stsluciano 12/08/2013
Cussler em excelente forma
Quando li “O Espião”, primeiro livro de Clive Cussler que tive em mãos, adorei o enredo intrincado e imaginativo do autor – daquela vez tendo como parceiro de escrita o autor Justin Scott – mas fiquei um pouco frustrado por ele não ser, cronologicamente, a primeira aventura publicada pelo autor do detetive Isaac Bell, uma figura que já entrou metendo o pé na porta em meu seleto rol de detetives favoritos.
Isso por, como sabemos, os livros policiais terem uma tendência que é quase regra, de se desenvolver os personagens, e, em especial, o principal, o detetive/investigador/policial ou a figura que estiver encarregada, naquele momento, de pôr ordem ao caos trazido pelo cometimento do crime e que, invariavelmente determina o início da aventura. Senti não poder ter acompanhado Bell logo em sua primeira aventura, queria ter chegado ao livro já familiarizado com ele, um ricaço louro, charmoso, com uma índole impecável e que renunciara a uma vida de luxos como banqueiro trabalhando na instituição de sua família para se empregar na Van Dorn, uma quase mítica agência de detetives, com uma influência admirável por todos os Estados Unidos; mas que, nem por isso, não se permite prazeres como bons vinhos e passeios nos mais modernos e velozes automóveis.
Bom, a Editora Novo Conceito felizmente está revendo o fato e trouxe ao mercado a primeira aventura de Bell, “A Caçada” – o que me faz especular as razões por não tê-lo lançado de início: contratuais, talvez? – que o coloca como encarregado de capturar o bandido conhecido como Assaltante Açougueiro, um ladrão de bancos que ganhara fama por não deixar nenhuma testemunha em seus roubos, matando todos os presentes – não importando se mulheres ou crianças – para que nenhuma de suas características sejam repassadas à polícia durante às investigações, o que se prova uma estratégia fundamental para que não se tenha nenhuma descrição do mesmo, que, inclusive, se utiliza de disfarces.
Aqui cabe um parêntese: a ação do livro se passa nos anos 1900, então nada de celulares, câmeras de vigilância, rastreamento via satélite ou afins. No livro, o suprassumo da tecnologia é o telégrafo, com o telefone surgindo como uma alternativa nada confiável e vista com olhos não muito favoráveis. Os trens são os principais meios de transporte para longas distâncias, lentamente suplantando as diligências, e os automóveis ainda são raros em muitas cidades – ou bastante arcaicos, com poucos cavalos de potência. Assim, ainda vemos a figura do menino de recados que chega esbaforido aos escritórios dos detetives com alguma informação importante, o que aproxima o livro mais de Sherlock Holmes que de Elvis Cole – ou de Myron Bolitar, pra não citar uma fonte obscura demais.
Com muito pouco em que se apoiar para levar à frente sua investigação, Bell e seus assistentes decidem não ignorar nenhum indício, mesmo o mais insignificante, para que possam construir um caso, e é recompensador ver como o livro se sustenta em pequenos fatos que, somados, levam a algo maior, graças à capacidade de raciocínio de Bell, que – aqui eu aplaudo o autor de pé – é impressionante mas não extraterrena: o personagem não se sai com alternativas mirabolantes ou pensamentos concatenados de forma a deixar o leitor pra trás com cara de paisagem, e esse cuidado do autor com o enredo é um dos elementos que fazem com que o livro seja tão bom.
E uma das características que encontrei nos livros de Cussler – tanto neste quanto em “O Espião” e no excelente “O Reino”, com o casal Fargo – é que o nêmeses do detetive é tão genial quanto o próprio detetive, numa verdadeira batalha de intelectos. Aqui, no “A Caçada”, em especial, o enredo se destaca por trazer um inimigo com uma mente extremamente sagaz e brilhante, com a vantagem adicional de não ter nenhuma reserva moral na qual embasar seus atos, estando livre então para fazer o que quiser e for necessário para sair livre dos mais variados problemas, sem pensar nas consequências; enquanto Bell fica retido em seus preceitos morais.
A narrativa é bastante rápida e Cussler se mostra novamente um habilidoso narrador de cenas de ação: seja a bordo de um automóvel cortando paisagens inóspitas ou em um trem quebrando recordes de velocidade, ele sabe como prender o leitor e fazê-lo sentir aquilo que está narrando, intimando-o a fazer parte e não ser apenas mero espectador.
Soma-se a isso o cuidado histórico e descritivo com que ele compõe os cenários e as máquinas das quais parece gostar tanto: armas, carros, motos, locomotivas; o autor as reveste com detalhes que não extrapolam a boa vontade do leitor mais afoito, nos entregando-as na medida, sem deixar que o texto fique truncado.
E poucas vezes um título caiu tão bem para um livro: a saga de Bell em busca da captura do Assaltante Açougueiro é uma verdadeira caçada, com todos os ingredientes que são necessários para que o leitor acompanhe e seja cúmplice do que vai sendo desenrolado com o passar das páginas.
Uma das poucas coisas que me incomodaram foi o uso de algumas frases de efeito que ficaram meio deslocadas, do tipo “pegue o bandido, detetive, e o faça pagar por todos os crimes que cometeu”, e que em nada somaram à narrativa – e que, felizmente, não me lembro de tê-las visto em “O Espião”, então, sim, as coisas evoluem!
Por outro lado, a ambientação da narrativa durante uma tragédia, o Sismo de São Francisco de 1906 foi muito bem – e lucidamente – trabalhada por Cussler, acrescentando e muito ao livro mesmo sem ter uma relação direta com o enredo principal, que, de quebra, nos brinda com a aparição de um autor de quem gosto muito, e que li bastante durante a adolescência.
No fim, continuo fã de Bell, e especialmente, do autor, Clive Cussler. “A Caçada” é o tipo de livro que tem tudo para agradar mesmo aqueles que não se sentem muito empolgados com as tramas policiais; e, para os que gostam, é um prato cheio.
Resenha originalmente publicada aqui: http://www.pontolivro.com/2013/08/a-cacada-de-clive-cussler-resenha-139.html