carbononh 13/08/2023
"Tudo neste livro é invenção, mas quase tudo aconteceu"
Este livro é absolutamente incrível. Delicado e sensível, narrado ora pela perspectiva de um pai que procura informações sobre a filha, ora por contos inspirados em outros casos e entrevistas da ditadura brasileira, Bernardo Kucinski nos apresenta o emaranhado de (des)informações acerca dos desaparecidos e presos políticos que perdurou no Brasil durante a ditadura militar. Baseado na história da irmã e do cunhado, sequestrados, presos, torturados e assassinados na década de 70, K. nos revela a inquietação dos sobreviventes que buscavam e esperançavam o retorno daqueles que simplesmente evaporaram; nos mostra a crueldade que assolava os perseguidos e como isso reverberava dentro das próprias comunidades. Com maestria e cuidado, juntando realidade e ficção, K. tece uma história única, incrível e interessante do início ao fim do que é um dos episódios mais marcantes e lamentáveis da história deste país.
"Sei que as cartas à destinatária ausente continuarão a chegar. O carteiro nunca saberá que a destinatária não existe; que foi sequestrada, torturada e assassinada pela ditadura militar. Assim como o ignorarão antes dele, o separador das cartas e todos do seu entorno. O nome no envelope selado e carimbado como a atestar autenticidade, será o registro tipográfico não de um lapso ou falha do computador, e sim de um mal de Alzheimer nacional. Sim, a permanência do seu nome no rol dos vivos será, paradoxalmente, produto do esquecimento coletivo do rol dos mortos."
"Sua paixão pela revolução só tinha paralelo no amor pelos livros. [...] está vendo esse apinhado de livro na garagem? Tudo dele? agora, sem serventia; eu aprendi as letras, mas depois do acidente o olho perdeu leitura, só dá para a página do esporte, ainda assim, um tantico; para ele os livros eram tudo, ninguém podia nem tocar. Tirou leitura logo cedo. Desde piá, os outros folgando, ele só lendo; os outros iam empinar pipa, ele buscava livro na casa do tio".