Flávia Menezes 15/09/2022
?A LINGUAGEM DO AMOR NÃO SE TRADUZ EM PYTHON,OU JAVASCRIPT
?Jogador Número 1?, do autor e roteirista americano Ernest Cline, é um romance distópico de ação, aventura e ficção científica, que nos leva para o ano de 2045 onde, com um planeta Terra totalmente destruído, a realidade virtual passa a substituir a vida real.
Com uma premissa dessas, eu tenho que dizer que é um desafio enorme escrever uma resenha, porque um livro como esse abre uma discussão tão vasta, que daria páginas e páginas de um verdadeiro estudo acadêmico. E no meu caso, é claro, na área da Psicologia.
Confesso que não dava muito para essa história, e até me incomodei bastante com algumas incoerências, como o fato de que seria impossível personagens que são humanos, deixarem de lado suas necessidades básicas para passar a maior parte do tempo só jogando. Porém, no final, percebi que olhar para essas questões é focar no menos importante, quando temos uma mensagem final tão significativa sobre o tempo que passamos offline para a vida, e online para o virtual.
Como eu nunca gostei de jogos (eletrônicos, nem de tabuleiros), para mim, essa história foi um verdadeiro passeio por um universo completamente desconhecido. Eu ficava só imaginando como era mergulhar nesse tipo de jogo de corpo e alma, e ir estabelecendo conexões com pessoas desconhecidas, estabelecendo alianças, e combinando competências em prol de derrotar inimigos, e conquistar a vitória.
A história é contada em primeira pessoa, pelo protagonista Wade, que após perder os pais, e ser obrigado a viver com uma tia que só o maltratava, para fugir das suas dores, passa a viver mais tempo no mundo virtual, do que no real. Para ele, a vida real é um mundo horrível, onde as pessoas são ruins, e não existe absolutamente nada que realmente valha a pena. Sem contar todas as suas inseguranças quanto a sua aparência pessoal. E é aí que ele vê o mundo virtual como um lugar seguro, onde, inclusive, ele pode criar um avatar com a aparência e a personalidade que ele bem desejar.
Não muito diferente do nosso mundo real, onde nos escondemos atrás das nossas telas de computador e de uma infinidade de filtros que ?melhoram? a nossa aparência, tudo pelo medo de nos mostrarmos como realmente somos. Mas será que essa sensação de segurança, de se estar protegido, ou de poder esconder aquilo que mais incomoda na nossa aparência é mesmo real? E as nossas amizades virtuais? Elas são melhores do que as fisicamente mais próximas?
De fato, as relações exclusivamente virtuais, por mais gostosas que sejam, são um verdadeiro ?alone together?, onde estamos sozinhos, porém acompanhados. Só que à distância. E nessa história, esse é um tema bastante explorado.
Tanto com Aech, quanto com Art3mis, o protagonista estabelece rapidamente uma relação de amizade que ele considera bastante sincera e sólida. As cenas em que Wade e Art3mis vão criando uma conexão afetiva mais forte, não são apenas bonitinhas, mas também bem verdadeiras.
Quem nunca conheceu uma pessoa virtualmente, e em pouco tempo de conversa estabeleceu uma conexão tão real, que mais parecia que vocês se conheciam há anos? Conexões assim são verdadeiras, porém, com o passar do tempo, elas vão abrindo espaço para necessidades que não podem ser supridas exclusivamente à distância. É o momento em que as pessoas passam a ter mais necessidade de se conhecer pessoalmente, onde o ciúme aparece, e as brigas se tornam mais comuns.
Por melhor que sejam as nossas relações virtuais, como seres humanos, todos nós temos necessidade do contato físico, do abraço, do carinho, da presença do outro, e principalmente, do olhar do outro. E se essa conexão é intensa, é impossível não querer sentir essa pessoa bem de pertinho.
E se tem algo bastante angustiante vivido pelo Wade, e que também acontece na realidade, é quando ele tem sua primeira discussão com a Art3mis. Existe algo pior do que aquela aflição de querer conversar, de querer resolver, e o outro dizer que precisa de espaço, e encerrar a conversa? Nesses momentos, especialmente se existe mesmo uma distância geográfica, a cabeça fica a mil, e você se sente de mãos atadas, sem poder fazer absolutamente nada, a não ser esperar. E o coração fica como nessas horas? Quebradinho!!
Mas de fato, muitos mal-entendidos são gerados em nossas relações virtuais, porque a conexão é muito frágil, especialmente pela ausência da compreensão do outro como um todo. Como tudo muda quando conseguimos ouvir a entonação da voz, a expressão do rosto, a postura do corpo, não é mesmo? Isso muda tudo.
Aliás, eu costumo dizer que discutir online, nos coloca em uma posição totalmente injusta, exatamente por não poder ter a proximidade física para mostrar ao outro o quanto estamos sendo sinceros. Sem contar que nada como um abraço apertado para desfazer as sensações ruins, não é mesmo?
Viver no mundo virtual pode até parecer seguro, confortável, mas a verdade é que nada se compara a poder estar perto das pessoas. Podemos até descobrir uma conexão incrível com alguém ainda virtualmente, mas é importante encurtar distâncias geográficas, para que essa relação possa se tornar real, e se fortalecer. E imagina a sensação boa de poder olhar aquela pessoa com quem você já conversa há tempos nos olhos, e poder tocá-la, abraçá-la, e sentir o quanto aquela pessoa é real? Chega até dar um friozinho na barriga só de pensar!
Se você tem a possibilidade de diminuir distâncias, e tornar real aquilo que nasceu no virtual, eu preciso te dizer: faça! Não meça esforços para tornar real o carinho, o amor, a admiração, a companhia, a parceria, especialmente em um mundo tão duro quanto o nosso. Não mantenha pessoas especiais à distância. Se dê sempre uma chance de ter ao seu lado quem vale a pena, quem se importa, quem é presente, quem te ama.
Mais do que o prêmio do concurso que tornaria o vencedor um bilionário e dono da OASIS, para Wade, o maior prêmio mesmo era poder conhecer seus amigos virtuais, principalmente a Art3mis, pessoalmente. Errado ele não está, afinal, não há dinheiro no mundo que pague estabelecermos vínculos afetivos sinceros!
E é por isso que eu encerro essa resenha com o conselho do James Halliday, o criador do concurso que deu início a essa aventura incrível, e que me fez terminar esse livro com lágrimas nos olhos:
?Eu criei o OASIS porque nunca me senti em casa no mundo real. Não sabia como me conectar com as pessoas. Eu tive medo a vida toda, até o momento em que soube que meu tempo estava terminando. Foi então que percebi que, por mais assustadora e dolorosa que a realidade possa ser, também é o único lugar em que podemos encontrar a felicidade verdadeira. Porque a realidade é real. Compreende? (...) Não cometa o mesmo erro que eu. Não se esconda aqui para sempre?.