mpettrus 14/07/2021
A Magistral Escrita histórico-ficcional de Isabel Allende
Isabel Allende é uma das minhas escritoras favoritas da literatura. Tentarei ser breve nessa resenha que vos escrevo. Nas primeiras páginas da obra Allende deixa claro que para contar essa história, fez uso de sua instância autoral, ou seja, apresentou alguns dados biográficos da personagem histórica Inés de Suárez, protagonista e condutora do foco narrativo do romance, constituindo assim uma narrativa em fatos documentados, portanto, históricos; além de esclarecer que muitas de suas ideias imprimidas na obra foram encadeadas por meio do exercício de imaginação, nos deixando assim, enquanto leitor, diante de uma narrativa híbrida de história e ficção.
O romance, em grande parte, é realizado em primeira pessoa pela personagem histórica Inés de Suárez, que nasceu em Plasencia e viajou ao Novo Mundo em 1537, onde participou da fundação do Chile e da fundação da cidade de Santiago. Nomes como Atahualpa, Pedro de Valdivia, Hernán Pizarro nos remetem a um universo histórico de massacre, de exploração e de explorados. Allende, de maneira magistral e inteligente, abriu a ficção para a história e deslocou a história para a ficção. Espanhóis, Império Inca, Mapuche, Aztecas compõem o universo ficcional representado no romance, provocando o encontro de personagens de mundos distantes, bem como, o choque entre diferentes culturas. O gênero romanesco possibilitou o encontro de diversas linguagens permeando tempos históricos distantes, entrelaçando mundos diferentes, onde presente e passado são constantemente modificados e recriados no universo do romance.
Inés de Suárez foi, para mim, o grande destaque da obra. Ela representou a voz calada e silenciada da história de muitos excluídos ao mesmo tempo, em que representa a luta de muitas mulheres na conquista de um espaço para sobreviver e libertar-se de muitos tabus e preconceitos que marcaram toda uma história, regida por verdades estabelecidas em poderes instituídos e tradicionalmente firmados em uma sociedade patriarcal. Inés não se deteve somente aos fatos que se passavam na Europa, ela também fez relatos e alusões a aspectos históricos do Novo Mundo, principalmente, em relação à conquista do Chile. Os aspectos de dominação dos conquistadores, do preconceito em relação à mulher e a exploração de índios e negros foram constantemente alvo do foco narrativo, além, é claro, de falar sobre a questão da mestiçagem.
Outro ponto interessante da obra, é que Inés contou a sua história para sua filha adotiva, Isabel, que eu costumo pensar que possa ser o alter ego da própria escritora, compartilhando com alguém disposto a ouvir seus pensamentos, sentimentos e necessidades. É um recurso narrativo da poética de Allende buscando sempre uma aproximação com o leitor. A mim, esse recurso me seduziu e me conquistou, deixando-me mais próximo do texto para dividir com a narradora seus segredos e suas angústias.
Também vale destacar o realismo mágico, marca registrada da literatura hispânica, presente na obra da Allende. Talvez, em menor grau já lido por mim dentre suas obras. O seu romance “A Casa dos Espíritos” tem essa marca usada em excesso, o que compõe de maneira extraordinária todo o universo das personagens Clara del Valle e Esteban Trueba. Mas, também se faz se presente nas narrativas de Inés. Em vários momentos do romance, destacam-se elementos improváveis, inesperados e assombrosos, associando-se a elementos mágicos e sobrenaturais.
Por fim, quero lhes opinar que mesmo recriando o período da conquista do Chile, onde nas crônicas sobre o tema se exaltem a coragem, a ousadia e a brutalidade masculina, Allende dar destaque ao universo feminino, pois toda a narrativa é conduzida por uma visão feminina. E me foi interessante o ponto de partida que a autora se utilizou para contar sobre Inés: a iminência da morte da sua protagonista.
Allende selecionou esse momento muito especial da vida personagem para manifestar o relato histórico factual e, sobretudo, o discurso memorialístico da sua protagonista. Estranho eu lhes dizer que é especial né?! A iminência da morte de Inés. Mas aqui, a morte não tem o seu sentido macabro, nefasto, desolador. Porque a voz enunciadora de Inés Suárez é, pois, o de uma mulher cuja a vida, em grande parte, já havia transcorrido e que, no presente momento das suas narrações na obra, encontrando-se diante da morte, busca perpetuar sua memória pela escrita.
A configuração da personagem Inés Suárez, que faz uma trajetória do anonimato na história oficial à personagem do romance de Allende foi o aspecto mais interessante que me conquistou desse romance. Leitura recomendadíssima.