Nayra Garofle 20/03/2009
Amar, verbo intransitivo
Ensinar a amar. Pode alguém ter esse dom? Pois no primeiro romance de Mário de Andrade, publicado em 1927, Amar, verbo intransitivo, esta é a profissão de Fräulein Elza. Está certo que a missão dela não é, de fato, esta. Mas toda regra tem sua exceção. Contratada pelo chefe de família Souza Costa para iniciar seu filho, Carlos Alberto, de 15 anos, na vida sexual, Elza entra na família como governanta, certa de que dona Laura, mãe do menino, saberia do verdadeiro motivo de sua contratação desde o início, como combinado com o pai.
Amar, verbo intransitivo, aplaudido com entusiasmo pela crítica modernista da década de 20 e atacado pelas vozes passadistas, teve, nos anos 40, seu valor reconhecido por uma nova leva de escritores. Traduzido para o inglês, deu ensejo ao filme de Eduardo Escorel, Lição de amor e é, até os dias atuais, objeto de estudos universitários. Porém, mesmo com o interesse consolidado pelo modernismo e Macunaíma, obra de 1928 do mesmo autor, ser de conhecimento do grande público, Amar, verbo intransitivo permanece quieto nas prateleiras de leituras brasileiras.
O livro de 160 páginas chamou atenção por diversos aspectos, desde o tema abordado até a sua linguagem, considerada “errada” na época, pois se aproxima do português coloquial brasileiro. O uso de digressões remete o estilo machadiano. Classificada pelo próprio autor como idílio – sentido de história de amor leve e poético – o tema, provavelmente, causou polêmica na época. A preocupação do pai em preparar o filho para a vida sexual não permitindo que o mesmo tivesse sua iniciação num prostíbulo e ser explorado pelas prostitutas faz Souza Costa contratar uma profissional, acreditando que uma iniciação sexual tranqüila e segura era garantia para uma vida madura.
Porém, a intenção de Souza Costa é fadada ao fracasso, uma vez que Carlos não era virgem. Já havia tido sua experiência sexual, um meio à farra de seus amigos, com uma prostituta. Contudo, foi um ato mecânico e não uma iniciação completa.
Mário de Andrade revela, em sua narrativa, a questão dos valores sociais da época. O fato de Souza Costa adotar a atitude de contratar uma profissional para realizar os serviços debaixo do seu próprio teto expõe determinados valores daquela burguesia. Assim, o autor faz críticas notórias à classe média paulistana, incluindo a presença de biblioteca na casa, quando os livros eram comprados somente por questão de status.
Fräulein, a governanta alemã e também professora de línguas e piano na família, desdobra-se para seduzir Carlos que, ingênuo, não capta suas insinuações no início até que isso muda. De repente, o rapaz demonstra profundo interesse pelas aulas de alemão e por tudo o que se refere à Alemanha. E se apaixona por Fräulein que ao corresponder o amor do rapaz se preocupa em não perder o controle da situação.
A obra de Mário de Andrade não possui capítulos, numeração de seqüências ou títulos para elas. É um texto de ficção com “flashs” resgatando o passado ou cenas apresentadas pelo Narrador.
Com uma história curiosa e inovadora para a época, o texto revela um final ainda mais curioso, daqueles que permitiriam mais umas cinqüenta páginas só para satisfazer a vontade do leitor.