História do Riso e do Escárnio

História do Riso e do Escárnio Georges Minois




Resenhas - História do Riso e do Escárnio


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Arla.Campos 21/12/2021

Li e fichei esse livro enquanto escrevia meu TCC. O cômico nunca foi lá um grande norte em minhas leituras, um assunto de muito interesse de minha parte, mas sendo uma grande observadora das coisas e pessoas, me vi intrigada com suas motivações e sua origem.

Minois foi indispensável para minhas pesquisas. Essa foi uma das obras que mais me serviu de base histórica e teórica, uma dos mais citadas e uma das mais visitadas. Um livro do qual não pretendo me separar jamais.
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Brunífero 14/05/2022

Assunto seríssimo
Eu lembro que, em boa parte da minha infância e adolescência, eu tinha muita dificuldade em ver as pessoas rindo. Talvez por ter sido objeto de piada (ou não, não consigo traçar a origem), o fato é que eu nunca consegui aceitar que as outras crianças simplesmente rissem. Parecia coisa de gente boboca, facilmente impressionável, talvez até um pouco superficial. No entanto, eu obviamente era a exceção e não havia muita coisa que eu pudesse fazer a respeito, a não ser inventar uma pose de sério que me sustentasse como uma Persona. Hoje, eu não sou mais criança, mas de alguma forma eu ainda fico feliz de encontrar alguém que não encare o riso com leviandade. Foi o que encontrei com esse livro, de George Minois.
Minois, por seu foco na História das Mentalidades (também conhecida como Imaginário Social), pode ser enquadrado na 3ª Geração da Escola Historiográfica dos Annales, e ainda que não seja tão famoso quanto nomes como Jacques Le Goff ou Michelle Perrot, é tão importante quanto, especialmente dado o caráter praticamente enciclopédico de suas obras - se ele puder reunir tudo o que existe sobre o tema em um único livro, ele o fará, e este História do Riso e do Escárnio não é diferente. Aqui, Minois irá retraçar as práticas do riso, desde a Antiguidade Clássica, passando pela Idade Média e Idade Moderna, até chegar na contemporaneidade. O escopo da análise mais do que justifica o tamanho parrudo do livro (mais de 600 páginas!), e sua metodologia também.
É bom notar que, em todo esse texto de introdução, eu não usei a palavra "humor" em nenhum momento. Pois bem, o riso não é apenas uma resposta a uma situação engraçada; o ato de rir exprime toda uma gama de sentimentos em dada situação, e quando somado ao seu uso social, aí que as combinações ficam infinitas. Desde o riso social de um encontro até um riso agressivo, o escárnio que também está no título. Todas essas variações estão cobertas pelo livro de Minois, e junto do riso em si, há também as inúmeras reações despertadas contra ele. Há, notadamente, um conflito entre o sério, conservador e ordenado, e a irreverência, combustível da mudança e da exposição do ridículo das relações sociais - pegue, por exemplo, a relação da Igreja Católica com os carnavais europeus. Essa é uma relação que, hoje, foi subvertida, mais daqui a pouco chego nisso. Fato é que, a partir da amplíssima análise histórica de Minois, é possível chegar a algumas conclusões.
Uma delas diz respeito justamente aos nossos sentimentos. Nós não sentimos em um vácuo, pelo contrário; os nossos sentimentos estão conectados com uma política da época, o que se mostra aceitável, viável, etc. Cada época tem seu próprio riso, e o porquê de ser de um certo jeito varia de acordo com o contexto sociopolítico. Pegarei, por exemplo, a Revolução Francesa. Minois mostra que a queda das ideias da monarquia absolutista de Luís XVI não fora apenas política; fora também cultural. Com o descrédito do Rei e de suas instituições, o riso da época se tornou anárquico, praticamente uma zombaria. A risada descreditava o status quo, e os revolucionários jacobinos, inicialmente sérios, rapidamente perceberam isso e, em uma tentativa de tirar proveito do riso em um país ainda majoritariamente analfabeto, eles usaram a imprensa para criar uma nova arte acessível e popular, que pudesse comunicar sua mensagem de maneira predominantemente visual, de forma simples e fácil e esta arte, sempre crítica, apostava todas as suas fichas no humor. Essa arte é a caricatura, que rendeu até os contrarrevolucionários, de alegria fina num primeiro momento, mas que se renderam à crítica atroz contra seus adversários, que tinham introduzido a arte da caricatura na França. Como se vê, a derrota da nobreza não foi só política e econômica, mas também em seu ethos.
Pela extensão do livro, existem inúmeros exemplos que podem servir bem para mostrar o poder devastador e, paradoxalmente, unificador do riso - o próprio carnaval europeu é um exemplo disso. Acontece, porém, que toda história, no fundo, é a história do tempo presente - nossa curiosidade em relação a um tema, a um processo histórico ou a um fato x depende de nossas perguntas no presente. Pensando nisso, é especialmente interessante o panorama de começo do século XXi que Minois faz para encerrar o livro. Para ele, o sistema vigente se apropriou do riso em uma tática de "se você não pode derrotar seus inimigos, faça eles se juntarem à você". Se o riso já foi contestador, hoje ele é um comportamento como qualquer outro, controlado socialmente e, como a maioria de nossas ideias, não sabemos o que o riso realmente significa. Se tornou uma máscara, uma forma de atenuar os problemas - basta lembrar da expressão "rir pra não chorar". Não conheço ainda a história do choro, mas por experiência própria, me parece uma catarse bem mais poderosa do que o riso, mesmo este em seu estado mais anárquico - quem dirá em uma sociedade humorística, o termo posto por Minois. A despeito de algumas críticas ao "politicamente correto", o parágrafo final do capítulo final (antes da conclusão) é brilhante.
Ainda assim, o riso é necessário e, em começo do século XXI, Minois diz que ele se tornará mais necessário com o passar do tempo. Hoje, 20 anos depois, sua hipótese já se confirmou - a comédia (termo que o autor não gosta, mas tudo bem) tem sido, recorrentemente, a resposta mais frequente às crises que vivemos. Pensem, por exemplo,no "tô passada com Pfãizer!", que eu pessoalmente não gosto muito, por que olha, referência que fica ultrapassada é fogo pra mim. Prefiro mais o Greg News mesmo, mas não é à toa que os fãs o conhecem como o programa que começa divertido e no fim te deixa com depressão - apesar que nesta temporada estão tentando consertar isso. É um humor necessário, e um que me faz lembrar do eu infantil, com pose de sério e adulto. Por que será que ele agia assim?
Eu ainda tô descobrindo isso, mas o fundo psicológico de Minois ajuda a responder - porque se é verdade o que dizia Marc Bloch, que a história é a ciência dos homens no tempo, alguma psicologia se faz necessária para entender esses homens. Por mais crítica que possa ser à Escola dos Annales, creio que esse foi um dos seus maiores acertos e que nenhuma corrente posterior consegue se livrar. Acima de tudo, entender o humor do passado e entender o humor capitalista de hoje me faz ter um olhar mais crítico em relação às brincadeiras. Digo, se achamos algo engraçado, é porque acreditamos que ela tem um fundo de verdade - em nossa percepção, claro. Piadas como "quando negro não suja na entrada, suja na saída" são reflexos de uma sociedade racista, que encontra validade em um item tão corriqueiro e humano quanto o riso e o escárnio. Mas devo dizer que, mesmo quando não temos situações preconceituosas ou comprometedoras, eu não consigo mais me entregar totalmente ao riso na maioria de situações propícias ao caso - quer dizer, pelo menos não como o riso está hoje. Porque, eu não sei vocês, mas como um estudante de história que leu esse livro, é bem difícil ler um tweet como "ser tiktoker compensa mais que estudar" e não soltar um riso, mas amargo, seguido de um "não cara, isso que você disse é muito sério". O que é ainda mais curioso é notar que, muitas vezes, nós mesmos não damos crédito à risada. A gente a encara como algo que ocorre em um ambiente X, com eventuais explosões espontâneas, e que não é constitutivo de nossa identidade. Provavelmente se falasse para um piadista que o que ele disse é sério, com certeza seria respondido com um "cara, é só uma brincadeira". A intenção da risada, especialmente hoje em dia, pode até ser para divertir, mas nunca é somente uma brincadeira porque, se me permite a paráfrase, o riso é um caso muito sério para ser deixado para os cômicos.

* Versão brasileira da Editora Unesp, que também trouxe outras obras do autor. A edição é austera e conta somente com um índice de nomes - a bibliografia está reservada às notas de rodapé, em vez das usuais notas de fim;
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