Andre.Pithon 14/03/2024
Eu já narrei campanhas de RPG de mesa cyberpunk, que até se encontram perdidas pelas profundezas do youtube, baseado nos jogos da CD Project Red, e para isso eu mergulhei um pouco na estética, mas mesmo sem essa familiaridade, não existe pessoa que não tenha um contato rápido, seja por "Matrix" ou "Blade Runner". É uma boa estética, carregada de discussões engraçadas, naquela fina linha da decadência humana colidindo com um excesso de tecnologia, banhada com os perigos de um hiper capitalismo corporativista. Eu gosto muito de cyberpunk como um conceito. Mas, infelizmente, um cenário tão forte resulta em conteúdo que normalmente deixam a desejar.
Se eu fosse julgar Neuromancer como o fundador do cyberpunk, eu teria de dar pontos a Gibson pela inovação, pela construção da maior parte dos clichês que se mantém até hoje, pelo inventar de certos conceitos e terminologias (simstrims, megacorps, samurais de rua), por ser inegavelmente único. Esquecendo o conhecimento compartilhado, ou Neuromancer ganharia estrelas por esse ineditismo, ou perderia ainda mais por ser absolutamente incompreensível. É curioso o quanto Gibson confia no leitor, e, sem a base que tenho de cyberpunk, não sei o quão compreensível seria. A história é um emaranhado confuso de personagens, trabalhos genéricos, de "hackear" a rede de forma meio metafórica, meio estranha, cortando rápido de lugar para lugar enquanto Case vai saltando de fonte para fonte. Conceitos são jogados e deixados lá, e o livro despenca na comum armadilha de ficção científica de ter ideias muito boas, mas não realmente conseguir amarrar tudo corretamente.
Os personagens são pedaços de cartolina, exceto talvez as duas IA que movem a trama. O protagonista é o coitado do "cowboy" padrão, primeiro personagem cyberpunk clichê - o que faz sentido já que foi literalmente o primeiro personagem cyberpunk - seguindo em um trampo por grana que ele não entende. O interesse romântico é a assassina fria distante mas que transa com ele na primeira oportunidade possível. Uns outros caras entram na equipe, e o dialeto deles é desnecessariamente lotado de lingo inexistente. A narrativa é trabalho atrás de trabalho, resultando em uma conclusão pouquíssima satisfatória em que as coisas se resolvem em uma conclusão que claramente não é feliz, mas também não afunda para o pessimismo.
É uma história padrão do gênero, meio confusa, meio perdida, as vezes mais interessada em introduzir conceitos engraçados que desenvolver seus personagens. E eu gosto de tais conceitos engraçados, mas hoje eles já são lugar comum. Repetitivos. Engolidos pela cultura mais mainstream.
Desculpa Gibson. Pro cantinho de sci-fi clássica que eu desgosto você vai. Herbert, Clark e Bradbury vão adorar um amigo novo.