@fabio_entre.livros 04/06/2016
Um retorno clássico
Eu nunca li um romance que narrasse uma história de amor mais perturbadora e doentia do que “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Brontë. Isto, longe de ser um ponto negativo, é, dentro do meu conceito literário, um aspecto arrebatador e fascinante, razão pela qual sou apaixonado por esse livro e seus personagens viscerais.
A ideia de ler uma sequência da obra de Brontë parecia, para mim, a princípio, uma perda de tempo, uma vez que considero-o um dos romances mais completos que já li, sem nenhuma lacuna para “ganchos” na história. Entretanto, pensando melhor nessa questão da lacuna, vi que o livro de Lin Haire-Sargeant se concentrava em um ponto específico, que sempre me atiçou a curiosidade, instigando-me a tecer várias conjecturas: o rumo de Heathcliff e seu paradeiro quando fugiu de Wuthering Heights ao saber do casamento de Cathy. Embora eu ainda prefira a reticência de Brontë em relação a isso, devo admitir que Haire-Sargeant fez um trabalho considerável neste livro.
Basicamente, o livro narra os passos dados por Heathcliff desde a sua fuga de Wuthering Heights até o seu retorno, ainda mais consumido pela paixão desenfreada e pelo desejo de vingança proporcional. Estruturalmente, o texto é narrado em 1ª pessoa, principalmente pelo próprio Heathcliff, que conta a sua história em uma carta destinada a Cathy e que deveria ser entregue antes do casamento dela com Edgar Linton. Esta carta, porém, é interceptada por Nelly Dean, que a manteve escondida por décadas, até que, já à beira da morte, entrega-a ao Sr. Lockwood. Este, por sua vez, já de posse da carta, viajando ao encontro de Nelly, encontra no trem, ninguém menos que Charlotte Brontë, a quem conta os pontos principais da história de Cathy e Heathcliff e pede que leia a carta.
Uma vez que o personagem Edward Are é uma peça fundamental nessa história, compreende-se que o livro cruza as histórias dessas duas irmãs Brontë (O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily, e Jane Eyre, de Charlotte), apresentando os personagens e eventos centrais de ambas através de uma releitura de Haire-Sargeant que cria conexões entre elas. Talvez isto desagrade os leitores mais conservadores, mas, no meu caso, pude discernir isto como um exercício de liberdade criativa que não interfere na beleza e solidez das obras das irmãs Brontë.
Algo que achei interessante neste livro é que houve, de fato, a preocupação em criar a atmosfera do livro original de Emily Brontë, e isso se reflete tanto na linguagem quanto no delineamento das características e personalidades dos personagens. A “participação” das irmãs Emily e Charlotte na obra também não descaracteriza a história e produz um efeito bastante curioso, em especial pela forma como a autora define as perspectivas delas a respeito da história de Heathcliff. Emily, particularmente, revela um final “alternativo” (na realidade, segundo ela, o final verdadeiro) da história dos amantes amaldiçoados de Wuthering Heights, um pouco mais otimista do que o que conhecemos. Apesar de achá-lo um tanto mirabolante, gostei de ver a história que tanto adoro ganhando uma outra perspectiva, mas ainda dentro dos moldes originais. Não sei se de fato as irmãs Brontë aprovariam, mas como leitor e admirador da obra, eu aprovo.