Intermitencias 02/01/2023
Escrito em 1991, Evangelho Segundo Jesus Cristo não foi bem aceito pela Igreja Católica, o que levou à censura da obra e a mudança de Saramago para Lanzarote....
Não se trata de uma versão bíblica, mas de uma ficção histórica..mas então o que tanto incomodou a igreja católica? Talvez a humanidade de Jesus, vulnerável e frágil em várias ocasiões, da infância até a morte...talvez a cobiça de Deus em relação ao catolicismo, a custo de guerras e mortes cruéis..talvez pela presença forte de uma prostituta, Maria de Magdala, em contraponto aos momentos de fraqueza de Maria, mãe de Jesus.
Jesus, concebido de Maria, segundo lhe anuncia um mendigo, nasce coberto de sangue e os pastores lhe trazem o que mata a fome e não itens exóticos..Já carrega, desde a mais tenra infância, a culpa de José, e depois a ambição de seu outro pai, Deus.
Como um adolescente comum, Jesus é cético às questões divinas, dentre as quais a culpa, legado de nossos pais, e desde cedo sai pelo mundo..vive anos no deserto com um pastor que não sabemos de onde e para o que veio..e se encontra com Deus, que lhe revela a paternidade, o poder e glória, mas a custo de sua vida, o que fica muito claro no segundo encontro, este com a participação especial do Diabo, em um diálogo do qual não saímos incólumes da dúvida quanto aos dogmas religiosos, do eterno pecado e da culpa humana..
Impossível não questionarmos se a bondade de Jesus não era decorrente de seus medos, anseios, dúvidas, do amor ao próximo e quem sabe carnal..seria Jesus impuro ao conhecer o amor carnal e espiritual, o companheirismo e a divisão da vida, como lindamente retratado no capítulo em que conhece Maria de Magdala, prostituta, que o zela e o acompanha até o final dos seus dias..seria necessário então, para redenção da humanidade, o sofrimento cruel de quem tão somente cumpriu seus desígnios na terra..
Evangelho é instigante, crítico e questionador, e somente poderia ser escrito por quem que tão bem pregou a humanidade..só recomendo a leitura e até sua releitura, para pensarmos que qualquer sofrimento ou morte, como a cruelmente imposta a Jesus, não se justifica em nome de uma religião ou de deuses, nominados ou não..