marcilivros 22/01/2013
Ponte invisível: amor
Encontrei-me com Andras e Tibor Lévi já fazem alguns meses. Conhecemo-nos quando ambos iam assistir à ópera Tosca, em uma noite do mês de setembro do ano de 1937, véspera da partida de Andras para Paris, onde iria estudar arquitetura, contemplado com uma bolsa de estudos. Seu irmão resolveu então presenteá-lo com este espetáculo para que pudesse despedir-se em grande estilo de sua pátria. Fui junto com os dois, ouvi sua conversa, acompanhei-os à estação no dia seguinte, emocionei-me com a separação, pois já havia percebido que tinham um grande vínculo, fiquei preocupada com a chegada de Andras a Paris, sozinho, acompanhado apenas de suas mmalas e de uma encomenda que estava levando para um rapaz e uma carta misteriosa.... a qual iria modificar toda a sua vida. Não sabíamos disso, claro e ele passou por alguns maus bocados em sua chegada, até que pudesse encontrar um local para morar.
Iniciou suas aulas, acreditando que estava tudo certo com o pagamento de seus estudos e seu material, mas.... ele era judeu e naqueles tempos as coisas já estavam mudando para quem assim se denominasse. Foi informado de que nenhum pagamento havia sido efetuado e que ele precisava resolver como faria para manter-se em Paris estudando. No entanto, ele, como seu pai, tinha alguma sorte e conseguiu que alguém o ajudasse com metade do problema, mas e o resto?
Foi atrás de um emprego, que arranjoue lá, num certo dia, foi convidado para almoçar na casa de uma moça, cujo endereço era o mesmo para onde ele tinha posto a tal carta que trouxe da Hungria. Vocês podem perguntar: sim, mas ele não levou pessoalmente a carta? Não. A encomenda, sim, entregou ao destinatário, mas a carta foi-lhe pedido que selasse e colocasse em uma caixa dos correios.... E foi o que ele fez... até que recebeu o tal convite.
Fui com ele até lá, vivenciamos situações prazerosas e de alguma tristeza e, neste lugar, Andras apaixonou-se.
Depois disso, a situação ficou um tanto nebulosa, ora tudo estava bem, ora tudo era catastrófico. Um dos seus melhores amigos, foi espancado quase até a morte no banheiro da faculdade por ser judeu e homossexual e aí eu, com outras prioridades na época, acabei deixando a obra... Mas, quando entrei de férias, havia decidido que ia voltar à leitura, já que a sinopse, na época, tinha me atraído sobremaneira e eu queria continuar minha viagem com Andras e Tibor.
Tentei ir em frente, seguir de onde tinha parado, mas percebi que não era possível. Precisava reencontrar-me com os personagens, envolver-me, sentir tudo de novo.... e foi o que fiz.
Portanto, agora, aqui estou para dizer-lhes que Andras e Tibor, o qual foi também estudar, mas na Itália, Medicina, tiveram de voltar para a Hungria, pois por serem judeus, seus vistos haviam sido cancelados e só poderiam ser renovados em seu local de origem, o que nós sabemos, não aconteceria, pois a Segunda Guerra estava para ser declarada.
Ambos foram convocados para frentes de trabalho, entraram no inferno e... como saíram de lá? Andras, com tantos sonhos, com seu amor por Klara e Tibor, com sua vontade férrea de ser médico e seu amor por Ilana.... Sempre penso, ao terminar um livro cuja Segunda Guerra é o cenário, que já vi todas as atrocidades, mas sempre engano-me, já que crueldades inimagináveis surgem a cada página, em cada frente de trabalho, com homens que deixam vir à tona sua essência mais primitiva,mais pré-histórica... Mas também há homens que não se deixam modificar, que agem como seres humanos e percebem seus semelhantes como pessoas com sentimentos, que têm família, que amam, que querem manter-se vivos...
Como continuar vivendo mediante a lama, a miséria, a fome, a neve, a doença, o desrespeito, a invisibilidade? O que faz alguém querer acordar todos os dias, apesar de tudo? O amor? Penso que sim.... Não sei se de outro modo Andras conseguiria suportar tamanhas provações pelas quais passou... Mas e outros, que como ele, também amavam? Por que não conseguiram? Acredito que seja porque em uma guerra também faz-se necessário um pouco de sorte, de ajuda do acaso, de alguma outra condição que não se saiba explicar, mas que ele teve...
Mortes? Sim, muitas.... Dor? Quantas.... inumeráveis.... mas é, sem dúvida, um livro que eu recomendo a leitura, pois a cada volta de Andras para os braços de Klara, ganhamos força e torcemos, primeiro, para que ele não fosse convocado de novo, mas quando era.... que conseguisse retornar, ainda que tivesse que, literalmente, sair debaixo da terra....
Chorei algumas vezes, mas o momento em que tive que dar uma respirada maior, foram vários, claro, mas o que parei, fiquei pensando foi quando Andras, jogado no vagão de quarentena, pois estava com tifo, disse a um capataz que veio buscar homens para levar a um campo de trabalho além da fronteira: Eu quero trabalhar..... Ele mal podia manter-se em pé, estava apoiado em um companheiro, e ao dizer estas palavras, caiu ao chão... Seu esforço chegou a este extremo porque eles foram informados de que quem não conseguisse levantar-se, seria fuzilado...