Emme, o Fernando 03/02/2018A biografia da melancolia!O livro narra a história de vida de Niels Lyhne, do nascimento até a morte. No início, o leitor pode achar tratar-se da história de vida de um Jylland, nascido no interior e que acaba vendo-se deslocado no meio social da capital, København. Mas o isolamento do personagem é muito mais que isso.
Não é a vida que vem, mas a vida que vai.
Persiste sempre um sentimento de desligamento profundo em toda a narrativa. É como se nada realmente envolve-se o personagem. Como se ele fosse um estrangeiro, um estranho em um mundo que não faz muito sentido para ele.
Do começo ao fim, a narrativa é muito poética, parece haver sempre uma crítica ao idealismo (idealismo alemão e ao romantismo) e um materialismo quase cortante, frustante. Não é um livro para quem gosta de ação ou grandes acontecimentos, mas você só entende por que nas últimas páginas.
"Pela primeira vez a vida lhe fazia medo, compreendia que quando um homem é condenado a sofrer, não se trata de poesia nem de uma simples ameaça; trata-se de ser arrastado à câmara de torturas e ser de fato torturado, e não há, no último momento, salvação como nos contos de aventuras nem despertar súbito como nos pesadelos. "
"O castelo da felicidade, no entanto, tem alicerces de areia; com o tempo a areia começará a ceder sob os muros, talvez lentamente, talvez insensivelmente, porém inexoravelmente, grão a grão... E o amor? O amor também não é um rochedo, por mais que desejemos acreditar."
A partir do capítulo X, as coisas se tornam mais parecidas com um romance comum e é possível achar que o personagem vai sair desse estranhamento, mas não.
Um episódio bem no final que me chamou atenção foi à "grande traição" que Niels faz com ele mesmo diante da dor.
Na época, segunda metade e final do século XIX, estava em voga o questionamento polêmico do ateísmo e muitos criam que os homens inventam teorias que seus corpos "não suportam"...
Sempre achei curiosa essa ideia de que O CORPO NÃO SUPORTA UMA IDEIA (que aparece nesse livro, em Dostoievski, entre outros).
Embora eu não creia em nenhum dogma, nunca me considerei ateu. Mas mesmo aqueles que se consideram ateus, tomariam uma atitude diferente da "grande traição" do personagem para consigo mesmo?
Eu penso que já estive pelo menos perto da sensação de morte e a ideia pareceu-me mais excitante por ser curiosa do que opressiva, não havendo nenhuma necessidade de redenção. Isso é falar da própria morte.
Mas e diante da morte do outro? De alguém que se ama....
Alguém agiria diferente?
Mas isso talvez seja apenas impressão minha.
O livro, assim como a vida de Niels é uma despedida contínua, uma vida que de facto nunca chega e quando no final parece chegar, o que resta não é nada parecido com o que se sonhou.
O tema central parece mesmo ser o "niilismo", "a ausência de fundamento sobre a qual construir uma ordem conceitual".
Só posso dizer que fiquei intrigado com esse livro, durante a maior parte a narrativa parece ser sobre o nada, e então uma pergunta é feita, uma pergunta para a qual eu não tenho a resposta ...
Por que a vida?
Por que a morte?
Por que viver, se temos de morrer?
Por que lutar, se sabemos que a espada
Nos será um dia arrancada da mão?
Para que estas piras de martírio e dor:
Milhares de horas vividas em lento sofrimento,
O curso mortal de um lento sofrimento?