Jackie 23/06/2020
A ciência tem sua própria magia: a magia da realidade
O maravilhoso livro de Richard Dawkins procura explicar cientificamente os mitos. É bastante ilustrado e apesar de eu achar que é mais indicado para o público jovem, ele traz informações que muitos adultos infelizmente desconhecem.
Seguem as partes que curti e algumas notas minhas:
Qualquer combinação tem a mesma probabilidade de acontecer, só não notamos isso porque estamos buscando por padrões (sobre a probabilidade em jogo de cartas) – p.27
Notei que as semelhanças entre os mitos são fantásticas, como a ideia de que viemos do barro – p.37
“E os átomos são muito, muito menores até que as bactérias. O mundo todo é feito de coisas incrivelmente minúsculas, que não podemos ver a olho nu. E no entanto nenhum dos mitos e nenhum dos ditos livros sagrados — livros que alguns povos, ainda hoje, pensam que nos foram dados por um deus que tudo sabe —, nenhum, repito, faz menção sobre tais coisas pequeninas! Aliás, se você analisar esses mitos e histórias, verá que eles não contêm coisa alguma dos conhecimentos que a ciência pacientemente desvendou. Não dizem qual é o tamanho e a idade do universo, nem como tratar o câncer, não explicam a gravidade ou o motor de combustão interna; não falam sobre os germes, a fusão nuclear, a eletricidade ou os anestésicos. De fato, como seria mesmo de esperar, as histórias dos livros sagrados não contêm mais informações sobre o mundo do que aquelas que os povos primitivos contaram primeiro! Se esses “livros sagrados” fossem realmente escritos, ditados ou inspirados por deuses que tudo sabem, você não acha estranho que eles não digam nada a respeito de coisas tão importantes e úteis como essas?" – p.95 (gripo meu)
“O que me decepciona em todos esses mitos sobre a origem é que eles começam pressupondo a existência de algum tipo de ser vivo antes que o próprio universo surgisse (...). Você não acha que algum tipo de universo teria de vir primeiro, para fornecer um lugar para o espírito criador poder trabalhar? Nenhum desses mitos explica como foi que criador do universo (e geralmente é um criador, e não uma criadora) veio a existir. Com isso, ficamos na mesma.” p. 163
Eu não sabia que o deus Atlas no original segurava o céu e não a Terra, mas faz todo o sentido, já que na época de sua criação, a humanidade não tinha noção da forma geoide do nosso planeta. p.162
A história do grupo religioso Heaven’s Gate é uma prova que é impossível ter um diálogo racional com quem não quer ser racional. p.183
“Embora ainda não tenhamos descoberto vida em outros planetas (e pode ser que nunca venhamos a descobrir), espero que você tenha percebido o quanto a ciência pode nos dizer a respeito do universo, e que isso o tenha inspirado. A busca por vida em outros lugares não é feita a esmo. Os conhecimentos de física, química e biologia nos equipam para procurar informações significativas sobre estrelas e planetas distantes e para identificar planetas que sejam pelo menos candidatos a abrigar vida. Muita coisa permanece envolta em mistério, e não é provável que um dia desvendemos todos os segredos de um universo vasto como o nosso. Porém, armados com a ciência, podemos pelo menos fazer perguntas sensatas e significativas e reconhecer respostas dignas de crédito quando as vir. Não precisamos inventar histórias implausíveis. Temos o prazer e o entusiasmo da verdadeira investigação e descoberta científica para manter nossa imaginação na linha. E isso, no fim das contas, é mais emocionante que a fantasia.” p.202
A parte sobre “Por que coisas ruins acontecem” (p. 226) foi uma das que mais gostei. Se todos aceitassem que não há uma justiça natural, não teríamos tanta impunidade.
“Coisas ruins acontecem porque coisas acontecem. O fato de elas serem boas ou ruins do nosso ponto de vista não influencia em nada a probabilidade de ocorrerem. Certas pessoas acham difícil aceitar isso. Preferem pensar que os pecadores serão castigados, que a virtude será recompensada. Infelizmente, o universo não dá a mínima para o que as pessoas preferem.” p. 238
Gostei da abordagem sobre Poliana e a Lei de Murphy. Vi que meu pessimismo tem fundamento, é minha luta para sobreviver.
“O mundo está cheio de predadores perigosos, e é mais seguro pressupor que a Lei de Murphy é verdade. Vamos traduzir isso na linguagem de Charles Darwin, a linguagem da seleção natural: os animais que agem como se a Lei de Murphy fosse verdade têm maior probabilidade de sobreviver e se reproduzir do que os que seguem a Lei de Poliana.” p. 240
“Há inimigos no mundo, moldados pela seleção natural para se comportar como se estivessem planejando me matar. O mundo não é neutro ou indiferente ao meu bem estar. Ele está a fim de me pegar. A Lei de Murphy pode ou não ser verdade, mas me comportar como se fosse é mais seguro que acreditar na Lei de Poliana.” p. 241
Richard Dawkins também fala brevemente da pareidolia, o interessante fenômeno que nos faz ver rostos ou formas do cotidiano em objetos:
“Os seres humanos são animais sociais, por isso nosso cérebro é programado para ver rostos de outros humanos mesmo onde não existem. Isso explica por que com tanta frequência pessoas imaginam ver rostos em padrões aleatórios formados por nuvens, torradas ou manchas de umidade na parede.” p.249
“Suponha que ocorra algo que não entendemos e que não somos capazes de descobrir como poderia ser uma fraude, um truque ou uma mentira. Seria então correto concluir que, por isso, tem de ser sobrenatural? Não! Como expliquei no primeiro capítulo, isso encerraria as discussões e investigações. Seria preguiça e até desonestidade, pois fazer tal coisa equivale a afirmar que nenhuma explicação natural jamais será possível. Se você afirma que alguma coisa estranha tem de ser sobrenatural, não está apenas dizendo que não a entende no momento. Está desistindo de entendê-la e afirmando que nunca poderá ser compreendida.” p.263
“...não sejamos preguiçosos, derrotistas, a ponto de dizer “Só pode ser sobrenatural” ou “Só pode ser milagre”. Em vez disso, digamos que é um enigma, que é estranho, um desafio que devemos enfrentar. Seja questionando a verdade da observação, seja expandindo a ciência em novas e fascinantes direções, a resposta apropriada e corajosa a qualquer desafio desse tipo é: vamos enfrentá-lo! E, enquanto não tivermos encontrado uma resposta apropriada para o mistério, não há problema em dizer simplesmente: ‘Isso é algo que ainda não entendemos, mas estamos trabalhando para entender’. De fato, é a única coisa honesta a fazer.” p. 264
“...a verdade tem sua própria magia. Ela é mais mágica — no melhor e mais fascinante sentido dessa palavra — do que qualquer mito, mistério ou milagre inventados. A ciência tem sua própria magia: a magia da realidade.”
Richard Dawkins demonstrou muita paciência para explicar e humildade ao admitir que tem temas que ele não domina. Um livro maravilhoso. Entrou para meus favoritos.