J. J Coelho 21/08/2018
"Isso não é resposta, Leniza"; "Sei que não é, mas não sei dar outra, não tenho coragem de dar outra, que é que posso fazer?"
Impressionante ver que um livro escrito num Brasil de quase um século atrás ainda se faça tão presente nos problemas atuais. Assustador, até — o modo com que algumas mulheres tenham que sofrer do mesmo jeito que sofriam na década de 30.
Acredito que, pela época em que fora escrito, esse livro tenha sido polêmico, uma vez que apresenta uma protagonista diferente, destoante em seu mundo de dentro e de fora. Leniza é uma das personagens mais interessantes que eu tive o prazer de ler na nossa literatura, ela é complexa, crível, divertida e profunda, na qual todos nós podemos nos identificar um pouco. Marques Rebelo faz dela um receptáculo, uma válvula para discorrer sobre a maioria das questões relatáveis que nós geralmente passamos uma vez ou outra. Não sabemos o que queremos, mas queremos alguma coisa. Queremos ser altos, mas não queremos parecer escandalosos.
"Leniza, você não é louca, nada louca. Nenhum louco se acha louco... mas é incompreensível, sem controle, sem direção, disparatada. Tudo em você é contraditório, inconsequente, ilógico, absurdo. Sente que está sendo ilógica , inconsequente, absurda, mas não se trava." (página 43)
Isso me faz pensar que talvez Leniza fora criada para ser uma metáfora sobre a própria vida. Ao mesmo tempo em que todos os personagens do livro se dizem não serem iguais a ela, ou tentarem direcionar Leniza a caminho dos seus desejos, sempre acabam frustrados pela imprevisibilidade dela.
"Morrer? Sim, morreria. Ficaria dura, muda, fria, imóvel, para sempre fria e imóvel. [...] Um dia ninguém mais se lembraria dela. Ninguém!... [...] A vida dos homens passa como uma sombra. [...] Nada restaria, um dia, de sua passagem. Nada!" (página 164)
No fim, um livro bom. Divertido. Não traz nada de novo, mas, como uma boa obra de arte, te faz pensar, se conectar, te inserir... e isso pra mim já foi o bastante.