Marlo R. R. López 10/09/2021Muito da literatura contemporânea (especialmente da brasileira) tem como foco o drama de microcosmo, uma narrativa ligeira e pessoal que, de tão íntima, beira a confissão no seu sentido mais clássico. É um desabafo que tem a intenção de expiar pecados. Se não pecados, traumas. Nada de grandes arcos de personagens que se pretendem universais: hoje se escreve, mais do que nunca, para dentro, pelo singular do singular, para revelar o humano de cada um de nós.
Este é o caso aqui. 'O céu dos suicidas', que depois descobri se tratar de uma autoficção, mergulha no angustiante cotidiano do personagem-narrador (nominalmente, Ricardo Lísias) destruído pela perda do seu melhor amigo, um suicida. A confusão comportamental de Ricardo perturba o leitor, mas quanto mais se conhece o envolvimento dele no suicídio do amigo, mais comovente o relato fica. E o que parece confusão narrativa é, na verdade, a angústia de um relato doloroso.
Em nenhuma literatura o autor tem a obrigação de cativar o leitor através de personagens ou diálogos. Ser agradável não é pré-requisito para nenhuma história. É bom ter isso em mente. O Ricardo Lísias que narra este livro, por exemplo, quer um espaço para desenrolar seu drama. É disso que ele precisa. E o que ele fala não é agradável. O leitor estará disposto a ouvi-lo, mesmo assim?
Durante a leitura, fiquei pensando no quanto a religião institucional tortura aqueles que não conseguem contorná-la ou subvertê-la. O drama dos suicidas condenados vem daí.
Saí do livro com vontade de iniciar uma coleção. Ou retomar minhas coleções antigas.