Marc 27/03/2014
Esse é um livro bastante importante. Procura abordar a questão da sexualidade, dos relacionamentos afetivos e do amor livre de preconceitos. Também porque discute com Foucault em relação à interpretação que este havia proposto em História da Sexualidade.
Traz alguns conceitos interessantes, que se não devem ser acolhidos cegamente, ao menos precisam ser referidos em pesquisas sobre o tema. Entre eles a noção de relacionamento puro, que é a expressão para os relacionamentos modernos, mais democráticos, tanto homo quanto heterossexuais. E essa é a base de sua contestação sobre a hipótese de Foucault. Porque se os relacionamentos foram libertos da carga exclusivamente autoritária masculina, se o padrão não é mais apenas o do casamento, enfim, se a democracia atingiu também os relacionamentos, como continuar afirmando que a sociedade fechou mais ainda o cerco do poder sobre o sexo. E a conhecida tese de Foucault é que o poder se especializa a tal ponto que o próprio conceito de sexualidade não existia antes da modernidade.
Outro ponto importante é o conceito de sexualidade plástica. Aqui a ideia é que a queda do padrão heterossexual permitiu que o sexo ficasse livre da obrigatoriedade da reprodução. Esse elemento é muito importante porque a partir do momento que os homossexuais conseguiram um espaço maior na sociedade e puderam se manifestar, o sexo adquire a característica do prazer (que era um elemento presente quase que exclusivamente na sexualidade masculina, com suas aventuras externas ao casamento, que é o terreno da virtude).
A conhecida tese de Foucault sobre o par conhecimento/ saber, cuja maior consequência é o surgimento do conceito de sexualidade é bastante discutida aqui. Em primeiro lugar, e isso desmonta a tese de Foucault, é preciso atentar para a diferença entre a confissão e a psicanálise. Não há continuidade entre elas, como se supunha, porque no consultório a fala é inibida pelas neuroses, não é cristalina. Na confissão, ao contrário, o sujeito pode fornecer um relato exato dos acontecimentos e motivações. São coisas muito distintas. Essa associação era importante para Foucault, porque com isso podia estabelecer que a técnica psicanalítica ocupasse um espaço que foi modificado pela modernidade, com a instauração do conceito de sexualidade, mas que já existia desde muitos séculos.
Outro ponto é que Foucault ignora completamente o avanço da história em relação ao amor. Que tenha sido originalmente um conceito surgido na burguesia, para se contrapor ao casamento por interesse da nobreza, não apaga o fato de que se espalhou por toda a sociedade e se tornou comportamento padrão. É muito importante porque é a partir desse ponto que o relacionamento puro, a grande característica de nosso período, pode surgir. Descartados os relacionamentos por interesses políticos e econômicos, e o amor se tornando o parâmetro, é evidente que estava aberto o caminho para a contestação do relacionamento heterossexual, orbitando em torno do homem, que separava claramente o mundo do trabalho do mundo afetivo.
Essas mudanças na estrutura emocional contrariam em grande parte a tese de Foucault ainda por outro motivo: não existe a necessidade, ou melhor, a obrigatoriedade tão premente de deixar evidente sua sexualidade. Foucault ignora que a sexualidade é um elemento formador da identidade também, e que toda a contestação ao modelo clássico de família ocorre para que as mulheres e homossexuais também afirmem sua identidade. Não se trata apenas de se inserir num aparato de poder e conhecimento, que ainda apresenta a perversidade de incitar a declaração como parte de uma falsa liberdade, que enreda mais ainda quando se tenta fugir. Até porque, para nós, a identidade é mais um processo do que algo estático. E nesse ponto a avaliação de Foucault sobre a psicanálise mostra-se mais uma vez falha. Porque Freud construiu um método capaz de fazer as pessoas avaliarem o passado a partir de seu presente, o que torna essa busca incessante, naturalmente, dada a característica da identidade sempre se renovar. Para Foucault a psicanálise servia apenas como método para especificar, enquadrar a identidade no diagrama do poder.
A discussão é interessante, e embora não esteja plenamente convencido pelos argumentos de Giddens, ele abre para questões totalmente ignoradas por Foucault. Acredito que o tema da sexualidade mereça uma pesquisa muito cuidadosa, uma reflexão aprofundada sobre o ponto de vista dos dois autores.