Adriano 03/04/2024
Cortes e cicatrizes.
A estreia de Gillian Flynn, escritora mundialmente conhecida pelo sucesso de Garota Exemplar, fornece uma trama envolvente, mas desconcertante nos seus toques finais.
No livro acompanhamos Camille Preaker, uma jornalista recém-saída de um hospital psiquiátrico onde tratou sua compulsão em cortar palavras em sua pele, embarcar na empreitada de investigar dois assassinatos que ocorreram na sua cidade natal Wind Gap no estado do Missouri. Com isso, fica claro que, além de tentar entender o paradeiro do assassino das duas crianças estranguladas (o que prende o leitor às páginas na busca de descobrir quem foi o criminoso), a personagem precisa lidar com as feridas do seu passado que parecem ser mais profundas e dolorosas do que as cicatrizes externas que cobrem sua pele. Além de um caso de mortes horrendas a descrever, Camille ainda precisa lidar com uma mãe narcisista, um padrasto apático e uma meia-irmã instável, sem contar nos vizinhos antigos e nas ex-colegas de escola.
A autora é brilhante em fornecer uma protagonista complexa que nos leva da compaixão à repulsa no trato com Camille, e vai além. A narrativa transcende as problemáticas pessoais da personagem central, sem os deixar de lado, para costurar o tecido social e cultural da pequena cidade de Wind Gap marcada por um ar republicano, conservador e hipócrita, onde o número estável e baixo de habitantes cria uma atmosfera de boatos e de crimes normalizados. Portanto, o livro provoca sensações de nojo e raiva de alguns personagens enquanto nos faz sentir pena e afeição por outros de forma louvável em razão da boa construção do enredo.
O clímax final é bom pois à sua altura não há como não estar cativado pela trama, porém o seu desenrolar no último ato se dá de maneira acelerada, destoando da narrativa gradual e fluída que vinha sendo estruturada anteriormente. Após se descobrir quem praticou os crimes, o livro encerra tão rápido e amarrando todas as pontas tão apressadamente que faz parecer que a autora tinha um prazo prestes a estourar quando entregou esta obra para sua editora. Não quer dizer que o final é ruim, é apenas veloz, mas, nem de longe, é capaz de estragar essa leitura que me fez relembrar o quanto eu gosto do gênero de thriller psicológico.