Zazie no metrô

Zazie no metrô Raymond Queneau




Resenhas - Zazie no metrô


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Leo 29/07/2009

Raymond Queneau foi um dos fundadores do OuLiPo, grupo literário dos anos 60 famoso por suas experimentações narrativas e estilísticas, do qual também fizeram parte Georges Perec (que ainda pretendo ler) e Italo Calvino (do qual sou fã). Parte dessas inovações pode ser conferida em sua obra-prima “Zazie no metrô”, pequeno clássico da literatura francesa que conta as aventuras de uma menina e seus amigos amalucados por Paris.

Irreverente, repleto de neologismos, por vezes onírico (também faziam parte do OuLiPo alguns dos principais artistas surrealistas), “Zazie...” faz lembrar a escola nouvelle vague, graças ao seu humor absurdo e sua trama nonsense, o que provavelmente contribuiu para que fosse adaptado para o cinema e tenha se tornado referência no estilo.

A história acompanha a protagonista através de uma série de situações e personagens picarescos, culminando em um final completamente apoteótico, após o qual Zazie já não será mais a mesma. E nem o leitor, arrebatado por um livro original, surpreendente e divertido, adjetivos que também se aplicam à edição primorosa que a CosacNaify acaba de lançar no Brasil.

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Juscelino L 28/12/2021

Achei um livro divertido, tem uma narrativa simples, mas que prende na leitura capítulo a capítulo. Zazie é um livro que me surpreendeu logo no início e não da pra saber muito o que esperar dele até o ultimo capítulo.
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Julyana. 24/09/2012

Zazie é do caráleo!
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jota 10/01/2013

Diversões zazílicas
Zazie no Metrô, de Raymond Queneau, é o equivalente francês à obra-prima de James Joyce, Ulisses. Com algumas vantagens sobre o livro do irlandês: é curto (cerca de 180 páginas), engraçado quase o tempo todo e plenamente legível (ou compreensível). Mereceu diversas análises, incluindo a do respeitável crítico, ensaísta e semiólogo Roland Barthes - Zazie e a Literatura -, que é o posfácio desta edição (Cosacnaify, 2009).

Zazie no Metrô é um romance curioso e malcomportado (ou desbocado, como a própria personagem), que conta as andanças de Zazie por Paris durante um final de semana nos anos 1950 (o livro original é de 1959), guiada pelo tio Gabriel grande parte do tempo (a mãe aproveita a folga para conhecer melhor seu novo namorado; na verdade, transar com ele). Menina do interior, o sonho de Zazie era passear de metrô, depois tomar “cacocalo” (é, aquele famoso refrigerante) e comprar uma calça jeans (ou djins, como ela diz). E o que Zazie pretende ser quando crescer? - lhe perguntam. “Astronauta.” E para quê? “Para encher o saco dos marcianos.” Entendeu?

Bem, por azar, uma greve geral nos transportes públicos a impede de passear de metrô e ela sai assim meio que sem destino pela cidade. A certa altura, dela se aproxima um sujeito que tanto pode ser um pedófilo quanto um policial – é ele quem vai comprar os desejados djins, mas que não deverão sair gratuitamente para a menina, claro. Definitivamente, não eram tempos politicamente corretos então. E pedófilo ou não, ele não é o único sujeito socialmente “inadequado” a contracenar com Zazie.

Gabriel, o próprio tio de Zazie, à noite é um transformista, e tem uma porção de amigos exóticos, um deles até mesmo um papagaio (apropriadamente chamado Laverdure), que não se cansa de repetir: "falar, falar, você só sabe fazer isto." Zazie perturba o tio o tempo todo; ela quer que ele demonstre que não é de fato um "hormossecsual", assim mesmo, por conta do que faz à noite.

E há também uma fartura de palavrões aqui, de deixar freiras de capelo em pé (de cabelos também) – imagine do que Sacré-Coeur é chamada durante uma discussão – e nisso igualmente o livro lembra Ulisses. Palavrões não são ditos somente pelos adultos, mas por Zazie, que, quando contrariada, sempre acaba dizendo um bastante cabeludo (aliás, ela diz esse palavrão a cada duas páginas, praticamente).

Porém a ousadia de Queneau vai muito além dos palavrões e da colocação em cena de situações e tipos “estranhos”; o vanguardismo está na linguagem utilizada no desenvolvimento do romance que, desrespeitando as normas da escrita culta, contempla o modo de falar das pessoas. Então, Zazie no Metrô é praticamente um livro falado: os diálogos (disparatados em sua maioria) ocupam grande parte dos capítulos, às vezes muito mais do que a narração ou a descrição de pessoas, lugares ou coisas.

É assim que temos, entre muitas invenções linguísticas (ou zazílicas, conforme Barthes), “bojolé” (em vez de beaujolais, o vinho), “Rambrã” (referência ao pintor holandês Rembrandt), "Sãgermãdeprê" (no lugar de Saint-German-de-Prés), "dondekevemtantofedô" (significando, claro, “de onde é que vem tanto fedor?”), “rapturista” (raptor de turista), “rapibársdei tuiú” (feliz aniversário), etc., em caprichosa tradução e adaptação de Paulo Werneck, que torna o livro mais apetitoso ainda.

A história de Zazie é mínima, praticamente um fiapo, mas quem gosta de jogos de palavras, palavras inventadas, palavras e frases com duplo sentido, etc., e sobretudo de humor inteligente e muita criatividade (e não se importa tanto assim com palavrões a torto e a direito), então vai se divertir bastante com o livro de Queneau. Ou talvez não, não sei...

Lido entre 08 e 10/01/2013.
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EduardoCDias 23/06/2020

Divertidíssimo e diferente
Numa linguagem totalmente diferente esse livro narra a história de uma menina chata pra c* ( pra usar as palavras dela) que vai passar 3 dias com o tio em Paris. Considerado um dos romances franceses mais importantes do século XX.
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Egberto Vital 31/10/2023

"Zazie no Metrô", de Raymond Queneau, embora encante com sua ousadia e humor ácido, apresenta desafios que podem afastar alguns leitores. A narrativa, que segue as aventuras da desbocada Zazie pela Paris dos anos 1950, pode parecer arrastada em determinados momentos, especialmente para aqueles menos familiarizados com a experimentação literária.

Diálogos disparatados e situações inusitadas, embora tragam um toque de originalidade, podem tornar a leitura menos acessível, pode ser um obstáculo para leitores que preferem uma abordagem mais convencional.

No entanto, a narrativa descontraída e as interações entre personagens, repletas de ironia, prendem a atenção do leitor. A Paris apresentada por Queneau, habitada por personagens que passam o tempo enchendo a cara e jogando conversa fora, pode parecer distante da imagem romântica da capital francesa, mas configuram um novo modo olhar para aquele espaço.

Apesar de alguns pontos negativos, é inegável que "Zazie no Metrô" permanece como uma obra única e marcante. Sua inclusão entre os cem principais romances do século XX destaca a importância de sua contribuição para a literatura experimental.
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Martha Lopes 21/05/2009

Acabo de ler a nova edição da Cosac, em comemoração aos 50 anos do livro, que é linda, toda feita em papel de seda! O livro é o máximo, um rolo só! Escrachado, divertido e louco como um filme da nouvelle vague! Queneau também brinca com a linguagem o tempo todo, criando o que chamaram depois de "neofrancês", inventando palavras e grafias -- o que, por sinal, a tradução do Paulo Werneck transmitiu muito bem. Como diz Barthes no posfácio: "Queneau se instala no âmago dessa contradição, que talvez defina a nossa literatura de hoje: ele assume a máscara literária, mas ao mesmo tempo a aponta com o dedo". Recomendo!
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Eduardo 23/01/2012

ah, eu achei uma graça. pela invencionice linguística, pelos personagens divertidos e pelo modo descolado com que queneau os lança na história: entram do nada na história, vão ficando, misturando-se aos outros e, ao final, evaporam-se todos, pra ficar só Zazie, contando as aventuras nos tais 2 dias com o titio gabriel pra mãe. desses personagens, amei o Verdurinha, o papagaio,("você fala, fala, mas não faz nada" virou meu bordão, dito que vai demorar pra ser esquecido) além da Zazie desbocada, é claro. o coração vai ali pq humor escrachado e inteligência juntos é raro.

Obs: tomo emprestado de outra resenha aqui do skoob, de Martha Lopes, que leu a edição da Cosac, uma frase certeira do Roland Barthes no prefácio daquela edição (eu li a da Rocco, sem prefácio):

"Queneau se instala no âmago dessa contradição, que talvez defina a nossa literatura de hoje: ele assume a máscara literária, mas ao mesmo tempo a aponta com o dedo"

Barthes refere-se à gostosa metalinguagem que permeia a fala do narrador. algo semelhante (diferente!) encontrei no Buddy Glass, narrador de "Pra cima com a viga, moçada!/Seymour, uma introdução", livro de Salinger.
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Felipe 26/03/2013

Napoleão é o caralho!
Às vezes desviava o olhar da página e lançava uma interrogação para à parede, à janela ou alguma árvore distante que aparecia na paisagem: “É isto literatura? Literatura séria?” O fato é que Zazie é Literatura séria, seriíssima. Queneau é dono de uma prosa escandalosamente inovadora, capaz de causar desconforto em velhinhas e leitores ingênuos. Aqui a palavra inovar significa contribuir e não desprezar ou destruir sem construir nada no lugar dos destroços. Falo de tendências literárias que combatem a literatura como um inimigo, e não como algo que merece uma revisão necessária e, sim!, construtiva. A história de Zazie é linear, mas o seu conteúdo é antiliterário, anti-ocidente, anticartesiano – a sua postura é rebelde, no melhor sentido da palavra.

Se em “Alice..” temos a figura infantil feminina que pactua com o mundo nonsense mas acaba, invariavelmente, se tornando vítima dele, em Zazie, esse status de criança-vítima é alterado: Zazie é a criança-algoz, o carrasco sempre disposto a lançar mais uma chicotada. O chicote de Zazie é linguístico. Cada vez que um adulto lança contra ela admoestações, conselhos ou afagos, o belo adjetivo/substantivo/pronome da frase iniciado pelo interlocutor de Zazie é devolvido prontamente com o seguinte acréscimo: “O caralho!”. Desautomatizador de hábitos, a frase coloca em xeque a sacralidade de certos costumes e a pomposa nuvem mística que gira ao redor de certos nomes.

Zazie vai mais longe, não só a Literatura é alvo do mundo zazílico: A noção de identidade/personalidade é questionada (O personagem sem nome, sem identidade certa), a noção de gênero sexual (Gabriel e Marceline), as narrativas padrões que funcionam como recipientes de ideologias dominantes, a gramática normativa (A quem pertence a língua? Aos gramáticos ou aos usuários?) e a história. Toda a cultura é abalada com Zazie e isso tudo através de um humor refinadíssimo e um espírito nonsense que atualiza e enriquece a tradição dos surrealistas e de Lewis Carroll. Zazie é literatura séria, seriíssima.
Camila Félix 06/07/2014minha estante
Eu vim aqui para escrever isso!
Às vezes desviava o olhar da página e lançava uma interrogação para à parede, à janela ou alguma árvore distante que aparecia na paisagem: ?É isto literatura? Literatura séria??
Obrigada.




Fábio 07/05/2015

Decepção
Considero esse livro como aquela escola de samba que desfila para os jurados e não para o público. É uma pérola literária, mas é um livro chato de ler. Começa bem e continua assim até sua metade, mas depois perde a graça. Para quem é especialista em literatura agrada, pois possui vários elementos literários presentes nos maiores clássicos. Entretanto, para o público em geral não é interessante. Vou ver o filme. Dizem que é melhor que o livro.
Lara 10/08/2015minha estante
Que pena que não gostou, Fábio! Eu achei o livro divertidíssimo e muito interessante. Sobre o filme, o que você irá encontrar é um perfeito exemplo de comédia pastelão :(


Thaianne 07/04/2021minha estante
"Escola de samba que desfila para os jurados" foi a melhor definição kkkkk
Me senti muito representada por ela.




Refugios das Letras 20/04/2020

Uma criança vai passar alguns dias com seu tio em Paris, com a única vontade de conhecer o metrô. Acontece que o metrô está em greve e a história se desenrola em eventos improváveis e curiosos. Esse seria um resumo honesto do enredo, porém o enredo é a parte mais insignificante do livro.
Estava querendo ler algo de Raymond Queneau há algum tempo, desde que tive ciência da Oulipo, uma corrente literária que me pareceu interessante. Zazie é uma obra de 1959, enquanto a Oulipo foi apenas fundada em 1960, ou seja, meio que não valeu. Espero me aprofundar e escrever mais sobre o assunto quando resenhar alguma obra ligada diretamente à corrente, provavelmente algo de Georges Perec em breve. Mas valeu um pouquinho, pois Queneau já demonstrava aqui sua vontade de inovar com a escrita em diversos níveis, passando pela ortografia, neologismos e inúmeras metalinguagens. Embora ainda livre de suas famosas contraintes, elas estão ali, só esperando serem vistas.
Zazie, uma menina boca-suja e endiabrada, seu tio vigia noturno e drag-queen, o policial que é preso, o papagaio Laverdure , são todos personagens tão impossíveis na mesma medida que são desejáveis. Um livro leve e divertido, como diria Zazie, bom pra caralho.
Um adendo não muito comum nas minhas resenhas: A edição que li, da Cosac Naify, é talvez o livro mais bem trabalhado que tive em mãos. O trabalho estético, único em literalmente cada página dupla, é de bater palmas. Recomendo fortemente a escolha para tal edição.

site: https://refugiosdasletras.blogspot.com/2020/04/zazi-no-metro-raymond-queneau.html
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Ave Fantasma 27/04/2021

Zazie é o car@lh*! Comentário pessoal sobre Zazie no Metrô.
A primeira coisa que posso dizer sobre ler Zazie no Metrô é "Zazie é o caralho!". Calma, estou parafraseando a expressão famosa de uma garotinha de 11 anos.

Uma ex apaixonada por nouvelle vague e ex viciada na literatura francesa sempre terá um encantamento pela produção artística da frança do sec XX. Portanto, os filmes do Louis Malle são figurinhas marcadas para quem viveu ou vive essa fase. E eu não fui diferente. Até hoje Zazie no metrô está entre meus filmes favoritos. Desde então fiquei curiosa para ler a obra de Queanau. E depois de alguns anos eis que faço essa leitura que me levou de volta ao encanto das experimentações artísticas e filosofia de bar francesa.

No auge da filosofia do existencialismo Zazie não escapa de no meio de uma aventura maluca de passeios pelos pontos turisticos parisienses rolar uma breve crise existencial, uma conversa sobre porque você ainda não casou, ou se você é homosexual, provocadas por uma pentelha. Sim, Zazie não é uma Anne de Green Glabes, ela fala palavrão, fala errado, perturba de propósito, mas passou por experiências pesadas para uma criança e tem uma mente tão afiada e questionadora quanto a canadense/escosesa carismática.

Em Zazie mergulhamos na experimentação literária do movimento OuLiPo, passeamos por Paris, conhecemos figuras inusitadas, brincamos com a estrutura narrativa, tendo reflexões centrais sobre orientação sexual, gênero, abuso, pedofilia, o processo do crescimento, e até mesmo reflexões sobre o sentido da existência.

É preciso comentar o capricho da edição da falida Cosac & Naify. Um trabalho gráfico que conversa com a obra, as folhas são unidas na lombada (como se as pontas estivessem coladas) formando um vão que embaixo estão desenhos coloridos nas cores da bandeira francesa. Remete aos folhetos e é divertido. Enquanto lia eu soprava as folhas para ver o efeito zanfona meio balão que elas formam.

Zazie no metrô é uma leitura deliciosa, rápida, divertida, inteligente e que trata com cuidado sobre temas difíceis.
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Fer 29/10/2020

Leitura leve, engraçada e a edição é lindíssima! Um clássico que funciona pra todo mundo. Me diverti horrores!
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Aline T.K.M. | @aline_tkm 01/10/2015

Politicamente incorreto e... do caralho!
Uma pré-adolescente espevitada e muito, muito desbocada, passa dois dias na Paris da década de 50. Apesar de algumas frustrações – contrariando o título, ela não anda de metrô –, a garota vive momentos aventurescos em uma “pequena grande” jornada pela cidade e pela vida.

O parágrafo acima é apenas o plot da história de Raymond Queneau. Zazie no Metrô, célebre romance e marco literário na época em que foi lançado, está a caminho de completar seis décadas de sua primeira publicação e isso sem deixar de conquistar leitores mundo afora.

Para passar uns dias curtindo o namorado em Paris, Jeanne Lalochère deixa a filha Zazie aos cuidados do tio Gabriel. Empolgada, Zazie não vê a hora de andar de metrô pela primeira vez. Justo naquele dia, porém, o metrô está em greve.

Indignada, a menina resolve perambular sozinha pelas ruas de Paris. A partir daí, uma série de encontros, confusões e absurdos preencherão a trajetória dela, do tio Gabriel e de outros tantos personagens não menos interessantes. Um sujeito esquisito e de muitas identidades, que pode ser um tarado pedófilo, um policial, um guarda ou até mesmo um ator; Turandot, o dono do bar no térreo do apartamento de tio Gabriel; a garçonete Mado Ptits-Pieds; o sapateiro Gridoux; um grupo de turistas guiados por Fiódor Balanovitch; tia Marceline, esposa de Gabriel; Charles, motorista de táxi e amigo de Gabriel; e Laverdure, o papagaio de Turandot, que passa o dia a entoar a frase “Falar, falar, você só sabe fazer isso”.

Garota do interior, Zazie vive na França do pós-Segunda Guerra, é espirituosa e fala de tudo sem medo nem censura. Sua ingenuidade é evidente inclusive na falta de “filtro” ao agir e se comunicar – Zazie abusa dos palavrões e pode ser um tanto malcriada. Dentre seus objetivos, andar de metrô, tomar um copo de “cacocalo” e ter um par de calças “djins”.

Com seu maior desejo frustrado devido à greve do metrô, Zazie embarca em aventuras nada politicamente corretas com o tio e os demais personagens do romance. É neste ponto que as confusões e mal-entendidos têm lugar, e o clima geral lembra aquele do humor pastelão, recebendo pinceladas carregadas de nonsense.

Não espere encontrar previsibilidade e coerência nos personagens e em suas ações; jovens, adultos, homens, mulheres, malandros e policiais muitas vezes não se comportam da maneira como – movidos pela racionalidade – esperamos. Tudo é muito dúbio, inclusive a própria Paris: durante o passeio, não se sabe se o que se vê é a Sacré-Coeur ou os Invalides, ou então o Panthéon.

É durante esse tour maluco por Paris que surge uma questão importante na trama: a real identidade do tio Gabriel. Dizendo trabalhar como vigia noturno, ele tem sua sexualidade colocada em dúvida. O homem que usa um perfume de aroma duvidoso – Barbouze, da Fior – acaba por levar toda a trupe que o acompanha durante o dia pela cidade para conhecer e prestigiar seu trabalho, o verdadeiro. E é assim que todo mundo vai parar numa boate, inclusive nossa garotinha Zazie – mais uma prova de que o politicamente correto passa deliciosamente longe das páginas do livro.

Mas a maior delícia está, sem dúvida alguma, na linguagem singular empregada por Queneau. Em diálogos que beiram o absurdo, as frases surgem com uma espontaneidade marcante, pontuadas por vocabulário oralizado e original. Em contraponto com o refinamento da língua francesa, encontramos o coloquialismo, um linguajar desbocado e até vulgar. Palavras e expressões como “Dondekevemtantofedô”, logo na abertura do livro, “djins”, “pultaquilparil” e “hormossecsual” estão espalhadas em grande número por toda a história, bem como outros artifícios sinalizadores da oralidade – por exemplo, a substituição do “x” pelo “z”, conforme o som da letra é falado na palavra em questão. O que é muito ousado em termos de literatura, especialmente se pensarmos na época em que o livro foi lançado, lá em 1959.

Bem, falando de Raymond Queneau, isso faz todo o sentido. O autor foi cofundador da OuLiPo (Ouvroir de Littérature Potentielle), uma associação fundada em 1960 cujo trabalho se baseia na criação e experimentação de novas formas literárias quanto à narrativa e estilística. Em 1947, Queneau apresentou Exercícios de estilo, obra que reune 99 versões diferentes para um mesmo microconto; em 1961, lançou Cent Milliards de Poèmes, em que cada verso de um soneto é cortado de forma a possibilitar sua recombinação, podendo gerar até 100 trilhões de sonetos com rima e métrica perfeitas. Ou seja, Queneau já brincava com as palavras e com a linguagem bem antes de Zazie.

Portanto, não se deixe enganar ao deparar-se, de início, com uma trama que parece boba e carente de um objetivo verdadeiro. As trapalhadas estão presentes e o absurdo está por todo lado, mas essa pérola da literatura embute nas entrelinhas ares filosóficos e levanta a questão da real identidade de tudo, coisa e gente – como mencionei alguns parágrafos acima, tudo no livro tem aspecto dúbio. Enquanto isso e em um curto espaço de tempo, nossa anti-heroína zazílica amadurece.

Poderia passar a vida a falar desse livro louco e genial. Desta edição então, nem se fala! (Conto um pouquinho sobre ela logo mais, em “Leia porque”.) Mas, sendo mais breve e exata, resolvo terminar tomando emprestadas as palavras do crítico Otto Maria Carpeaux, que figuram na quarta capa do livro: “Zazie? Do caralho!”

LEIA PORQUE...
Humor, confusões e nonsense, tudo temperado com uma linguagem originalíssima e coroado com uma protagonista teen bem diferente do que estamos acostumados. Zazie no Metrô é do caralho mesmo!

Esta edição da Cosac Naify, de 2009, celebra com dignidade os 50 anos da obra. Além do posfácio por Roland Barthes e a tradução de Paulo Werneck, tem esse projeto gráfico que é incrível. As folhas são todas em papel-bíblia – fininhas e com leve transparência – e dobradas ao meio, como folhas duplas; na parte de dentro, impressões de fragmentos de cartazes franceses dos anos 50, apenas parcialmente visíveis no lado externo das folhas, sob o texto.

DA EXPERIÊNCIA...
Já tinha adoração pelo filme, de Louis Malle, lançado em 1960. Agora, finalmente tendo lido o livro, posso dizer que virei mais fã da história. Foi gostoso encontrar semelhanças e diferenças entre livro e filme, e fui deliciosamente surpreendida com uma trama e personagens nada certinhos no livro de Queneau.

FEZ PENSAR EM...
O Sopro no Coração (Le Souffle au Coeur), filme um tanto polêmico – por conter incesto – de Louis Malle, o mesmo diretor da adaptação de Zazie, que também retrata essa fase difícil da saída da infância.


site: http://livrolab.blogspot.com
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