A montanha mágica

A montanha mágica Thomas Mann




Resenhas - A Montanha Mágica


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Marcos 18/03/2010

No topo da montanha
Achei que este dia nunca fosse chegar, mas chegou. Após quase 3 meses de leitura, termino a minha escalada.

4 estrelas, mas entra pro rol de favoritos. Sempre achei contraditório quando via isto acontecer na estante dos outros, mas tenho uma boa justificativa agora. Foi uma obra que me marcou, acrescentou algo a minha vida e isto é justificativa para estar entre meus favoritos. Mas é extenso, a impressão é de que é maior do que deveria ser. É repleto de detalhes que eu não costumo dar atenção, como coisas do ambiente, explicações sobre doenças, detalhes físicos do ambiente e dos personagens, etc.

Porém, entendo perfeitamente que não se trata de mera futilidade. A intenção é permitir que o leitor se transporte para a montanha, que entenda o ambiente como seus habitantes o entendem. E que o leitor entenda melhor os conceitos apresentados sobre a noção de tempo através do próprio tempo prolongado da narrativa.

Quando adquiri o livro, imaginei que o título era meramente figurativo, uma simples figura de linguagem. Mas a montanha é mesmo mágica. O sanatório é uma espécie de mundo paralelo, em que seus habitantes constroem uma cultura própria, um tanto quanto diferente da que estamos acostumados. Como disse, a percepção do tempo é diferente e a própria percepção das coisas é diferente, influenciados pelo efeito que a doença provoca. Construir um universo fantástico como fez Tolkien em O Senhor dos Anéis é algo louvável. Mas é ainda mais extraordinário ver uma espécie de universo paralelo construído com todos os elementos de nossa realidade. Nada de orcs, elfos ou anões, são seres humanos, doentes, mas muito singulares.

O ponto alto do livro, na minha opinião, nem é esse. São os diálogos, especialmente os entre Naphta e Settembrini. A dialética do homem de fé, da idade média, com o europeu clássico, burguês e liberal. Um choque de culturas. Mas engana-se quem acha que os temas dos diálogos da obra se resumem a ideologias. É uma espécie de compilação daquilo que entendemos como filosofia de bar, onde pessoas resolvem divagar e debater acerca das coisas mais variadas da vida, como o tempo, amor, política, fé, morte e até mesmo o efeito provocado por diferentes marcas de charuto.

Há algumas passagens esquisitas, como o episódio do copo. Assim o descrevo pra não criar spoilers, mas é bastante surpreendente. Me pareceu um capítulo jogado no livro, sem muita conexão com o resto da obra. Talvez seja uma provocação do autor àqueles mais céticos, adeptos de Settembrini. Quem leu a obra deve entender. E também não gostei do encontro entre dois personagens quase que totalmente narrado em francês ! Quem não sabe, perdeu e o pior é que era um dos encontros mais esperados da obra. São umas 4 ou 5 páginas de francês quase que na íntegra. Eu cheguei a aprender no colégio, mas não tive saco pra ler. Minha edição é essa aí da capa, Nova Fronteira. Entendo que é uma técnica do autor para manter a fidelidade da obra, uma vez que os personagens estavam conversando numa língua que não era a deles, mas poderia haver uma nota de rodapé indicando as páginas traduzidas no fim do livro. Mas não houve nem nota, nem tradução. Terminei sem saber exatamente.

Passei quase todo o livro tentando entender qual era a relação da obra com a sua sinopse. À medida que vai se aproximando do fim, esta relação fica mais clara. O final é, creio eu, inusitado. Apropriado, considerando o objetivo do autor e condizente com a grandeza da obra.

São 957 páginas e esta resenha é simplista pra descrever o livro. É feita para leitores hardcore, os que estão, como gosto de dizer, "no espírito" da leitura trabalhosa. A linguagem em si não é das mais difíceis, mas o conteúdo leva tempo para ser digerido. Frequentemente eu me distraía e precisava reler o que acabei de ler, pois não captava bem a essência daquilo que foi falado.

É preciso, portanto, estar preparado. E mesmo assim creio ser difícil para qualquer um absorver todo tipo de conhecimento que a leitura proporciona. É para ser lido várias vezes. Não sei se vou chegar a relê-la um dia, mas foi uma boa experiência.
Flavia 04/04/2011minha estante
Estou querendo reler também. Mas só de pensar em escalar tudo novamente, me dá um desanimo, mesmo sabendo que chegar ao topo da Montanha, compensa todos os esforços. E atingir o topo por uma segunda vez deve ser melhor ainda, pois poderemos prestar mais atenção no caminho para absorver melhor o que ficou para trás da primeira vez.


Valdiran 01/03/2012minha estante
São comentários como seu, econômico em adjetivos, meramente subjetivos, que me encorajam a retomar a leitura de A montanha mágica - já comecei 3 vezes e desisto em torno da página 300. Valeu.


Marcos 01/03/2012minha estante
Valdiran e Flavia, obrigado pelos comentários. Fico feliz de a resenha ter sido útil. Abraços.


Paula Cristina 11/05/2012minha estante
Parabéns pela belíssima, objetiva e intrigante resenha!
Há tempos quero ler este livro! Acredito que o momento seja apropriado a mim e, com a leitura de tua resenha, Marcos, fiquei ainda mais animada!


Marcos 11/05/2012minha estante
Que bom que gostou, Paula. Lembre-se de ser paciente com a leitura. Abraços.


rcolini 13/09/2013minha estante
As considerações sobre a universalidade da obra, a intensidade com que trata a e efervescência da virada do século e a perplexidade da guerra em um mundo tão embriagado de si, foram bem e suficientemente abordadas pelos colegas. Restringirei a comentar o que também achei estranho inicialmente: as experiências espíritas.
Bem, isto fazia sentido neste contexto dos loucos anos 10 e 20 - de experimentalismos estéticos, científicos - e porque, não, espirituais - que contagiaram a época. Mas realmente é aspecto menor.
Vou retratar um dos tesouros, às vezes escondidos, que toda obra revela de acordo com o espírito de cada leitor. Sou montanhista incidental, e a descrição do jovem Hans sozinho na montanha é de arrepiar quem vivificou a experiência glacial e solitária da alta montanha. É mais uma faceta que o autor não deixou escapar, em uma época em que a aventura humana em nosso planeta, em seus mais remotos e difíceis ambientes, empolgavam multidões. Acabei a leitura há 30 minutos e valeu cada página, ficando o sentimento de... E agora? Resta a orfandade e o luto pela obra acabada e a timidez em saber qual será a próxima aventura literária que nos encantará...


ronaldojr 02/04/2016minha estante
estou lendo.. e faz algum tempo.. Voce disse bem sobre um perfil "hardcore" em ler um livro tao extenso.. mas creio que a maioria dos livros extensos tem essa característica para com a riqueza de detalhes, muita da vezes sem necessidade.. Mas talvez tenha sido essa a intencao do autor, na tentativa de tornar os personagens simbioticamente integrados: o hospital, a doença e todo processo q envolve a cura e a morte. Nao somente de cura fisica mas absorção do ambiente fisico e subjetivo de cada perfil ali.


Fábio 15/08/2016minha estante
Estou lendo pela primeira vez e realmente não é uma leitura para ser digerida rapidamente e sim para ser degustada. todas as vezes que passo por uma determinada situação que não tenha prestado muita atenção, eu retorno e releio. Precisa de calma e paciência mas vale muito a pena...estou na pagina 477 e quase pensei em desistir mas parei para ler uns dois livros menores e depois retornei a ele!!! Fica a dica!!


regina.pacheco.188 30/01/2019minha estante
Gostei muito de seu comentário.


Cahê 11/03/2019minha estante
Concordo muito com o episódio do copo, foi uma coisa bem aleatória e sem sentido. Mas o livro realmente é excelente, terminei com vontade de reler haha


Erânio 23/04/2019minha estante
"A vida, meu caro jovem, é uma mulher, uma mulher estatelada, com os seios exuberantes e apertados, com ventre amplo e macio entre os quadris salientes, com braços delgados, coxas opulentas e olhos semicerrados, uma mulher que nos desafia magnífica e zombeteiramente e reivindica todas as energias da nossa virilidade, que se deve confirmar ou perecer perante ela". (trecho)


Marcia Seabra 27/03/2020minha estante
Parabéns pela resenha e autenticidade ao descrever suas dificuldades. Tenho esse livro encalhado há anos em minha estante e confesso ter muito medo de lê-lo. Em tempos de pandemia e quarentena, acho que será um grande desafio encará-lo


Luciana 03/07/2020minha estante
Acabei o livro hj. Ele está na minha cabeceira há absurdos 3 anos. Quando iniciei ia bem, mas depois da pag 400 foi ficando difícil. Abandonei por anos li muita coisa no caminho e há 2 semanas peguei de volta. Faltavam 150 páginas. Não sei o que aconteceu com essa leitura que foi tão difícil. Agora posso seguir minha vida em paz?


Angelina 09/10/2021minha estante
Marcos, passados 10 anos desde o seu comentário, o que chega a ser curioso, gostaria de sugerir, humildemente, para uma melhor compreensão, a releitura da obra publicada pela companhia das letras. A edição conta com notas de rodapé, que traduzem os diálogos em francês e um pósfacio maravilhoso e elucidativo acerca das questões que vc achou ser desnecessário. Existe um sentido concatenado ao capitulo do copo pois a obra, literalmente, possui essa proposta hermética. Sem contar como faz diferença na interpretação entender a importancia da atenção empregada a certos detalhes, como na fixação do personagem principal com as mãos, por exemplo. Como a obra foi escrita pra ser relida ao menos uma segunda vez, entendo o porquê dos comentários estarem ao fim dessa edição. Mas eu teria absorvido melhor a obra se os mesmos estivessem no prefácio (risos). De qualquer forma, adorei o seu comentário e deixo aqui uma sugestão.

Abraços!!


Flavio.Santos 03/06/2022minha estante
Comecei a "subir" a Montanha no início da pandemia e terminei exatamente hoje, dia 3 de junho de 2022, dois anos após tê-lo tirado da estante. Fui lendo de forma nada disciplinada, porém atenta; e tal qual Hans Castorp não me dei conta que havia se passado tanto tempo assim. Nunca demorara tanto para ler um livro e olha que eu já li a trilogia do Tempo e o Vento quase que de um só fôlego. A Montanha Mágica é uma experiência que vai custar a ser digerida (talvez nunca seja), tamanha complexidade dos fatos e dos personagens. Eu não aconselharia essa leitura aos incautos, só aos fortes de espírito (e com grande paciência).


Nirvh 10/10/2022minha estante
Bela crítica, me marcou


Marilana 28/05/2023minha estante
Li por 2 meses e 10 dias! Que livro incrível ! São muitos detalhes mas valeu a pena ! Obrigada pela resenha brilhante !




Olavof 31/03/2023

Um desafio
Depois de mais de dois meses consegui chegar no topo dessa montanha mágica. Um grande clássico que vale a pena ser lido.
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Jorlaíne 30/08/2022

A tranquilidade que a nossa vida precisa!
O livro é uma obra de arte!
Una narrativa que deve ser lida com calma, pois traz inúmeras discussões sobre a relação com o tempo e com a morte.
O livro é impregnado de múltiplas referências históricas, filosóficas, políticas e artísticas.
O narrador aborda todos estes temas a partir de uma ida do herói do romance a um sanatório para visitar um primo acometido de tuberculose. A partir de então, o tempo parece parar para o protagonista, mas o leitor consegue acompanhar a passagem do tempo e refletir sobre ele.
O livro tem uma linguagem fluida e poética, além de se dirigir ao leitor com leveza, bom humor e sem cerimônia. Em muitos momentos, tive vontade de acompanhar Hans Castorp nesse sanatório e fugir de toda a loucura que vivemos na atualidade.
Joao 30/08/2022minha estante
Que resenha sensacional! Tive minha primeira experiência com o autor neste ano com Morte em Veneza, mas quero muito ler A Montanha Mágica, principalmente depois dessa resenha heheh


Jorlaíne 30/08/2022minha estante
Obrigada, João. Quero pegar Dr Fausto em breve. A escrita dele é diferente de tudo o que li na vida. Vale muito a pena. Boa leitura pra você!


Maria 03/09/2022minha estante
Adorei! Posso dizer que me senti de forma semelhante quando o li.




mat 14/01/2021

Então subi a Montanha...
Terminar esse, que é um dos grandes romances da Literatura Alemã me deixou orgulhoso,  lendo resenhas e assistindo vídeos sobre a obra, ao iniciar fiquei com medo de não entender ele devido a sua complexidade, mas percebo que uma leitura atenta e reflexão ajudam no entendimento de boa parte da obra (acredito que entender ela integralmente somente o autor).

O Enredo é o seguinte: o Jovem Hans Carstop vai visitar seu primo doente num sanatório para tuberculosos na cidade de Davos (Suíça), e pretende ficar lá três semanas, mas posso adiantar que ele fica muito mais que isso. Acontece que esse livro é sobre o tempo (e sua plasticidade), e a experiência de leitura é essa mesma, no início o leitor consegue contar o tempo (se tiver muita atenção), mas ao longo do romance nós perdemos a noção de tempo assim como os personagens.  É também um retrato da sociedade europeia antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial e de como os indícios de sua inevitabilidade já estavam presentes anos antes de acontecer. Por fim digo que é um livro repleto de duplos, espalhamentos e detalhes (vários prenúncio inclusive), por isso a importância de marcações/anotações, e como o próprio autor indicou, de releituras. Deixo a indicação desse livro misterioso, "complexo" e Maravilhoso do Grande Thomas Mann, que me despertou curiosidade em ler toda sua obra.


P.S.: O protagonista desse livro é o personagem mais legal que já li, ele é muito divertido,  inteligente e com uma personalidade única,  eu queria que ele existisse para sermos amigos, é incrível.
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Jacqueline 29/07/2021

Muito bom, mas muito maçante.
Em um livro com mais de 800 páginas era de se esperar que algumas partes se tornem extensas demais para meu gosto, mas A Montanha Mágica tem seus encantos.
Hans Castorp, nosso ingênuo protagonista, chega ao sanatório com a intensão de ficar poucos dias ao lado de seu primo Joachim, mas ao ser alienado pelo ambiente e suas figuras interessantes passa um "tempinho" a mais do que o esperado. Por falar em tempo, assim como personagem, a narrativa também faz o leitor se desprender do conceito tempo na maioria das partes, tornando a experiência mias vívida.
Os detalhamentos do local e as experiências vividas por Castorp são incríveis, mas quando você já está na página 500 e tantos, parece que tudo regressa ao mesmo lugar, tendo como único ponto fixo o próprio protagonista que evolui e amadurece de forma espetacular durante todo o livro, para ao final tomar uma decisão própria e fiel a si mesmo.
Confesso que se não fosse pelos outros personagens que também entraram em contato com Hans Castorp, poderíamos facilmente pensar que o Sr. Settembrini e Léo Naphta eram frutos da mente do protagonista, pois são dois polos tão distintos e que trazem tantos pontos de reflexão ao rapaz que nem parecem reais.
Apesar do real motivo para Castorp ter permanecido em Davos por tanto tempo ainda ser um pouco obscuro, não consigo deixar de pensar que, depois de tantas perdas em sua vida e vendo-se fadado a um emprego fixo e duradouro, a vida nas montanhas tenha se mostrado mais acolhedora, trazendo um propósito à vida do personagem da qual ele não teve contato antes. Ser colocado frequentemente frente à casos de vida ou morte e conhecer pessoas com vivências e pensamentos que diferem, e muito de seu habitual é o que o segura naquele local, que apesar de frio, aquece e preenche um possível vazio existencial do jovem rapaz em relação às suas escolhas de vida e o exime de decisões "irreversíveis" de sua história, me fazendo pensar que se a guerra não tivesse estourado, é provável que ele continuasse lá por muito mais tempo.
A Montanha Mágica pode ter me feito refletir muito, tem personagens cativantes com histórias maravilhosas, trágicas e emocionantes, mas também se tornou extremamente maçante e precisei de toda minha força espiritual para finalizá-lo. É um clássico que vale a pena e que deve ser relido, mas daqui uns bons anos.
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Vitor Dilly 07/02/2022

Tem que ter Tempo. ⏳
Tempo: uma doideira relativa e selvagem.

7 minutos: singelas 200 páginas.
7 horas: mais 200 páginas.
7 dias: outras 200 páginas.
7 meses: novas 200 páginas.
7 anos: outra derradeira passagem de 200 páginas.

Mil páginas de uma incrível experiência literária. Única!
Tem que ter TEMPO para ler esse livro.
Ou não!
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Pedróviz 29/04/2020

Sobre a inquietude da alma
A Montanha Mágica é um livro inesquecível, como não poderia deixar de ser um clássico. As cenas, o ambiente e os personagens são  inesquecíveis. A Montanha Mágica é a história de Hans Castorp, que vai  passar uma temporada num hotel-sanatório em visita ao seu primo Joachim, ali internado, e que acaba tendo de também ficar internado com o primo. Tem- se assim o início de um
enredo através do qual Thomas Mann nos fala da morte, do amor, da natureza do tempo, da amizade e da inquietude da alma. De quebra, o autor mostra um panorama filosófico e político no período precedente à Primeira Grande Guerra através dos acalorados debates entre Setembrini e Naphta, que podem ser mais ou menos maçantes dependendo do grau de interesse do leitor no assunto.
Um livro que vale suas cinco estrelas.

.....
As conversas entre Setembrini e Naphta, na presença de Hans Castorp, ganham aspecto de competição devido ao clima crescentemente acalorado com o tempo. Os dois pretendem ter Hans como discípulo e ensinar a ele suas ideias. Setembrini é o defensor da razão, da liberdade individual, do liberalismo. Naphta defende um coletivismo cristão e socialista, a submissão do indivíduo à coletividade, a Revolução.

Mas o que mexeu comigo foi o final. Que final. Que final.
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Nati 01/07/2021

Nesse romance de formação que vai acompanhar o nosso herói, Hans Castorp, através da sua jornada no sanatório Berghof para tuberculosos, do tipo que a alta sociedade tuberculosa da época vivia em uma vida luxuosa e ociosa, em que nosso Herói se ver preso depois que foi visitar seu primo Joachim para um descanso de três semanas.

OPINIÃO

Subi a montanha com Hans Castorp foi a minha melhor experiencia de leitura do ano por diversos motivos, dentre eles:
O modo como Mann me fez senti-me no Berghof durante a leitura, me fez senti as sessações que o Hans experimentava lá, desde a letargia dos primeiros dias ao total enfardo no fim de sua jornada.
Além do fato dos capítulos serem muito expressivos para brincar com as sensações do leitor: alguns capítulos passavam rápido sem que as páginas lidas se quer fossem sentidas, outros eram tão difíceis de ler, que parecia nunca acabar. Alguns me instigavam em partir logo para o capítulo seguinte, outros me deixavam exausta até para tentar ler uma única linha a mais.

Outro motivo que me fez amar a leitura foi a amplitude de temas que a obra aborda, com inúmeras referências, muitas que sei que nem identifiquei nessa que foi a minha primeira leitura do livro, visto que se diz que só se entendi esse livro na segunda leitura.

Ademais, há a exibição do panorama da Europa pré-Primeira Guerra Mundial, inclusive identificando em algumas passagens um certo indício das ideias que viriam embasar o pensamento que foi pilar para as teorias de aceitação moral do antissemitismo e a superioridade do povo ariano ou Europeu.

Além de que, Thomas Mann está conectado nos mais modernos pensamentos científico da época, em diversas áreas, permitindo ao leitor ter um panorama dos conceitos médicos, biológicos, botânicos, físico e astrofísico, filosófico, humanístico, psicológico, dentre outros que estavam sendo estudados e difundidos na época. Assim sendo, enquanto Hans Castorp instruía-se, eu também o fazia.

A narrativa de Thomas Mann é surpreendentemente divertida, não cômica, nada disso. Contudo, com aquele fiozinho de ironia e sarcasmo delicioso. Hans não tem nada de mais para um protagonista, chega a ser pedante em muitas partes, porém o narrador com sua suave ironia e com um sacarmos quase que indetectável nos leva a deliciarmos com as vivências de Hans e seus companheiros de sanatório.

Sem falar na satisfação pessoal de vencer esse calhamaço, que o fato de ter lido em uma Leitura Coletiva tornou uma tarefa mais prazerosa ainda. Não só pelo tanto de página, mas também pelo peso da obra, que possui todo o mérito da exaltação que recebe. Assim sendo, nem se quer precisa dizer ser mais que recomendada essa leitura.
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Joao.Alessandre 07/04/2023

Casamento feliz
"Casei com esse livro" esta afirmação certamente sumariza bem a experiência dessa longa leitura. Denso, grandioso, salpicado de momentos hilários e passagens filosóficas complexas.  Escalar essa montanha nos absorve de diversas formas - ar rarefeito, frio glacial, isolamento e estratégias terapêuticas arcaicas permeiam toda a obra. Com o fluir somos cooptados por personagens notáveis como o protagonista Hans representante típico da juventude burguesa do início do século, seu primo Joachim autêntico exemplo de uma suposta retidão de caráter e resiliência militar, os "pedagogos" Settembrini e Naphta, a efusiva Madame Chauchat, o gigantesco (em muitos sentidos...) Peperkorn além dos médicos (ah estes médicos!). O tempo e sua administração como elemento base do texto amalgamado a uma sucessão de eventos insólitos sequestra o leitor. Impressiona muito a erudição e profundidade das múltiplas questões trabalhadas, sendo o processo evolutivo intelectual de Hans brilhantemente desenvolvido. Claramente percebemos a metamorfose de um jovem com cognitivo limitado em um indivíduo preocupado com grandes temas do seu tempo.
Honestamente o sentimento de pequenez me abalroou em diversos momentos no transcurso do livro ante a magnificência da Montanha Mágica. Contudo a conclusão da leitura traz aquela explosão catártica característica das grandes manifestações artísticas. Sim foi uma convivência prolongada e um casamento feliz.
Suzanie 07/04/2023minha estante
Show a resenha ??????


Joao.Alessandre 07/04/2023minha estante
Obrigado Suzanie! Depois quero ver suas impressões finais ?




Diego 29/12/2021

Interessante, longo
Gostei do livro como um todo. Foi um livro que não me prendeu totalmente do início ao fim, mas do qual eu não consegui ou pretendi abandonar a leitura.
Historia algumas vezes arrastada, permeada por comentários de caráter filosófico e discussões culturais, descreve a vida de um rapaz que entra em um ?sanatório? (na acepção antiga e original) nos Alpes para visitar seu primo doente e descansar alguns dias os quais estendem-se além do esperado?
Achei o final muito interessante, principalmente a forma da descrição das cenas finais!
alice.bardasson 29/12/2021minha estante
o final salvou o livro como um todo kkk


Diego 29/12/2021minha estante
Eheheh! Não chega a ser isso, mas gostei bastante do fim, embora não seja alegre? ?


alice.bardasson 30/12/2021minha estante
esse livro é como literalmente escalar uma montanha, aparentemente voce aproveitou ele melhor do que eu, pra mim nao foi tão satisfatório.




Marcelo Rissi 27/12/2021

A montanha mágica (Thomas Mann)
Lançar-se ao desafio de analisar obra de tamanha envergadura como "A montanha mágica" é expor-se ao risco do ridículo ou da vergonha. Afinal, nada que se escreva a respeito desse romance parece suficientemente à altura de sua grandeza. Vencido, porém, o receio, injustificável limite autoimposto, encorajei-me a tecer, com humildade, algumas palavras sobre esse trabalho primoroso e tão grandioso, em extensão e qualidade, após mais de um ano da finalização da leitura.

Para a proposta que idealizo - a de uma resenha relativamente sucinta e sem apego ao rigor de qualquer técnica literária (pretendo apenas registrar alguns comentários, impressões e opiniões de um leigo, mero entusiasta de literatura) -, creio pertinentes os comentários que adiante lanço.

Li "A montanha mágica" há aproximadamente 1 (um) ano e meio, de modo que muitos detalhes possivelmente já me escapam. Espero não ser lacônico, então.

"A montanha mágica" é uma obra bastante prolixa. Essa era, aliás, a característica estilística do autor (para alguns, uma qualidade. Para outros, um defeito). A edição que adotei, publicada pela editora Companhia das Letras, possui 815 (oitocentas e quinze) páginas, desconsiderando-se o posfácio.

A leitura afigura-se, no início, arrastada e sem grandes movimentos, sobressaltos ou avanços no enredo. A obra (segundo a minha edição) reserva aproximadamente 200 (duzentas) páginas apenas para narrar os 7 (sete) primeiros dias de Hans Castorp no sanatório Berghof. De todo modo, à medida que a história avança, as situações começam a acontecer/se desenvolver e a leitura, a fluir.

A maravilha e o brilho da obra estão em seu aspecto multifacetário, com temas esmiuçados com muito vagar e empenho pelo autor, que, claramente, estudou e pesquisou diversos assuntos, amiudadamente e com profundidade, para desenvolvimento da narrativa.

Para exemplificar o aspecto multifacetário da obra, há, em "A montanha mágica", incursões filosóficas profundas. A esse respeito, vide as conversas entre Naphta e Settembrini, esse último, meu personagem preferido (e, para muitos, o verdadeiro protagonista e principal personagem da obra).

Ainda para ilustrar em tema de incursões filosóficas, há uma cena bastante marcante - a mim, ao menos -, em que Hans Castorp, desejando vencer a própria mediocridade, fato de que ele estava razoavelmente ciente, procurou e encontrou um livro de conhecimentos "universais", no bojo do qual eram abordadas questões existencialistas e da própria constituição e composição universo, desde o menor átomo à sua expansão infinita (do universo). É um trecho bastante longo, profundo e o autor submergiu em impressionantes incursões e minúcias, inclusive científicas, ao longo dessas análises, para enfrentamento desses temas altamente complexos.

Sem pretender esgotar o objeto e a temática abordados na obra, há, ainda, exemplificativamente, incursões em:

- questões espirituais (o que é notado, com muita ênfase, a partir do surgimento, ao final da obra, de uma personagem denominada Ellen Brand, especialmente na cena da mesa);

- questões psicológicas e comportamentais, inclusive de relacionamento humano (algo perceptível, de forma difusa, ao longo da narrativa, especialmente a partir da forma como os personagens, inclusive entre grupos de diferentes culturas, hábitos, etnias e países, interagiam no sanatório);

- questões atinentes ao amor e à sexualidade (a esse respeito, menciono, ilustrativamente, a forma como se relacionavam Clawdia Chauchat e Hans Castorp. Chama especial atenção, nesse particular, a cena em que ambos dialogaram a sós em francês, após tantas tentativas de aproximações e após tantos contatos velados, indiretos, distantes e, até mesmo, enigmáticos);

- questões sobre homossexualidade (vide as diversas digressões e retrospectivas que Hans Castorp resgatava intimamente, enquanto relembrava Pribislav Hippie e o período escolar. Para muitos, o autor colocou-se na própria narrativa nesses momentos);

- debates sobre visões díspares de mundo, do extracorpóreo e do metafísico (vide a retórica e os diversos, férteis e empolgantes diálogos entre Naphta e Settembrini, um deles, dualista e, o outro, pessoa que enxergava o mundo e a espiritualidade de maneira unitariamente amalgamada);

- questões, ainda, atinentes à morte, ao luto e, inclusive, ao suicídio, com profundas análises sobre os tabus morais que esse assunto - suicídio -, tão complexo, enseja.

Há, também, em momento contendo enorme grau de lirismo, uma sequência de cenas bastante marcante, aprazível e, por vezes, onírica, na qual Hans Castorp percorre um longo passeio, sozinho, pela montanha, durante o período de neve. O aspecto altamente descritivo desse trecho, contendo sobreposição e sucessão de camadas altamente "saborosas" em imagens, sons e ambientes - tudo isso mesclado com doses incisivas de devaneio -, é, para muitos, o momento de maior regozijo, deleite e prazer da leitura de "A montanha mágica". Talvez eu concorde com isso. Talvez.

"A montanha mágica" é, de fato, por vezes e para alguns, um duelo contra o enfado. A narrativa se desenvolve a passos lentos e, mesmo quando ela [a narrativa] começa a tomar forma, avançando, o autor é sempre pródigo em detalhes, o que pode tornar a história compreensivelmente cansativa para alguns. De todo modo, o resultado é uma obra lapidar, irrepreensível, na qual o autor abordou diversos temas - muitos dos quais, ainda atuais - com um olhar humano, profundo e, por vezes, até mesmo técnico e científico (após, notoriamente, intensa pesquisa e estudo). Não por outro motivo, Thomas Mann consumiu 12 (doze) anos para terminar a obra (em parte, também, pelos hiatos que ele fez durante a sua elaboração).

Superados o tédio e o marasmo (para alguns) das primeiras páginas, o leitor se maravilhará, por certo, com o universo que "A montanha mágica" abrirá perante seus olhos.

Altamente recomendável. Enfatizo: altamente!
Carolina.Gomes 08/01/2022minha estante
Muito bom!!! Parabéns pela resenha, Marcelo! Obra fenomenal!


Marcelo Rissi 08/01/2022minha estante
Fico muito feliz que vc tenha gostado da resenha, Carolina. Um dos meus livros favoritos! Ah! E obrigado por aceitar a minha solicitação de amizade aqui no Skoob! ???


Carolina.Gomes 08/01/2022minha estante
Esse livro é transformador. ??


Marcelo Rissi 08/01/2022minha estante
Completamente! Concordo!


Léo Queiroz 01/04/2022minha estante
Simplesmente e extraordinariamente fantástico! Meu primeiro contato com o autor, estou encantado!




Carolina.Gomes 18/05/2021

Tempo... tempo.. .tempo
Enfim, cheguei ao topo da montanha!

O que dizer dessa obra prima?! Após cerrar as páginas, o livro ainda ecoa em mim.

Ao longo dessa leitura, eu experimentei múltiplas sensações. Às vezes como leitora distanciada da historia, às vezes como hóspede da montanha.

Me surpreendi com a elegância e a genialidade de Mann. O domínio absoluto da narrativa, a fina ironia, a profundidade com que ele aborda os mais variados temas.

Esse é um romance de formação, mas é também um romance sobre o tempo e sobre a doença não só física, mas também social, moral e política.

A montanha é o Olimpo de Mann: Do alto ele contempla a humanidade. Para Hans e seus companheiros, a montanha é como a caverna de Platão: um refúgio onde é permitido se alienar do mundo real. Um lugar onde nada se faz e onde o tempo parece não passar...

É um livro repleto de simbologia. Cada leitor encontrará sua própria interpretação.

Não posso dizer que foi uma leitura fácil e fluida, mas ao final, sinto-me recompensada por ter enfrentado o desafio.

Para mim foi, sem dúvida, uma experiência literária incrível !
Ana 18/05/2021minha estante
Que resenha maravilhosa!


Carolina.Gomes 18/05/2021minha estante
Inspirada por amigas maravilhosas como vc! ?


Thales 18/05/2021minha estante
Carol quando eu crescer eu quero ser que nem você. Baita resenha!


Carolina.Gomes 18/05/2021minha estante
Thales, as suas são maravilhosas!! ?


Brenda.Podanosqui 19/05/2021minha estante
Excelente resenha. Já estava na minha lista agora quero ler o quanto antes ?


Carolina.Gomes 19/05/2021minha estante
Que bom, Brenda! ?


Thamiris.Treigher 19/05/2021minha estante
Amei sua resenha! ??????


Carolina.Gomes 20/05/2021minha estante
Obrigada, Thami ?


Eliza.Beth 20/05/2021minha estante
Que lindooooo... acompanhei sua jornada e quase sinto que subi essa montanha tbm hahaha
Mas o tempo da minha escalada chegará ?


Carolina.Gomes 20/05/2021minha estante
Vou lembrar de vc sempre q pensar nesse livro, Beth! ?




Itin | @merasliteratices 05/01/2021

Com vasto material crítico, de análises acadêmicas à resenhas e opiniões, 'A Montanha Magica' é consolidadamente um dos maiores clássicos da literatura mundial!

Durante a estadia do jovem Hans Castorp num sanatório (um retiro para tuberculosos) pouca coisa de fato acontece. Diálogos, divagações e rotina, tomam o tempo daqueles ali confinados num clima de completa estagnação. Essa aparente monotonia, esconde um dinamismo que faz do sanatório um organismo com vida própria.

Não é nem de longe um livro difícil, pelo contrário é singelo e bonito de se ler. Porém é repleto de nuances, essas tão vastas e estratificadas que aqui vai da subjetividade do leitor: cada pessoa contemplará uma "Montanha Mágica" diferente.

O que faz esse livro tão universal? A obra é um retrato congelado no tempo da Europa do início do século XX: nacionalismo, avanços na ciência, disputas entre as vertentes intelectuais vigentes e até sessões espiritas são elementos que compõe a obra, como uma gravura em preto e branco onde os personagens foram capturados e continuam eternamente vivendo os seus momentos e suas filosofias além daquele frame.

A narrativa que discorre muito sobre a natureza do tempo, cria sensações únicas que vão desde o tédio até a extrema comoção, por meio de mudanças no clima, chegada e saída de pacientes e do amadurecimento de Castorp.

Thomas Mann divaga magistralmente sobre o espírito europeu da época, onde cada personagem é um arquétipo dos pensamentos recorrentes e a obra é repleta de debates e desenvolvimento pessoal. O clima da apreensão e tensão que levaram à guerra se mantém congelados na montanha mágica para serem vislumbrados por nós.

Hipocrisias e sentimentos contraditórios dos personagens, são características puramente humanas. Os debates entre o secularismo x obscurantismo onde todos consideram a guerra um evento prático e necessário, é uma lição para os tempos modernos. Mann concebeu um ensaio político e filosófico em forma de literatura!
Jace 05/01/2021minha estante
Amei a resenha! Fiquei interessada no livro devido a ela! Valeu!!


Itin | @merasliteratices 05/01/2021minha estante
Ah que legal, fico feliz :)




Isaac Reis 26/08/2012

***DEPOIS DE LER "DER ZAUBERBERG"*** (http://ireis-ir.blogspot.de/2010/07/depois-de-ler-der-zauberberg.html)
Não é novidade dizer, dos livros, que são bons amigos, e isso no sentido mais preciso do termo: como os bons amigos, eles nos desafiam, nos mostram quem somos, como levamos a vida, criticam-nos, volta e meia, por maneiras ou hábitos incoerentes, constroem o nosso caráter, com o passar dos anos.

Muita vez nos oprimem: so many books, so little time. E parecem fazer toda questão de, do alto das prateleiras, denunciar a nossa pequenez e insignificância. Não é costume dizer, mas os livros têm lá sua vaidade.

Alguns, superficiais, contentam-se em flertar com qualquer potencial leitor. São os livros da moda. Exibem, pavoneando-se, as cores das capas. Um brilho aqui, letras reluzentes ali, lombadas douradas acolá. Pedem, como as mulheres apenas belas, uma olhadela, um toque de mãos... Pedem, como costumo fazer com eles, que se lhes abram a tez, e que se os cheire, enfiando-se o nariz curioso entre a intimidade de suas páginas.

Também os livros têm lá as suas frugalidades. Há que se satisfazê-los, virilmente, sob pena de nos deixarem para trás, solitários e carentes.

Há alguns outros que propõem diálogos andantes. Lembro-me bem de um poeta que conheci, o qual, pela manhã, andava licencioso pela beira-mar, charlando em alta voz com um volume qualquer que tomava por companheiro. Contavam os segredos mais recônditos de cada um, trocavam galanteios espirituosos entre si, faziam projetos de caminhar juntos cada dia mais longe, rentes à vastidão glauca. Os do dia chamavam-no de louco, evitavam-no. Dos livros, porém, jamais ouvira um NÃO. Alguns têm esse costume, o de caminhar conosco.

Há aqueles, pragmáticos, que nos ensinam coisas, oferecem facilidades. “Fale alemão em 30 dias!”, charlataneia um deles no alto da estante. “Gastronomia básica para iniciantes!”, “Aprenda a meditar em 10 lições”, “101 posições para enlouquecer a sua mulher na cama” – esse mercado persa, essa feira de caruaru não conhece limites. Promete de tudo. Curiosamente, dão-nos a segurança que os oráculos proporcionavam aos antigos: sabem todas as respostas, em contraste com a nossa ignorância de neófitos na vida. “Como falar de livros que você nunca leu!” Acreditem! Existe! Sem comentários...

Mas há livros, e quero aqui falar deles – na verdade, de um, em especial – que exigem mais de nós, os seus súditos. Exigem respeito. Pelo peso que sua personalidade esconde. Pela profundidade que os seus tipos encerram. Exigem tempo, como suas centenas (milhares, por vezes!) de lâminas numeradas. Exigem aquele desapego de espírito, não apenas do “quando”, mas também do “onde” e do “que” nós somos. Esses senhores (e senhoras) fáusticos prometem-nos mundos inteiros, pensamentos, visões escandalosamente belas. São esses, que como os melhores amigos, levam nossos olhos para passear. São esses que colocam palavras em nossa boca, que nos inculcam hábitos, opiniões. São esses que nos fazem sentir um vazio de saudade quando nos aproximamos de suas páginas derradeiras. São esses para os quais, uma vez de volta às estantes, dirigiremos sorrisos cúmplices de canto de boca, por sabermos tanto um do outro. São esses que fazem a vida valer a pena.

Cá estou eu, no silêncio da minha mesa de trabalho, em frente ao volume que me acompanhou e atormentou por tantos anos. Que me viu partir tantas vezes e que, entre as lágrimas das despedidas, sussurou-me sempre, camarada: “Vamos! Eu vou contigo.” Que protegeu, entre suas páginas-sacrário, amuletos, pétalas, folhas, pelos, souvenires, pedaços de mundo que foram se desprendendo e se juntando a mim, por onde passamos.

A você, que me lê, tenho que confessar: escrevi essas linhas apenas para adiar o momento do finis operis, eis que me aproximo daquele instante em que o montinho da esquerda já é infinitamente maior que o da direita e que só a muito custo é possível mantê-lo aberto sem violar as costuras do cirurgião-editor. Sim, caro leitor, aproximo-me das páginas finais desse livro que me acompanhou durante tantos anos e ao qual atribuí tanto significado como o que têm as coisas que se ama. E que – prometo – contarei nas próximas linhas.

Em breve, depois de 10 anos, eis o número redondo, nos separaremos. Eu, para a vida e suas corrupções diuturnas; ele, de volta à castidade das prateleiras. Por ora, peço que me perdoe, leitor, pela interrupção. Como quem atrasa a partida do navio para voltar ao cais e beijar pela última vez o ser amado, peço licença para voltar e ler as últimas páginas do objeto dos meus afetos.


* * *

Estou de volta.

Acabo de fechar “A Montanha Mágica” (Der Zauberberg, 1924)

Comecei a lê-lo em circunstâncias parecidas com as do personagem principal, Hans Castorp, que abandona a planície, em Hamburgo, para uma visita de três semanas ao primo tuberculoso, em um sanatório de Davos, Suíça.

Também eu, aos 23 anos, viajei da planície à montanha. Não fora visitar quem quer que fosse. Tinha ido em busca de mim mesmo. No retorno, constatei, como Mann, “que dois dias de viagem apartam um homem – e especialmente um jovem que ainda não criou raízes firmes na vida – do seu mundo cotidiano, de tudo quanto ele costuma chamar seus deveres, interesses e projetos.”

Desde aquela viagem, há 10 anos atrás, como Hans Castorp, preferi ter galhos altos a raízes profundas, a crescer para cima, para o céu, mesmo que o céu não exista. Tanto se passou, desde aqueles longínquos anos na montanha...

Desde então, assisti à amizade germânica e distante entre Castorp e seu primo Joaquim Ziemssen; perscrutei, de forma tão tola e ingênua quanto ele, os personagens do Sanatório Internacional Berghof – e que também são os personagens da vida.

Acompanhei, cúmplice, o amor platônico por Mme. Clawdia Chauchat, em suas idas e vindas, não sem evocar à memória os meus pequenos amores de infância, quando era sempre noite de carnaval. Também exasperei-me com a frivolidade, a rudeza e displicência que nosso herói injustamente atribuía à natureza asiática daquela fêmea. Como os habitantes da colina glacial, e embora sem nunca ter visto certos olhos de quirguiz, apaixonei-me pela beleza russa de Mme. Chauchat. Soltei fogos mudos de artifício quando o nosso mancebo, mais de 500 páginas depois, conseguiu beijar-lhe os lábios.

Senti o mesmo asco pela vulgaridade de Carolina Stöhr. Quanta coisa aprendi, ao longo desses 10 anos com o humanista Ludovico Settembrini! Como me fiz discípulo de sua simplicidade pedagógica! Como assisti, absorto, às suas preleções sobre o desvalor moral do culto à doença e sobre o único modo válido de se pensar a morte: como parte da vida. Por quantas vezes, fiz-me platéia nos inumeráveis diálogos com Leo Naphta, nos quais o italiano apelava para a razão como última cidadela dos valores humanos, enquanto o obscuro jesuíta fazia pouco caso do único mundo que temos, da única vida que nos foi dada.

Aprendi a respeitar o professor Settembrini quando, corajoso o suficiente para não fugir ao duelo com Naphta, mostrou-se coerente ao ponto de recusar-se a atirar naquele que, embora adversário do espírito, era irmão em todo o resto.

“Quem não é capaz de arriscar a vida, o braço, o sangue na defesa de um ideal, não é digno dele. Em que pese a nossa espiritualização, cumpre sermos homens.” – ecoa ainda em minha mente. Mas na hora fatal, é como se também tivesse me chamado num canto e sussurado: “Meu amigo, eu não matarei. Não farei isso. Vou me expor à bala dele. Mas eu não matarei, fique sossegado.”

Settembrini, o italiano humanista do progresso que, no momento derradeiro, rompeu a frieza tedesca e beijou as faces do seu filho enfermiço da vida. E que, tendo-se recusado a matar por um ideal, teve de ver a carne do filho imolada na guerra, a nossa grande vergonha.

Lembro-me de Mynheer Pepperkorn, companhia temporã, que só chegou-me quando, pela última vez, cansei-me de interromper a leitura e de recomeçá-la do início solene. Bebemos juntos no alto da noite gelada.

Vou parar aqui. Não quero, caro leitor, caso não conheça a obra que ora menciono, demovê-lo do interesse em tomá-la, sob a alegação de conhecer-lhe o roteiro. Asseguro-lhe: é infinitamente mais rica do que a palidez das minhas palavras pode encetar. Tome-a! É possível que consiga finalizá-la em poucas semanas, se for prático, culto ou desocupado o bastante. De mim, exigiu 10 anos! Que, no entanto, jamais poderiam ser contados pelo número de revoluções que o nosso planeta dá em torno do sol.

Ensinou-me tanto sobre Filosofia, Música, Religião, Política, Pedagogia, em vários idiomas, e no meu próprio, que, descobri, pouco conheço. Com quantos dramas humanos confrontou-me, naquele sanatório de dementes, para onde convergia gente de todos os cantos do mundo, em busca da cura, que jamais viria! Era o mundo doente, entre o tédio e a grande irritação, que desembocaria na I Grande Guerra.

E agora, tudo acabou, quando fechei a última página. Sinto o mesmo que Hans Castorp quando, depois de 7 anos, deixa a montanha em ruínas e parte, para sacrificar-se na guerra. Não pude conter-me, ao me despedir da estória do nosso amigo, para com o qual nutri uma indissimulável simpatia pedagógica, e que me fez repetir o gesto do italiano na estação de Davos-Platz, ao “tocar delicadamente o canto do olho com a ponta do dedo”.

É assim, leitor, que de modo meio triste, meio alegre, termina o meu aprendizado no alto da montanha. Falar dela, e do que lá teria acontecido – ainda que apenas no imaginário do autor que nos inspira há quase 100 anos – é, inexoravelmente, falar também de mim próprio.

Caro leitor, se alguma serventia tiverem as palavras, que você aceite o convite. Coloque entre os seus pertences mais íntimos estas quase 1.000 páginas do mais acabado exercício espiritual humano.

Durante esse lapso, preserve-se do excessivo realismo das planícies, onde ação e pensamento caminham sempre separados, em detrimento do último. Aqui em cima, o ar é rarefeito e é preciso ter pulmões fortes. Aqui em cima, a distância menor entre dois pontos é mesmo de cume em cume. Aqui, nenhuma lassidão. Somente a agudez dos espíritos cortantes.

Aqui você ouvirá, caro leitor, entre uma conversa e outra, a palavra a acariciar o amor, a guerra, a vida e a morte, essas coisas nossas, demasiado nossas.

Somente da montanha, com o vento aquilino a afagar-lhe o rosto, você também poderá assistir, leitor (ou mesmo reger, como fazia Hans Castorp) o magnífico espetáculo por nós orquestrado ao longo da História.
Eduardo 10/01/2013minha estante
Bravo.


Rubens 10/03/2016minha estante
Perfeito! Queria demorar-me mais naquela montanha e lamentei quando estava próximo de abandonar Hans Castorp ao final do livro....


Marcia 08/07/2017minha estante
Muito bom. Foi uma pena deixar Hans Castorp e todos que la estavam. Um livro excelente.




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