Marc 02/04/2012
A força da grana
O primeiro elemento que chama a atenção antes mesmo da leitura é a beleza das cores e ilustrações. Uma capa realmente bonita, mas que é apenas o cartão de visita do conteúdo visual da HQ. O texto é primoroso, sem exageros contando a história da Avenida Paulista desde o século XIX até nossos dias e, de certa forma, além (porque o autor faz um exercício de imaginação sobre o que pode ser daqui para frente).
Vemos seu surgimento, a idealização de Joaquim Eugênio de Lima de um enorme boulevard.
A Av. Paulista nasce a partir do claro objetivo de diferenciação. Uma elite recém-formada que ansiava dar sinais claros de seu poderio. Nada mais lógico do que escolher a região mais alta da cidade, isolada das fábricas e dos bairros pobres que sofriam com as enchentes. Um sonho bucólico, quase um oásis encravado na região central de uma cidade que crescia assustadoramente. Os ricos de São Paulo estariam próximos o bastante de suas fábricas e comércios, mas poderiam se ver distantes o suficiente e não sofrer incômodos dos outros habitantes, das classes pobres. O poder financeiro como responsável direto pela construção da cidade, inclusive ditando que usos as regiões teriam e quais seus significados simbólicos. Afinal, se a cidade é brutalmente ocupada da noite para o dia por pessoas que buscavam oportunidades, sobra pouco tempo para fruir os locais e se divertir. Mas a elite paulistana, bastante preocupada em mostrar que não partilhava do modo de vida restrito do restante dos moradores da cidade, construiu restaurantes, parques e toda uma estrutura que lhe permitisse conforto.
Curioso como esse local vai depois ceder às pressões pela valorização absurda (que era, de certa forma ainda, uma busca pela distinção: um escritório na avenida mais valorizada do país era símbolo de prosperidade) e, ao mesmo tempo, conservar a aura de refinamento. Ou seja, os trabalhadores que tinham o prazer de frequentar a paulista ainda poderiam ser considerados como uma categoria mais elevada.
Depois vemos como também esse momento começa a passar. Hoje lugares como as Avenidas Faria Lima e Berrini tomaram o posto de vanguarda econômica da Paulista. Em seu momento de “declínio” (ao menos em relação aos interessantes das grandes empresas) vemos como vai se tornando mais integrada à cidade.
O que parece caracterizar a cidade moderna, e a Paulista é a maior expressão disso, é não apenas a força do capital, mas a duração. Daí a demolição sistemática de regiões inteiras bastando que seu uso seja modificado. O que logo de início nos faz pensar que a história da cidade sempre precisa ser recontada. Novos começos de acordo com o uso que se quer dar a um local. O capital se modifica rapidamente e os usos que dá aos locais devem obedecer a mesma velocidade. E, assim, a cidade está sempre se fazendo; nunca está pronta e está sempre em vias de ser destruída para novas construções. Por mais de uma vez a HQ faz referência à transformação da avenida em um mero corredor de carros, ou seja, a preocupação com as pessoas sempre em segundo ou terceiro planos (que caracteriza o histórico de prefeitos de São Paulo).
Hoje a Paulista é de toda a cidade, não apenas de uma elite ou de empresas estrangeiras. E seus parques, museus, bares, etc. são mais e mais frequentados por pessoas vindas de todas as regiões. Parece que toda uma longa história precisou acontecer para que a cidade finalmente requisitasse um espaço que era seu desde o princípio mas que os interesses econômicos teimavam em privatizar, em isolar.