Ana Luíza 31/01/2015
Resenha - O Senhor Embaixador
Após a aclamada trilogia O Tempo e o Vento, Érico Veríssimo publica, em 1965, O Senhor Embaixador, obra que se trata das reviravoltas políticas de uma ilha fictícia da América Latina: a República do Sacramento, um país que vive em conflitos políticos e ideológicos, onde a Igreja ainda tem um certo poder e em que a população é predominantemente pobre e desinformada.
Primeiramente devo dizer que aqui, a escrita do Érico – pelo menos ao meu ver – está bem diferente, e as personagens mais cruas, mais reais, mais cinzas. O autor não poupa defeitos, pelo contrário: expõe-os. Até mesmo os mais sórdidos e repulsivos. Cada capítulo do livro se refere à visão das muitas personagens, tornando, no início, um pouco confuso relacionar fatos e nomes.
Dividido em quatro partes (As Credenciais, A Festa, O Carrossel e A Montanha), maior parte da história se passa na Embaixada da República do Sacramento, em Washington, onde o embaixador Don Gabriel Heliodoro (uma das personagens principais) passa a residir. Gabriel é um homem cativante dos seus quarenta e poucos anos, filho de prostituta e que sofrera muito com a pobreza, amigo próximo do atual presidente Carrera e que lutou contra o antigo governo, com a promessa de que faria da República do Sacramento um país mais justo para os mais pobres. É talvez a personagem mais cinza de todo o enredo, visto que corrompe-se e entrega-se sem pudor aos seus prazeres, mas ainda assim, não é de todo má pessoa.
Há ainda personagens notáveis e complexas como Pancho Vivanco, o jornalista estadunidense Bill Godkin, o militar Ugarte, o exilado político Professor Leonardo Gris, o fofoqueiro Titito, a estadunidense problemática e racista Glenda Doremus, a adúltera Rosalía, o Ministro Conselheiro Jorge Molina e o intelectual Pablo Ortega. E ainda os menos complexos (porém não menos importantes), como o diplomata brasileiro Gonzaga, Ninfa Ugarte, Miss Claire Ogilvy, entre outros.
O desenrolar da obra é o dia-a-dia na Embaixada, com descrições precisas das relações diplomáticas e interpessoais. Com narrações do passado envolvendo a República do Sacramento, apenas a última parte do livro (A Montanha) se passa no país, e tem-se um desfecho imprevisível e sensacional.
O mais interessante de toda a história são os conflitos ideológicos pessoais das personagens. No caso, de Pablo Ortega (diplomata da República do Sacramento que sente-se frustrado por trabalhar para um governo corrupto) e outros mais, como Jorge Molina, também empregado da Embaixada e que fica entre razão e fé, não sabendo decidir se acredita ou não na existência de Deus.
Érico enfatiza com crítica os conflitos de ideias, o racismo, utopias, comodismo, e outras coisas mais, como o poder da religião no meio político. Fala sempre da relação da América Latina com os Estados Unidos, e como este último vem sendo aproveitador dos recursos do mundo, há muito tempo, para firmar sua soberania. Parafraseando o próprio livro, “é também um estudo da natureza humana, do homem como um ser em permanente estado de tensão”.
Além do livro atiçar a vontade de saber mais o que acontecerá (talvez não tanto no início, mas depois, sim), também é fonte de conhecimento sobre ideologias políticas, e também sobre alguns países e suas respectivas histórias, visto que o autor cita e faz referências a fatos verídicos, como a fase do Estado Novo no governo Vargas aqui no Brasil e a Revolução Cubana.
Acostumada com Ana Terra, Clarissa e Um Certo Capitão Rodrigo, a leitura de O Senhor Embaixador me surpreendeu positivamente. Adorei! É totalmente diferente com o que eu era habituada, mas ainda assim foi uma das melhores leituras desse ano. Infelizmente, é um dos livros menos conhecidos do Érico. Felizmente, já se tornou um dos meus favoritos. Mais que recomendado!
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