-Modernidade - Zygmunt Bauman
Parte I:
“Qualquer valor só é um valor (como Georg Simmel, há muito, observou) graças à perda de outros valores, que se tem de sofrer a fim de obtê-lo. Entretanto, você precisa mais do que mais falta. Os esplendores da liberdade estão em seu ponto mais brilhante quando a liberdade é sacrificada no altar da segurança. Quando é a vez de a segurança ser sacrificada no templo da liberdade individual, ela furta muito do brilho da antiga vítima. Se obscuros e monótonos dias assombraram os que procuravam a segurança, noites insones são a desgraça dos livres. Em ambos os casos, a felicidade soçobra. Ouçamos Freud, novamente: “Estamos supondo, assim, que só podemos extrair intenso deleite de um contraste, e muito pouco de um estado de coisas.” Por quê? Porque “o que chamamos felicidade (...) vem da (preferivelmente repentina) satisfação de necessidades represadas até um alto grau e, por sua natureza, só é possível como fenômeno episódico”. Sem dúvida: liberdade sem segurança não assegura mais firmemente uma provisão de felicidade do que segurança sem liberdade. Uma disposição diferente das questões humanas não é necessariamente um passo adiante no caminho da maior felicidade: só parece ser tal no momento em que se está fazendo. A reavaliação de todos os valores é um momento feliz, estimulante, mas os valores reavaliados não garantem necessariamente um estado de satisfação.
Não há nenhum ganho sem perda, e a esperança de uma purificação admirável dos ganhos a partir das perdas é tão fútil quanto o sonho proverbial de um almoço de graça — mas os ganhos e perdas próprios a qualquer disposição da coabitação humana precisam ser cuidadosamente levados em conta, de modo que o ótimo equilíbrio entre os dois possa ser procurado, mesmo se (ou, antes, porque) a sobriedade e sabedoria duramente conquistadas nos impedem, aos homens e mulheres pós-modernos, de nos entregar a uma fantasia sobre um balanço financeiro que tenha apenas a coluna de créditos.”
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Parte II:
“Não é preciso mencionar que o problema da justiça não pode ser sequer postulado a menos que já haja um regime democrático de tolerância que assegure, em sua constituição e prática política, os “direitos humanos” — ou seja, o direito a conservar a própria identidade e singularidade sem risco de perseguição. Essa tolerância é uma condição necessária a toda justiça. O ponto principal, porém, é que não é a sua condição suficiente. Por si mesmo, o regime democrático não promove (e muito menos assegura) a transformação da tolerância em solidariedade — ou seja, o reconhecimento da penúria e sofrimentos de outras pessoas como responsabilidade própria de alguém, e o alívio, assim como, subsequentemente, a eliminação da penúria como a tarefa própria de alguém. Na maioria das vezes, dada a atual configuração do mecanismo político, os regimes democráticos interpretam tolerância como empedernimento e indiferença.”
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Parte III:
“O fundamentalismo religioso pertence a uma família mais ampla de soluções totalitárias ou protototalitárias, oferecidas a todos os que deparam a carga da liberdade individual excessiva e insuportável Num mundo em que todos os meios de vida são permitidos, mas nenhum é seguro, (estas soluções) mostram coragem suficiente para dizer, aos que estão ávidos de escutar, o que decidir de maneira que a decisão continue segura e se justifique em todos os julgamentos a que interesse.
Longe de ser uma explosão de irracionalidade pré-moderna, o fundamentalismo religioso, muito parecido com os autoproclamados reavivamentos étnicos, é uma oferta de racionalidade alternativa, feita sob medida para os genuínos problemas que assediam os membros da sociedade pós-moderna. Como todas as racionalidades, ele seleciona e divide; e o que seleciona difere da seleção efetuada pelas forças desregulamentadas do mercado — o que não o torna menos racional (ou mais irracional) do que a lógica da ação orientada pelo mercado. Se a racionalidade típica do mercado se subordina à promoção da liberdade de escolha e prospera sobre a incerteza das situações de execução da escolha, a racionalidade fundamentalista coloca a segurança e a certeza em primeiro lugar e condena tudo o que solapa essa certeza — antes e acima de tudo, as extravagâncias da liberdade individual. Em sua interpretação fundamentalista, a religião não é uma “questão pessoal”, privatizada como todas as outras escolhas individuais e praticada em particular, mas a coisa mais próxima de uma completa mappa vitae: ela legisla em termos nada incertos sobre cada aspecto da vida, desembaraçando desse modo a carga de responsabilidade que se acha pesadamente sobre os ombros do indivíduo — esses ombros que a cultura pós-moderna proclama onipotentes, e o mercado promove como tais, mas que muitas pessoas acham frágeis demais para essa carga.
O fundamentalismo religioso, sugeriu Kepel, tem “uma singular capacidade de revelar os males da sociedade”. Até que ponto? Com a agonia de solidão e abandono induzida pelo mercado como sua única alternativa, o fundamentalismo, religioso ou de outra maneira, pode contar com uma clientela sempre crescente. Seja qual for a qualidade das respostas que ele fornece, as perguntas a que responde são genuínas. O problema não é como desprezar a gravidade das perguntas, mas como encontrar respostas livres dos genes totalitários.”
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