Craotchky 03/04/2018Eu, Verissimo e seu primogênito"Há uns vinte anos, relendo os contos que formam o presente volume, tive a sensação de ser pai de mim mesmo. Tornando a lê-los agora, vinte anos mais tarde, sinto-me como se fosse o meu próprio avô..." - Erico Verissimo, 1972.
Primeiro livro lançado por Verissimo em 1932, Fantoches e outros contos é formado por diversos textos, na maioria bem curtos, alguns em formato de peças teatrais. Em 1972 a editora Globo, em comemoração aos 40 anos do lançamento do livro, resolveu fazer uma edição "fac-similada" e ainda convidou Erico para que ele tecesse comentários dos textos contidos no volume.
Assim, as páginas de
Fantoches (nome da primeira parte do livro), até pouco mais de sua metade, são peculiares. É até difícil explicar mas vou tentar. As margens verticais de fora (as que ficam junto ao corte) são largas (medi 4,5cm nesta minha edição), assim como as margens horizontais inferiores (também 4,5cm). São nestas margens que Erico faz os comentários sobre os textos, bem como ilustrações. Isso torna o livro bastante bonito em sua composição gráfica.
"Concluí que seria de algum interesse fazer, de meu próprio punho, algumas notas críticas ou simplesmente informativas às margens destas páginas. Quanto às ilustrações, reconheço que são absolutamente desnecessárias. Se as fiz, foi somente para me divertir." - Erico Verissimo, 1972.
Ele sublinha passagens nos textos e depois as comenta; faz balõezinhos com notas; faz quadradinhos com críticas, desenha personagens... O que pode ser um empecilho é a caligrafia de Verissimo. Às vezes é difícil entender a escrita cursiva do autor. Posso dizer, no mínimo, que já vi letras mais legíveis... A partir da página 217 o livro, em sua parte gráfica, torna-se comum ao começar a parte
Outros contos.
O último texto da parte
Fantoches chama-se Nanquinóte e este me foi assaz especial. Nele "um autor" cria (desenha) um personagem à sua própria imagem. Logo depois de terminado, o bonequinho, Nanquinóte, ganha vida e começa a conversar com seu pai. Diz para ele que deseja a liberdade, quer desbravar o mundo. O autor não quer conceder, deseja proteger seu filho do mundo agressor. Nanquinóte foge, então. O final você terá que descobrir...
(Muitos outros textos do livro tratam dessa relação entre criador e criatura.)
Difícil explicar como criei tanta empatia por essa historieta em tão poucas páginas. Parecia-me que o bonequinho realmente existia e me peguei desejando conhecê-lo. Tomei as dores do autor e também quis proteger Nanquinóte da vida. Talvez o fato de haver no livro vários desenhos do bonequinho feitos por Erico tenha o tornado mais real. Ah, como em alguns singelos momentos a literatura é capaz de transcender-se!
Ademais, não achei nenhum textos do livro ruim, no máximo fiquei indiferente a alguns. É, pois, muito interessante conhecer textos do início de carreira de um autor e mais interessante ainda ver um escritor revisitando sua obra, lendo suas próprias histórias 40 anos depois de tê-las escrito e, de alguma maneira, conversando com seu Eu mais jovem. O livro vale muito a pena.