Ana Ribeiro 17/10/2017
As fraturas de uma sociedade fingida
Por Ana Aparecida Ribeiro
As viúvas das quintas-feiras é um romance de Claudia Piñeiro, lançado no Brasil, em 2007, pela editora Alfaguara. Além de se dedicar a escrita literária, é roteirista de televisão e colaboradora em veículos impressos. Com As viúvas das quintas-feiras, Piñeiro obteve sucesso de vendas. Pelo merecido reconhecimento da obra, recebeu o prêmio Clarín de romance de 2005.
Nesse romance, a autora apresenta uma crítica à classe média que habita o condomínio Altos de Las Cascatas, localizado em Buenos Aires, mas bem sabemos que podemos encontrá-lo facilmente em qualquer outro lugar, seja na Barra da Tijuca, seja na Carolina do Norte. Os habitantes do Altos de Las Cascatas não poderiam ser menos quixotescos. Como em Dom Quixote, seus personagens não cessam a capacidade de teatralizar, são responsáveis por dissimular suas próprias realidades. Cada indivíduo é um fingidor em potencial. Fingem sobre tudo e para todos. Mentem desmedidamente sobre os problemas familiares, individuais ou causados pela crise econômica pelo qual passa a Argentina, bem como sobre os prejuízos causados pela economia flutuante, que afeta individualmente cada personagem. No romance de Claudia Piñeiro, custa algumas vidas a tentativa de preservação do prestígio social, quando se corre o risco de ter de esquecer o luxo das mansões que “tivera um dia, e não tinha mais”.
O padrão de vida mais sedutor consiste apenas em aparências. Por trás de uma ilusão de perfeição esconde uma sociedade individualizante e excludente, portanto, opressora. Os personagens desse romance acabam por aderir a certos padrões de vida sem pensar na real necessidade de adquirir este ou aquele padrão social. O teatro surge, pois, como única questão central e permanente. Tudo é instável. Mas todo esse teatro esconde o que exatamente? Esconde a incapacidade do indivíduo de aceitar a perda, os medos, as angústias e frustrações; camuflam a necessidade de que “é preciso aprender que nada é para sempre”, os paradoxos e as arbitrariedades de uma sociedade em ruínas, uma sociedade doente, marcada pela “vertigem da década”, cheia de “fraturas expostas”, de fissuras incorrigíveis. Uma década que não consegue acabar com o racismo, o desemprego, a violência contra a mulher etc. Uma década que tem vergonha de mostrar-se, a não ser por meio do fingimento, porque “é difícil largar o salto”, tirar a fantasia; sair do conto de fadas, para encarar o caos natural da vida.
Devo dizer que cheguei a este romance por meio da sugestão (vulgo: leitura obrigatória) do querido professor de Literatura Hispano-Americana, Ary Pimentel, a quem devo todo o meu carinho e admiração, pois foi uma das melhores leituras que realizei naquele momento da minha vida. E olha que não foram poucas as leituras incríveis que realizamos juntos. Ary sugeriu dois livros e pediu que escolhêssemos um deles para fazer a leitura e resenhá-lo: Coisa de Negro, de Washington Cucurto e As viúvas das quintas-feiras. Acabei escolhendo o segundo, por que encontrei com mais facilidade. Mas Coisa de Negro tem frequentado meu coração, pois alguma coisa me diz que Cucurto não vai me decepcionar. Ele já está como meta de leitura e está também em minha cesta de desejos. Não sei, meu aniversário está chegando, o natal também está aí, vai que papai noel existe? Vai q!
Enfim, devorei as 252 páginas em uma semana. Ou melhor, lia e relia ao mesmo tempo. Porque como se tratava de uma leitura obrigatória, eu tinha data para entregar a resenha. E, pasmem, deixei pra começar a leitura do livro em cima da data de entrega do trabalho. Minha vida é só emoção! Pense num ser que não comia, não dormia, desconfie se ela tinha tempo de tomar banho (rs). É que o professor tinha falado que para escrever uma boa resenha, o sujeito precisava ler o livro pelo menos umas três vezes. Pense numa pessoa em pânico! Mas pense também num ser que gozava horrores de prazer no que estava fazendo! Pense numa narrativa que trata de questões complexas, de forma envolvente, de modo que você não consegue parar. E ao término, leitor, você pensará: “nossa, já acabou? Como assim? Tava muito bom!”. Lembro que durante a leitura, minha cabeça fervilhava, outras obras eram convocadas, como por exemplo: "Tudo que é sólido desmancha no ar", de Marshall Berman, "Ensaio sobre a cegueira", de Saramago, entre outros.