Coruja 03/03/2021Publicado em 1922,
O Adversário Secreto foi o segundo livro de Agatha Christie - tomando um caminho completamente diferente do bem-sucedido
O Misterioso Caso de Styles, provando, contudo, tanto a capacidade da autora de urdir uma boa trama como sua versatilidade dramática. Tendo à frente uma dupla de investigadores completamente amadores (que, aliás, começam sua carreira como chantagistas acidentais), é um enredo de espionagem repleto de tensão, mas também surpreendentemente cômico.
Desempregados, sem grandes fundos, mas dispostos a uma boa aventura, Tommy e Tuppence entram na busca de Jane Finn, uma jovem que desapareceu após o naufrágio do
Lusitania em 1915. A moça provavelmente tem em sua posse um tratado secreto que, terminada a guerra, torna-se comprometedor para a Inglaterra e os países aliados. O tratado tem informações que podem desestabilizar o governo e assim começa uma corrida para encontrar a moça e os documentos.
Agora, esqueça os clássicos thrillers de espionagem. Por mais que o mistério da identidade de Mr. Brown - o grande adversário do título - seja intrigante, o que brilha são os protagonistas: o imperturbável Thomas “Tommy” Beresford e a atrevida Prudence “Tuppence” Cowley. Amigos de infância que se reencontram em Londres após a desmobilização da Primeira Guerra, formam de brincadeira uma empresa de ‘Jovens Aventureiros’ e, por uma série de coincidências, se envolvem nessa rede de intrigas com direito a documentos confidenciais, jovens raptadas, e até a possibilidade de um golpe no governo britânico - aparentemente planejado pelos bolcheviques.
As coincidências e situações em que nossos heróis continuamente se descobrem são, francamente, ridículos. Um nome ouvido no meio da multidão é usado aleatoriamente por Tuppence, momento em que a moça se torna uma chantagista acidental (algo que me faz gargalhar sempre que lembro da cena). O mesmo nome, posto num anúncio de jornal, leva os dois jovens - sem qualquer experiência prévia ou treinamento - a serem não oficialmente admitidos pelo serviço secreto (onde estava James Bond?), bem como se aliarem a um milionário americano com dinheiro demais e bom senso de menos. Na metrópole que é Londres, Tommy e Tuppence praticamente ‘tropeçam’ nas pessoas que precisam seguir para continuarem suas investigações.
Sério, para uma trama de espionagem, é curioso como personagens-chave confiam fácil uns nos outros. Que Beresford tenha reconhecido Mr. Carter de seu serviço no front até dá para engolir, e gosto de pensar que assim que deixaram a companhia do homem, ele usou de todos os recursos a sua disposição para fazer uma devassa na vida da dupla. Mas que Tuppence e Tommy simplesmente engulam de cara a história de Julius, coloquem todas as suas cartas na mesa para o outro rapaz logo no primeiro encontro é mais que inexperiência; é loucura.
O romance é ainda repleto de personagens estereotipados que são bem característicos da xenofobia casual de Christie: o clube secreto descoberto por Tommy a certa altura praticamente não nomeia ninguém, apenas atribui nacionalidades aos vilões (os russos, o alemão, o irlandês…). A forma como ela costuma retratar estrangeiros em sua obra costuma ser bem pouco lisonjeira - mas é curioso que, quando ela quer um vilão realmente temível, prefere um típico e fleumático britânico.
Mr. Brown, aliás, fez-me lembrar do professor Moriarty (o lance da caderneta em especial, remeteu-me direto ao Moriarty de
Sherlock Holmes: o Jogo das Sombras). Toda aquela descrição de ‘mente criminosa mais brilhante de nossa época’ foi a pista que eu precisava para resolver o caso por volta da metade do livro. Ponto pra mim! Há!
Por todas as críticas que fiz, pode parecer que não gostei de
O Adversário Secreto, mas isso está longe de ser verdade. Diverti-me demais com as tiradas da Tuppence, a obstinação de Tommy, os impulsos de Julius e a sagacidade de Jane (quando ela é finalmente localizada). Perseguições em alta velocidade, encontros e desencontros, bilhetes falsos: há bastante ação para te deixar de fôlego curto enquanto espera o que virá a seguir, somado a um romance que pode soar clichê, mas é perfeitamente satisfatório. Por mais inverossímil que o enredo possa parecer, a trama é bem costurada e a leitura, envolvente como um clássico da Sessão da Tarde.
Que venha o próximo!
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