Stella F.. 07/03/2022
Saga familiar de primeira
OS BUDDENBROOK -THOMAS MANN – EDITORA NOVA FRONTEIRA – 1981
Quatro gerações de uma família alemã próspera, os Buddenbrook, comerciantes de grande renome com uma empresa sólida na região de Lübeck.
Logo no início sabemos que foi comprado um grande casarão, símbolo do status da referida família. E para comemorar, promove-se um farto jantar, com pratarias, talheres, vários pratos e muitos convidados e principalmente vamos conhecendo cada componente da família, com seu vestuário, suas características físicas e aspectos singulares de cada um. Muita conversa e discussões políticas sobre a Prússia e a questão aduaneira.
Vemos que o patriarca Johann e sua segunda esposa, Antoinete, em 1835, já estão idosos, e que ele possui um filho do primeiro casamento, Gotthold, casado com uma esposa não aceita pela sociedade e pela família como ideal e, portanto, longe do convívio familiar. O seu irmão Johann (Jean) Buddenbrook, tenta contornar a situação, mas o pai está irredutível. Dois teimosos, mas ao final tudo se resolve e chegam a um meio termo que poderia ter sido acordado antes.
Jean (cônsul) é casado com a consulesa Elisabeth Kröger Buddenbrook (Bethsy). Seus filhos são: Thomas, Christian, Antoine (Tony) e em 1938 nasce Klara. Eles cuidam de Klothilde (Thilda), uma sobrinha. A governanta Ida Jungmann foi criada na família e é prussiana. Vai ficar na família a vida inteira criando toda a descendência.
Os pais da consulesa convivem com o restante da família, com os netos e junto deles está sempre o irmão da consulesa, Justus, que tem esposa e dois filhos, mas que vive uma vida de pândego.
O cônsul é dinâmico nos negócios, e como era comum na época, participa ativamente em outros assuntos da cidade. Bastante religioso, sua esposa menos. São protestantes e estão sempre lendo a Bíblia. E possuem um tipo de diário, em que vão anotando acontecimentos importantes de todas as gerações: nascimentos e casamentos.
E acompanhamos a rotina da empresa, da cidade, seus progressos, bons negócios, outros nem tanto e junto a isso o crescimento das crianças. Tom e Christian vão para o colégio e Tony para o internato.
Mais tarde Tom vai assumir os negócios do pai e se sai relativamente bem, mas está sempre se questionando sobre seu desempenho, preocupado com sua aparência, e quando mais velho vemos suas crises de depressão, seu casamento com Gerda ser praticamente de fachada e ter problemas sérios de relacionamento com Hanno, seu filho. Ele vê o seu filho como um fraco, um menino sensível, que adora a música como sua mãe, e que está sempre doente, uma pessoa que não vai estar à altura de herdar à empresa no futuro. Está sempre testando o menino, achando que o natural seria, assim como ele fez, seguir na empresa.
Tony parece meio deslumbrada, mas tem opiniões e está sempre disposta a fazer tudo pela família, inclusive se casar com alguém “aprovado” por ela. Acaba se divorciando duas vezes. Mas nada a abate, está sempre pronta a recomeçar, e se envolve em organizações, mudanças, e acha que é seu dever fazer tudo pelo bem da família, para ela não acabar. Teve no primeiro casamento com Grunlich uma filha, Erika, que também vai se casar e ter o casamento desfeito.
Christian, desde o início, é mais sensível, gosta de teatro, e se torna um pândego, além de estar sempre envolvido com dores e sensações e ter uma veia cômica, imitar todo mundo. Não quer saber dos negócios, se envolve com mulheres, com jogos, está sempre sem dinheiro, pega antecipadamente parte da herança ou é bancado por “amigos”. Tenta trabalhar na empresa, mas nunca dá certo. Passa um tempo no Chile e quando volta tem sempre muitas histórias para contar, e adora falar de suas doenças com muitos detalhes.
Klara é a mais religiosa de toda a família e vai se casar com o Pastor Tiburcius.
Livro com muitos personagens, com uma história deliciosa de acompanhar, e com ótimas descrições, diálogos e aspectos interessantes que me chamaram atenção, principalmente a rivalidade e discussões entre Thomas e Christian, a veia “feminista” de Tony quando ela se separa do segundo marido e enfrenta Thomas em um diálogo primoroso, rebatendo o machismo dele e a preocupação com as aparências, a depressão e o cansaço de Thomas quando “sabemos” que ele vestia uma máscara e que a retirava quando chegava em casa e seus questionamentos metafísicos e Hanno com sua sensibilidade, seu gosto pela música, sua dificuldade de pertencimento.
“Você conquistou um lugar na vida, uma posição honrosa; e aí está rejeitando fria e conscientemente tudo quanto o poderia molestar, durante um momento, e perturbar-lhe o equilíbrio; pois o equilíbrio é para você o mais importante. Mas não é o mais importante, Thomas; perante Deus não é o essencial! Você é um egoísta; sim, eis o que você é! Amo-o ainda quando ralha e se zanga e troveja contra mim. Mas o pior é o seu silêncio; o pior é quando a gente diz alguma coisa e você, de repente emudece e se retira, quando declina de qualquer responsabilidade, conservando-se distinto e íntegro e abandonando o outro, desamparado, à vergonha. Você é tão despido de amor, compaixão e humildade.” (pg. 542)
“Há limites onde o receio de escândalo começa a dizer-lhe essas coisas, eu que sou apenas uma ingênua e uma tolinha. [..] Quero que você saiba, Thomas: foi essa palavra que realmente me obrigou a arranjar a minha bagagem durante toda a noite, a despertar Erika de madrugada e a vir-me embora, pois não podia ficar junto de um homem em cuja casa tinha de esperar por tais palavras. [..] Caso contrário, eu me degradaria e não poderia ter respeito por mim mesma e não teria em que me apoiar na vida!” (pg. 366)