@apilhadathay 07/01/2013
Diferente e belo.
E chega a resenha do primeiro livro do ano.
Alice brincava no quarto com suas três gatinhas e um novelo de lã, quando cismou que havia uma casa por trás do espelho da lareira. Arriscando-se e percebendo que o vidro começava a parecer uma espécie de névoa, ela avançou e conseguiu atravessá-lo. Lá, onde tudo é invertido e Alice é invisível para alguns moradores, a menina pretende aventurar-se na exploração do local e nem imagina quantas figuras excêntricas encontrará no caminho. Uma grande jornada por um tabuleiro de xadrez em que a meta é proclamá-la rainha.
Por alguns instantes, Alice contemplou a região, olhando em todas as direções. (...) Avistavam-se vários regatozinhos, correndo em linha reta, e cruzando-se de lado a lado. (...)
- Mas isto parece um tabuleiro de xadrez! - disse ela afinal. (...) é uma imensa partida de xadrez que estão jogando... sobre o mundo inteiro... (P. 36)
Por trás de todo o estranhamento, confusão e aparente ausência de sentido causados pelo fim da leitura [salve Kafka e Carroll], encontramos um manacial de referências marotamente disfarçadas à sociedade, política, infância, psicologia.
Alice é um personagem excelente: é uma menina aventureira, corajosa e atrevida; apesar de ser nitidamente educada para comportar-se como uma pequena dama na sociedade, existe um quê de rebeldia em seu caráter, algo desafiador: ela não baixa a cabeça para tudo que vê no sistema, nem obedece cegamente a tudo que lhe é proposto e tem sede de saber, de questionar. Simples palavras suas são suficientes para provocar um tornado - porque a alienação passa longe dela.
Em dados momentos, parece uma aventura aleatória, nonsense, sem real propósito e puramente infantil, porque o objetivo de Alice é explorar a região, sem realmente chegar a determinado ponto ou cumprir uma missão, Mas ela se vê cumprindo etapas específicas, e seguindo um caminho preconcebido. Um dos pontos mais interessantes foram as referências à Linguística - que foi o que realmente me levou à leitura da obra de Carroll. O autor mostra a preocupação em ter um nome que se dar às coisas, e mesmo quando elas não tem um, faz nota das "Coisas sem Nome", mais de uma vez.
- De que serve então o nome - observou o Mosquito -, se eles não dão por ele?
- De nada, para eles - disse Alice -, mas é útil para a gente nomeá-los, parece. Se não fosse, por que dariam nomes às coisas.? (49)
Com sua personalidade única e a defesa da importância dos desaniversários, Humpty Dumpty é um dos personagens mais divertidos - e estranhos - do livro, além das flores. Aliás, as sequências mais divertidas da história envolvem exatamente estes personagens. Embora não tenha lido ainda Alice no País das Maravilhas, aventurei-me como essa loirinha atrevida nas camadas de um mundo desconhecido e meio louco à primeira vista, mas que nos acolhe de braços abertos.
É uma história para se ler mais de uma vez, com calma e muita atenção - para que se capte a essência de Carroll nas entrelinhas - que, por vezes, nos encanta ao confundir-nos.
- Não sei o que o senhor entende por 'glória'.
Humpty Dumpty sorri desdenhosamente:
- Pois claro que não sabe... enquanto eu não lhe disser... Quero dizer que um de seus argumentos está destruído!
- Mas 'glória' não quer dizer 'argumento destruído' - objetou Alice.
- Quando eu emprego uma palavra - replicou Humpty Dumpty insolentemente - , ela quer dizer exatamente o que eu quero que ela diga; nem mais nem menos. (98)