Maitan 18/02/2018
Engolir ou cuspir, eis a questão
Milo Manara é um daqueles nomes incontornáveis para quem quer ver quadrinhos adultos de qualidade, e a expectativa criada em torno de seu nome é uma companhia que pode atrapalhar a fruição da obra. Se se deixar levar, como eu fiz, pode acabar com um “então era só isso?”. Esse resultado, o de que se “esperava mais”, me parece recorrente com muitos monstros do gênero.
“Clic”, concebida em 1982, é a trajetória de escândalos sexuais por que passa a aristocrata Claudia, dominada por um aparelho que controla seus impulsos. O aparelho está na mão de um homem escroto (muito bem desenhado, por sinal), frustrado pelo insucesso de seus assédios.
O traço é bom, as cores são ótimas, há também alguma originalidade e o talento de construir uma narrativa fluida, recheada de imprevisibilidade, o que deve destacar o livro em relação aos seus pares. E, por tudo isso, merece ser lido. Nada disso, porém, inclusive o fato de ser um artista respeitado em sua área, exime o autor de uma crítica feminista. Manara expõe com sutileza a sociedade burguesa e sua moralidade hipócrita, mas para alguns pode deslizar quando o que deveria estimular a liberdade feminina acaba por reforçar sua condição de submissão ao homem.
Aliás, esse final que transformaria a mulher dominada em uma mulher livre não chega no primeiro volume. Houve uma tentativa, é preciso reconhecer, mas ela não se efetiva. Se a ideia foi reproduzir uma condição cultural, para então, com o recorte, destacar o que há de problemático, o resultado é alcançado – só não sei se o efeito é o esperado. Agora, se o intuito é estimular fantasias de dominação sexual, o resultado também é alcançado, mas algo diz que seu público deverá broxar com o passar do tempo.
Resta ver como Milo Manara desdobra o “Clic” em seus três outros volumes.