Lane 24/11/2012For My Lady’s HeartEste livro é sobre medo e insegurança, traição e engano e honra e lealdade.
A autora não economiza nos detalhes e nas descrições da época e descreve os lugares, as coisas, as emoções e ações de cada personagem com um encanto particular.
Laura Kinsale é um autor premiado e sem sombra de dúvidas suas histórias são bem estruturadas, comoventes e inspiradoras. Em suas histórias há sempre um excelente trabalho de pesquisa e em “For My Lady’s Heart” não podia ser diferente.
Nesta história nota-se o perfeito trabalho de pesquisa nas descrições sobre a caça ao falcão, no entanto o interessante, para não fugir a evidência, vai para a recriação atmosférica da época e em potencializar uma linguagem apropriada que enleia e confere com precisão os discursos e diálogos entre os personagens.
A leitura é lenta e complicada – por causa da linguagem- e exigem do leitor moderno concentração e atenção constante.
Não obstante, isso não é obstáculo, a linguagem antiga e medieval é o que é e se torna vibrante com sua delicadeza – quase impossível – pois o dialeto oferecido no livro é denso. De maneira muita difusa e uma boa dose de disposição, o leitor é submetido as matrizes textuais e a sua liberdade imaginativa se desprende de sua mente de modo muito individual e consequentemente ele é arrematado ao século XIV, na França, Inglaterra e Itália.
Admito que o que mais admiro em Laura Kinsale é a sua escrita, acho-a elegante sem ser pretenciosa, de uma qualidade lírica que encanta, e quem não gosta de ler uma narrativa florida, pode se irritar e não prestar atenção alguma a história, que na maioria das vezes – este é o 4° livro que leio da autora – são cativantes.
Seus livros não são fáceis de ler, são complexos e suas dimensões dramáticas são extensas. Contudo, suas histórias ficam gravadas e aprisionadas na memória, Laura Kinsale consegue fazer que o conteúdo de suas obras não possa ser subtraído de suas expressões, e a expressão contida neles se desdobra em vários significados individuais.
O conjunto de seus personagens são sempre relevantes e surpreendentes, até mesmo os secundários. A impressão que se tem é que eles possuem vida e coração. As personagens femininas são fortes e os homens têm defeitos. Confesso que acho incoerente às vezes ler sobre heroínas lindas, virgens e tolas e mocinhos ricos e que transam feitos coelhos em histórias em que o elemento fantasia é abdicado.
Histórias assim, sob a ótica de projeção, não abre caminhos na minha imaginação e não causa cisão a minha condição de humana, pois a verdade se esconde de mim e em análise ela é a única responsável por transferir as representações da arte literária.
Nestes termos, Laura Kinsale consegue abrir os canais que implicam para a minha projeção e com a sua narrativa, que remete a poesia me mobilizar e me arrastar a quimeras que desarmam a realidade, e com verdades substancialmente fundadas fluir o sentimento e a intensidade contida nas suas histórias. Resumindo, estou literalmente viciada em Laura Kinsale!
Sir Ruadrik d'Angleterre ou Lorde Ruadrik de Wolfscar ou Ruck ou simplesmente o Cavaleiro Verde é o herói desta história contada, que aborda detalhadamente um período hostil para as mulheres, uma época em que a religião tornava as pessoas apartadas e as ideias gozavam de superstições malignas e a fogueira era o destino final para aqueles que não se submetiam ao poder da igreja.
Irremediavelmente a era medieval foi a época em que mais se sublimou o prazer.
A submissão e o masoquismo era a condição associada a salvação e da pureza de alma.
Ruck é um homem que acredita na honra e na religião. Ele é um guerreiro invicto que combate em torneios na Aquitânia e está sob o juramento de lealdade ao Duque de Lancaster, filho menor do rei Eduardo III da Inglaterra.
A história de Ruck é sofrida, como cavaleiro ele construiu um nome por nunca ter sido derrotado em torneios e também por sua conduta moral e seu código de ética, entretanto ele vive a dor de ter perdido sua esposa para igreja aos 17 anos.
Isabelle, esposa de Ruck acredita que é enviada de Deus aqui na Terra e convence Ruck que seu destino é viver num monastério, e ele, com seu caráter gentil e bondoso, pois naquela época o marido tomava as decisões pela mulher, à entrega para a igreja persuadido que esta é a melhor decisão. No entanto, Isabelle com seu fanatismo religioso, aliciada pela igreja o faz prometer permanecer casto o restante de sua vida e enquanto ela vivesse.
Melanthe surge na sua vida neste momento constrangedor e o acusa de infidelidade. Ruck não consegue mentir, pois desde o instante em que a viu se sente atraído por sua desnorteante imagem feminina. Devido a isto, ele é condenavelmente forçado a entregar seus bem e todo o seu dinheiro para a igreja.
Pobre, sem recursos e completamente transtornado pela situação, ele é surpreendido quando recebe duas joias valiosas enviadas pela princesa Melanthe. Eternamente grato pelo gesto dela ele faz um voto pessoal e promete dedicação total a princesa o restante de sua vida.
Princesa Melanthe de Monteverde é uma heroína neurótica. Desenvolvi uma relação de amor e ódio com ela a maior parte da leitura. Ela é completamente imperfeita, sua indiferença e crueldade tem um porque e é devido a sua necessidade de sobreviver numa época onde a mulher é tida como moeda de troca.
Porém aos poucos fui me encantando com ela. Ela é forte e destemida, inteligente e ardilosa, ela é uma personagem inteiramente incomum.
O destino ofereceu para Melanthe uma chance de escapulir do abismo de si mesma e de fugir da intriga politica da nobreza italiana quando ela fica viúva.
As famílias italianas – Navona e os Riata- disputam entre si o legado deixado por seu marido, e por causa disso Melanthe se vê ameaçada todo o tempo. Seu dote é mais que atrativo para eles, um deseja a sua morte e o outro se casar com ela.
No primeiro terço da leitura eu não tinha certeza de suas motivações, a necessidade que Melanthe tinha de fazer manobras arriscadas para obter um pouco de liberdade e de se livrar da perseguição das famílias italianas, mas até o final – vale a pena o esforço de continuar- eu consegui compreender.
Melanthe sofreu traumas terríveis.
O reencontro dela com Ruck acontece após 13 anos e primeiramente ela não o reconhece. Incitada para evitar problemas externo com o Duque de Lancaster que se vê atraído por ela, ardilosamente ela o desafia publicamente, e ele arbitrariamente convoca seu Cavaleiro Verde.
Submetido à lealdade dos dois senhores, Ruck (que a reconheceu ), desafia em torneio todos os cavaleiros em honra da sua princesa.
É magnífica a cena do torneio, onde ele se vê confrontado a decidir em qual senhor continuará a depositar sua lealdade. É palpável o eixo principal que governa a personalidade de Ruck e o reconhecimento de Melanthe sobre ele.
Depois deste acontecimento a relação deles fica corrompida e ele acaba se achando tolo por idolatrar a uma mulher fria e cínica.
Contudo, apesar das dificuldades, ele continua protegendo ela mesmo não sabendo nada dos seus planos de se livrar dos espiões italianos e de retornar para suas origens em Bowland, e a relação entre eles se desenvolve doce e muito comovente.
Ruck vai se adaptando a Melanthe sem a entender e os resquícios de terror que ela sente todo o tempo vai aos poucos se subtraindo.
Todavia, à medida que ela se entrega ao carisma de Ruck, seus inimigos reaparecem e os detalhes de seu horror retornam com uma força brutal.
Os dois protagonistas possuem complexos o que aumentam ainda mais as dificuldade entre eles. As cenas sensuais são embelezadas pela linguagem medieval e as circunstâncias da época.
Ação e suspense dominam o enredo e a autora vai mostrando muito mais que dizendo sobre os personagens e no caminho vamos conhecendo Allegretto, um jovem que desde a sua infância foi criado para matar e servir a ambição de seu pai.
Allegretto é um assassino silencioso, um daqueles personagens que inicialmente você não sabe se ele é mocinho ou bandido, mas faz com que a gente caia sob o seu feitiço de menino que tem medo de chegar perto de Gryngolet – o falcão de Melanthe – e o receio de contrair a peste (o tempo na história é o 9° ano depois que ocorreu a grande peste na Europa).
Outros personagens secundários são bem desenvolvidos, porém o impacto de Allegretto é tão grande na trama que a autora escreveu uma história só pra ele chamada “Shadowheart”, que pretendo ler logo.
Algumas cenas, alinhadas em grandeza por suas profundidades, excederam os limites e ficarão gravadas por um bom tempo na minha memória, como a cena do casamento, do torneio, algumas divertidas como quando Ruck explica como aprendeu “os pecados do sexo”... rs.
A predominância nestas cenas é algo simples, concretizadas com a linguagem poética que arredondam as imagens e as tornam inesquecíveis em minha memória.
O livro é bem apurado em vários contextos e também apresenta pormenores que vão à contra mão.
SPOILER:
Não gostei da Melanthe passar o tempo todo mentindo pro Ruck e a cena da morte de Gian não ser claramente explicada, acredito que um evento importante desses deveria ser mais esclarecido.
Mas tudo é ratificado o suficiente pra fazer desta história algo que vale a pena ser lido e relido.
Notas: Notei que é uma característica da autora inserir animais nas suas histórias e devo afirmar que isso me proporciona um encantamento sem limites. Neste livro temos Gryngolet e Hawk. Gryngolet é um falcão gerifalte que na idade média era considerado uma ave pouco comum e de inestimável valor por sua raridade de espécie. A autora nos apresenta na história cenas preciosas de caça e o despertar de interesse sobre essa ave. Hawk é um corcel de pelagem cinza experiente em combates.
Avaliei com 5 estrelas.