danilo_barbosa 30/03/2012A viagem pelo euConfiram mais resenhas minhas no Literatura de Cabeça:
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Raras vezes, um livro me deixa tão mexido nas minhas emoções quanto Um rosto bonito (Bertrand Brasil, 405 páginas). Escrito por Loris Lansen, que já havia ganhado o meu respeito em sua obra de estreia, Amigas Inseparáveis, onde contava a história de duas irmãs siamesas, sabia que seus temas fortes e tão humanos geram identificação imediata do leitor.
E comigo não foi exceção. Ao ver a capa, que por sinal é super emblemática, junto com a sinopse, comprei a briga desse livro desde o início. É lógico que, como gordinho que sou, ia me identificar com uma mulher obesa que é vista pela sociedade com pena e maldade. Afinal, a frase "Ela tem um rosto tão bonito..." todos os gordinhos não se cansam de ouvir. Pena que as pessoas se esquecem que corpos bonitos não são tudo na vida.
Bom, essa é Mary Gooch. Trabalha em uma farmácia e leva uma vida cômoda e confortável. Aos olhos enviesados e palavras maldosas que a atingem, ela quase não se percebe, alienada e confortável dentro da armadura confortável que sua obsessão por comida lhe proporciona. Seus olhos só se voltam para seu marido, Jimmy, que está sempre ao seu lado, amando-a e suprindo as suas necessidades. Até que, às vésperas de completar 25 anos de casada, ele sai de casa e não volta mais.
A única coisa que tem é um bilhete de desculpas e 25 mil dólares em sua conta, de um bilhete que ele ganhou na loteria. Desesperada e sem rumo, Mary vai em busca de Jimmy para saber a verdade.
Mas, na minha opinião é verdadeira busca dela é por si mesma. E isso que mais me emociona na obra. Longe dos categóricos finais felizes ou cenas de autoestima automática, advindos das obras que remetem a "sessões da tarde", este livro mostra a verdadeira busca do nosso cerne, aquilo que verdadeiramente somos. Os medos, anseios, dúvidas permeiam Mary em todos os momentos.
Tinha horas que eu a odiava, a negava, chamava ela de burra e tonta, por ir atrás de um homem que a havia abandonado. Afinal, abandonar sua esposa obesa mórbida de 150kg sem olhar para trás é um ato de crueldade. Será?
Certos ações, que parecem frias e imorais em um primeiro momento, podem ser verdadeiramente libertadores. E aí que é a verdadeira chave do livro. O começo, que me incomodava enormemente (gente, assumo que levei o livro para a minha terapia, rs), acabou por despir tudo de ruim que havia na situação. Porque?
Porque multifaceta a personagem para nós. Mostra como o abandono não foi ato de apenas uma pessoa. Pois também nos abandonamos, lentamente, pouco a pouco, vencidos pelos comodismo e pelas circunstâncias. Buscamos ás vezes em um prato de comida ou outro objetivo qualquer apagar nossas dores e, em vez de crescer, só desejamos abafar o ruído que grita em nossas cabeças.
Mary foi em busca de si mesma. E me levou junto nessa descoberta. Com um livro que você não consegue devorar de uma vez só. Ele deve ser degustado aos poucos, sentido, lamentado e amado, como devemos (e muitas vezes não fazemos) com nós mesmos. Como ele é um livro mais lento, vai ter partes que você pode querer largar mão, mas persista. Porque entre as pedras você vai achar pérolas excepcionais, criadas pelas mãos hábeis dessa autora.
Mary desejava rebelar-se contra a tirania da beleza, mas era, ao contrário, uma devota cobiçando sua moeda, devorando imagens em revistas de moda e programas de televisão, especialmente aqueles que narravam as vidas dos ricos e famosos. Demorava-se sobre as formas dos corpos, contornando com as pontas dos dedos, como uma amante ávida, abdomens duros como pedras e glúteos concretos e deltoides inflados - tão ousados numa mulher - , pernas de avestruz , cintura de vespa, pescoço de cisne, cabeleira de leão, olhos de gato. Aceitava a supremacia da beleza e não podia negar cumplicidade no desperdício da própria.
Liberte-se e descubra que você tem bem mais do que um rosto bonito. Sua alma também pode ser bela.