Isabel 28/12/2012Eu não acredito em quem diz que não gosta de ler.
Essa é uma crença forte e irracional, quase religiosa, da qual dificilmente serei dissuadida. Não querendo puxar a sardinha para o meu lado de leitora voraz e aspirante à autora, mas não há nada que te transporte, te entretenha e te ensine como um bom livro. Existem vários motivos pelos quais alguém comete o grande engano de achar que não gosta de ler, e elenco “não ter achado os livros certos” como principal, ao menos nas pessoas que conheço. É dose que a maioria tenha começado a sua vida leitora com um Machado de Assis (maravilhoso, mas na fase certa) imposto por uma professora dificilmente simpática em um lugar que geralmente se odeia.
Ao mesmo tempo que a defendo com tanto ardor, porém, é difícil acreditar que a literatura sobreviveu a plataformas visualmente mais atraentes, como o cinema e os jogos. O Gotham writers’ workshop (oficina de escrita, cuja apostila pode ser baixada gratuita e legalmente no Brasil aqui) aponta que os personagens são a razão pela qual lemos ficção, e, mais do que isso, o diferencial entre o livro bom e o ruim. Ao contrário do cinema, por exemplo, em um livro passamos horas e horas com os mesmos personagens, entramos em seus pensamentos e conhecendo o seu passado de forma dificilmente possível na vida real, despertando, se eficiente, empatia. Como fã de literatura de gênero, fiquei um pouco cismada com essa afirmativa – não são os mundos e cenários igualmente importantes? – mas o segundo volume da série Dust Lands, Rebel Heart, me faz ver que o pessoal da Gotham está certo.
Saba é o tipo de protagonista que podia ser nossa colega de classe – não porque é comum, e sim porque é real como a dor. Esquiva e bruta, ela tem razão para sê-lo, e mostra uma coragem do tipo que só se tem caso se ame ou se odeie muito a alguém.
E, com Saba, o caso é o primeiro: ela ama com a própria vida. Primeiro foi Lugh, seu irmão gêmeo e razão de viver, resgatado dos Tonton por ela e seus novos amigos, com o brinde de uma auto-confiança e personalidades próprias no caminho. Em Rebel Heart, Lugh está tão insuportável que quase desejei que Saba não houvesse resgatado-o – ele simplesmente não se acostuma com o fato de que as duas irmãs aprenderam a se cuidar sozinhas, não necessitando mais das suas ordens.
Com um encontro marcado com Jack na Água Grande, paraíso com terra fértil e sociedade calma, Saba viaja. A prepotência de Lugh e os perigos da estrada já seriam o suficiente para se lidar, mas ela ainda tem outros problemas bem grandes – o mais imediato deles são os fantasmas, que a perseguem dia e noite.
Não, Dust Lands não virou uma série paranormal. Moira Young acerta lindamente mais uma vez, porém, ao mostrar as dores de Saba por ter matado tantas garotas nas lutas em Vila Esperança e a amiga Epona em Campos da Liberdade. Odeio a figura do herói que persegue seu objetivo sem pestanejar – é mais real que ele sofra, mesmo sabendo que os sacrifícios foram por um bem maior. O bem maior pode até compensar, mas essa compensação não cura as cicatrizes.
O outro problema é a nova ordem política que a terra de Saba assumiu: DeMalo, antigo braço direito de Vicar Pinch, agora é o Pathfinder, líder dos novos Tontons – agora avessos ao chaal, prostituição e brigas – e dos Stewards of Earth, jovens saudáveis recrutados para “salvar a terra”. Todo lugar fértil é roubado, seus habitantes expulsos, e os velhos e doentes mortos. Com o caminho infestado desses novos fanáticos, não é conveniente que o Pathfinder tenha posto um preço na cabeça do conhecido Anjo da Morte, facilmente reconhecível por sua tatuagem de nascimento. Não sei se foi esse o objetivo da autora, mas me lembrou uma situação histórica bem importante: a impotência dos nativos das Américas diante os seus colonizadores, que acreditavam crer ter direito divino àquela terra.
Acho que não fui a única a se irritar um pouco com a escrita de Young em Caminhos de sangue – irregular e gramaticalmente incorreta, não é muito confortável para o leitor tradicional. Acostumei-me, e em Rebel Heart vi o seu objetivo: transmitir as emoções de Saba da única maneira que ela conhece – intensamente – me gerando arrepios e crises de choro (algumas no ônibus – ééé).
Lugh é uma pedra no sapato do desenvolvimento da trama, mas de forma positiva – haveria muito menos conflito caso ele não tentasse retomar o “controle” da família. Os novos personagens são as criaturas mais interessantes e únicas que já vi na ficção, uma mistura de referências que me fazem ansiar não só pelo terceiro livro da série, mas também por qualquer outra coisa que Moira Young possa escrever.
Infelizmente, Rebel Heart até a publicação desse post não tem data de lançamento prevista para o Brasil, assim como o terceiro livro no exterior. Preparem as unhas, pessoal.
Publicada originalmente em distopicamente.blogspot.com