Assim que a Novo Conceito anunciou o lançamento de Cruzando o Caminho do Sol tive aquela sensação que tenho quanto me deparo com um livro extremamente tocante e bom, mas que revira nosso mundo de cabeça para baixo enquanto lemos. A trama central do livro é um problema que quase ninguém conhece e quando conhece, quase nunca pensa nele. A venda de ser humano para uso escravo seja na rota sexual seja na rota do tráfico é uma coisa comum, muito comum, mas que as potências preferem tratar as escondidas. Tive contato o ano passado com o assunto depois de assistir um episódio de série e ir pesquisar sobre o assunto. É de arrepiar as histórias de sequestros e abusos. Mas não estou aqui para falar disso, estou aqui para falar de "Cruzando o Caminho do Sol".
O negócio é que quando vi que o livro tratava desse assunto tudo o que pesquisei voltou para minha cabeça. Os sequestros em plena luz do dia, as moças que somem sem deixar vestígio em festas, a caminho da faculdade e nos lugares mais comuns possíveis. Pessoas sendo vendidas, abusadas, torturadas, tratadas como lixo. Demorei a ler por isso. Estava evitando o tema pesado. Sabia que a leitura seria de certa forma exaustiva e forte. Não estava nem um pouco enganada. A história criada por Corban Addison é um retrato de uma triste realidade. A pesquisa que o autor fez para escrever o livro só transforma a história de Sita e Ahalya em algo mais real ainda. É perturbador pensar que agora nesse instante em algum lugar no mundo existem milhares de garotas e até garotos sendo vendidos e usados como uma coisa e não um ser humano.
Ahalya e Sita viviam com a família em uma cidade tranquila da costa da Índia. A família era da casta de comerciantes e eles tinham uma vida boa. O mar sempre foi a companhia mais agradável das meninas até o dia que de súbito aconteceu o tsunami. Ahalya escutou ao amanhecer um tremor, mas julgou não ser nada. Naquele dia ao passear na praia com a irmã e os pais ela percebeu que o mar estava estranho, as ondas estavam recuando, mas quanto viu que tinha algo muito errado já era tarde. A onda engoliu tudo. O máximo que ela conseguiu fazer foi se segurar e gritar para a irmã fazer o mesmo. Os pais não tiveram a mesma sorte, nem a empregada e nem a avó. Com a família morta as duas meninas saem em busca de ajuda. Pretendiam chegar ao colégio em que estudavam. Sem transporte elas aceitam pagar para levarem elas até lá, mas o conhecido das duas desce em um local anterior e o motorista, completamente desconhecido, as vende. Sita e Ahalya não entendem nada, mas logo na primeira noite o mundo das duas despedaça mais um pouco.
Do outro lado do atlântico o advogado Thomas passa por uma grave crise no casamento. A vontade de crescer na carreira acabou custando caro. O casamento se desgastou e chegou ao limite quando há poucos meses a filhinha do casal morreu. Era apenas um bebê. Esse foi o limite. A esposa de Thomas saiu de casa. Foi passar um tempo com os pais dela na Índia. Quando a firma em que Thomas trabalha lhe dá um ultimato ele presencia uma cena que mudará sua vida. Ele aceita a transferência de um ano para Índia e resolve trabalhar para a ACES, uma ONG que atua contra o tráfico humano.
A partir desses dois pontos a trama se desenvolve. Não vou contar mais detalhes de como a vida de Thomas e das irmãs vão se cruzar para não estragar as surpresas que o livro trás. É o primeiro livro do autor e surpreende ao narrar com destreza um assunto sério de forma crível. Um livro que apesar de conter descrições de termos técnicos não se tornou cansativo. A cada página a vontade de descobrir como tudo terminaria ia ficando maior. É impossível ler sem sentir. Todas as minhas suspeitas sobre o livro se confirmaram. É angustiante acompanhar a trajetória de Ahalya e Sita. Mexe com qualquer um ler o que elas passaram. Thomas também é um personagem muito bom. Apesar do início um pouco lento gostei bastante do todo. Passando por várias mudanças de cenários e descrições de uma cultura muito diferente o livro não perde ritmo e os fatos se desenrolam de maneira rápida a partir de certo ponto. Addison não só narrou esse universo marginalizado do tráfico, como também mergulhou na cultura indiana com sucesso. Sem explorar utilizar de cenas vulgares e pesadas demais Addison conseguiu passar sua mensagem. Ele conseguiu dar face às vítimas desse crime tão pouco divulgado e despertar nos leitores sentimentos variados.
A edição da Novo Conceito está perfeita. Não encontrei erros e a fonte é do tamanho ideal para não atrapalhar a leitura. A editora também manteve no final do livro a lista de links que o autor indicou. Muitas editoras retiram essas listas e Novo Conceito acertou ao mantê-la. As notas de rodapé também foram bem úteis. Não encontrei informações sobre adaptação para o cinema, mas pelo enredo duvido que vá demorar a sair um filme do livro. É uma história que leva tempo para você digerir e como o autor disse no final do livro é impossível não se envolver com a história de pessoas que passaram por isso. É inimaginável e inconcebível que esse mercado não seja investigado e punido com rigor. O final da história de Sita e Ahalya foi (...)
Termine de ler em: http://cultivandoaleitura.blogspot.com.br/2012/05/resenha-cruzando-o-caminho-do-sol.html