Helder 27/06/2014O verdadeiro segredo de Jasper JonesQue inveja de quem tem o dom das palavras! E este, acredito eu, seja o verdadeiro segredo de Jasper Jones. Um livro simples, mas extremamente bem escrito, com uma linguagem fluida e poética.
É fácil imaginá-la como um pássaro no céu. Como se eles tivessem amarrado um longo barbante na pata de um falcão, mantendo-se ligeiramente atrelado para sentirem o que é voar. E você quer deixa-lo voar mais alto, quer desenrolar sua linha e segurá-la, só pela emoção, para ver a distância que ele alcança . Mas, assim que ele some, você quer que ele volte, não é? Porque você continua preso aqui e não pode segui-lo. Mas é legal saber que você teve peso suficiente para mante-lo encalhado e poder admira-lo por algum tempo. Como algo precioso que você pode pegar e olhar. Uma joia. Um poema, uma canção. E você quer prende-loa algo permanente, coloca-lo numa gaiola à noite. Te-lo para sempre apesar de sua natureza. Como pessoas que colocam anéis nos dedos apenas para que não possam ir embora. Mas é claro, você não pode. Segurar uma coisa não a torna sua. Você se dá conta, em determinado ponto, que apenas a segura para si, pois ela puxa com força igual. Você precisa cortar o barbante do seu dedo e largar aquele fio insignificante, como um filhote de aranha na brisa (pg 265)
A capa nos diz pouca coisa sobre o que vamos encontrar ali. No principio parece que teremos um livro de suspense, mas ao pouco percebemos que não é isso que o talentoso autor deseja discutir. O crime é somente um pano de fundo, assim como a Guerra do Vietnã, para mostrar o crescimento interior do pequeno Charlie de 14 anos durante aquele verão, onde ele percebe que na cidade de Corrigam existem diversas mascaras e que a vida não é tão cor de rosa como ele imaginara até então.
Existe preconceito, existe traição, existe folclore e existe a pior devassidão humana, coisas antes impossíveis de imaginar pelo pequeno Charlie sonhador.
Um ponto muito diferente na narrativa e que achei muito interessante, é que o autor não é explicito sobre quando aquilo acontece, mas traz indicações como pano de fundo. Conseguimos nos localizar no tempo porque sabemos que está acontecendo a Guerra do Vietnã e por causa dos crimes que ele pesquisa na Biblioteca e são reais. Mas será que aquela estória seria muito diferente se acontecesse em 2014? É triste ver que o mundo não mudou nada em 50 anos. Na verdade a raça humana continua se repetindo em seus erros e o que me parece é que preconceito, traição, folclore e devassidão são como órgãos do ser humano, dos quais não conseguimos nos desvencilhar.
O livro começa com uma batida na janela de Charles. É Jasper Jones, o marginal da cidade lhe pedindo ajuda. Mas como, se eles nunca nem tinham conversado? Mas algo atrai o pequeno Charles naquele pedido e ele resolve seguir Jasper, até uma clareira onde ele verá algo que mudará sua vida, abrindo seus olhos para a maldade existente no mundo. E a partir dai eles passam a ter um segredo.
Mas a maldade não está só no fato encontrado. Está no preconceito existente na cidade com o jovem Jasper (Impossível não sentir um buraco no estomago algumas vezes por este personagem. Principalmente quando ele descobre a verdade sobre o crime. É como se realmente o mundo inteiro fosse retirado dele deixando-o sozinho aos leões). Está no preconceito com o incrível Jeffrey, maníaco por críquete e cheio de certezas muito divertidas e diálogos impagáveis. No preconceito com a família de estrangeiro, que de repente deixam de ser vizinhos para se tornarem inimigos. A maldade está na mãe que não consegue ser feliz em uma outra cidade e não consegue simplesmente se comunicar . A maldade esta nas estórias inventadas sobre um velho solitário e a maldade maior está no homem que não consegue respeitar aquilo que deveria proteger. (Impossivel falar mais sem soltar spoilers).
Mas assim como Charles descobre a realidade do mundo adulto, ele também descobre as coisas boas, que é a paixão adolescente. Cheia de timidez, de diálogos incompletos e de pequenos encontros, e ai haja poesia para descrever estes sentimentos.
E a sensação é de amor. É, mesmo. Parece espelhar tudo o que li a respeito. E se não por isso, é algo terrivelmente perto. Quero pedir a ela que se case comigo. Não desejo mais ninguém. Ela é a melhor coisa dessa cidade. E não quero ficar sem ela. Ela é o único pedaço de alguma coisa boa que já tive nas minhas mãos. E quero enrolá-la no dedo e fazer dela um anel. (Pg 270)
E no fim, ele nos convence que Batman é muito mais corajoso do que o Super-Homem, pois ele sabe que não é invencível, mas mesmo assim segue rumo a seu objetivo de salvar o mundo. Meu argumento é este, quanto mais você tem a perder, mais corajoso é ao enfrentar o medo, por isso o Batman é superior ao Super Homem... (pg 54) já que este só morre com kriptonita, que você não encontra a cada esquina.
Que tenhamos todos a coragem do Batman para enfrentar o mundo que se esconde e nos desafia.
Leitura recomendada.