Isabellacnc 05/01/2010
Entre fim e finalidade
Inicialmente influenciado pelo romantismo, que rondava ainda sobre a época, ao final do século XIX, Machado de Assis fez em A mão e a luva algo que posteriormente não adotaria. Posto que a obra foi concebida ao começo de sua carreira, tinha uma estética (com razão) não muito definida. No entanto, mesmo precocemente, Machado já demonstrava uma posição sobre algumas de suas características que se firmam mais ao longo de sua carreira, como o notável uso da linguagem sarcástica.
A obra machadiana gira em torno de Guiomar, uma jovem órfã bastante ambiciosa e humilde que decide, de forma determinada, o alcance de seus objetivos materiais, sua ambição pela posição social e fortuna. Durante a trama, ela é disputada por três jovens rapazes com estereótipos tradicionais. Estevão, que faz a linha romântica, é sensível e apaixonado. Entretanto, Machado o apresenta de uma forma ridícula, o que traz em sua aparição na obra, um teor simplista e diminuto. Luis Alves, grande amigo de Estevão, e que, inicialmente, não apresenta interesse por Guiomar, passa a vê-la com outros olhos quando entende o gênio ambicioso da moça. Essa percepção faz com que o jovem compreenda seus motivos, e isso o encanta, pois, é também, um ambicioso puro. Jorge é o tipo pastelão, tem interesse pela moça, mas é de certa forma indiferente. Se a tiver, ótimo, se não, não muda muita coisa. Sua personalidade é vazia e simples, não tem grandes planos de vida e dá, durante a trama, uma sensação de inércia.
Guiomar, que fazia de tudo para agradar sua madrinha, uma rica baronesa, não imaginava que esta preferia, dentre os três, Jorge, que era da família. No entanto, por nunca ter se mostrado ausente ou feito algo errôneo, a velha baronesa confiava e botava créditos no sobrinho, pois era uma boa pessoa. A ambiciosa afilhada não queria se casar nem com Estevão, que aos seus olhos, parecia algo patético, nem com Jorge, em quem não via nada de mais (não era bom nem ruim). Nenhum dos dois despertava a curiosidade de Guiomar, exceto Luis Alves. Para ela, o jovem rapaz parecia misterioso, mas ao mesmo tempo astuto, sabia o que falar e como falar, admirava-o pela sua esperteza.
Entre o desejo do coração e a ambição, Guiomar encontrou em Luis Alves as duas coisas. Um homem que desejava poder social e político, e alguém que a amava pelos mesmos motivos que a fazia amá-lo. A união entre eles parecia a perfeição e, durante toda a obra, já se via esse final. Porém, o intuito de Machado não era criar algo inesperado, mas sim, demonstrar as características de se fazê-lo assim, previsível. A mão e a luva não é o tipo de narrativa em que se observa como os fatos se desencadeiam, mas com que propósito. E o que ele mostra é que entre Guiomar e Luis Alves havia a verdadeira sintonia, o encaixe perfeito que uma mão consegue ao colocar uma luva. Os dois tinham ideais parecidos e iriam lutar por eles, assim como retrata o último diálogo do livro.
O livro veio em formato de folhetim, tipicamente utilizado no século XIX, quando a imprensa brasileira se instalava com força no país. O gênero era muito usual e servia de auxilio às vendas dos periódicos. As obras eram escritas em sequência, e feitas, geralmente, para gerar a expectativa do leitor pelo próximo capítulo. O folhetim atingiu seu auge na segunda metade do século, juntamente quando essa trama surgiu. Não se pode dizer que, por ter sido feita nesse formato, houve diminuição da qualidade machadiana. Mesmo que muitas obras tenham perdido a complexidade que se "exige" em um romance, a obra machadiana não se afetou, sendo vista em A mão e a luva personagens intensos e descrições fortes.
Graças a Francisco de Paula Brito, notório jornalista da época, Joaquim Maria Machado de Assis pôde se estabelecer e criar um universo literário mundialmente conhecido. Paula de Brito foi um grande defensor do Folhetim, da informação e, enfim, do saber.