JJ 04/11/2010
Após décadas sem lançar uma compilação de seus contos, Woody Allen retorna ao mercado literário para aquela que considero sua melhor obra (das que já li, óbvio). Excetuando o primeiro conto (Errar é Humano – Flutuar é Divino) que peca pela linguagem desnecessariamente rebuscada e texto um pouco cansativo, o restante de Fora de Órbita é nada menos que brilhante.
Allen passeia pela indústria do show business, ambientando algumas das histórias nos bastidores do cinema (Uma Surpresa Abala o Julgamento de Disney é inesquecível), além de relacionar música com psicanálise e Broadway com filosofia. Aliás, ao contrário dos outros livros (Cuca Fundida; Sem Plumas; e Que Loucura!), não se exige nesta o prévio nem profundo conhecimento de ciências ou artes. Apenas em Cantai, ó Tortas Sacher e Assim Comia Zaratustra uma base filosófica permite que o texto, de fato, divirta o leitor.
Difícil escolher algum destaque no meio de excelentes textos. Temas como promessa de felicidade (aqui há espaço para cutucadas nas religiões e teóricos de auto-ajuda); tentativa de se transformar em celebridade sob os pretextos mais absurdos; entre outros, aproximam os contos da sociedade atual. Incrível como Allen manteve seu olhar crítico e adaptou-se às mudanças ao longo das décadas. Porém, ao contrário do que aduz a orelha do livro, a obra não é atemporal. É para ser consumida hoje.
Parece que o cineasta-escritor melhorou com o passar dos anos. O humor de Fora de Órbita é mais refinado, irônico na medida certa, o que põe em dúvida a qualidade da tradução dos outros livros (Ruy Castro, tradutor dos outro três aqui citados, dá espaço a Rubens Figueiredo). Escritores (ao contrário de Allen) frustrados são os protagonistas da maioria das histórias. Espaço para temas como rejeição, preocupação com a imagem, falta de valores familiares, individualismo e materialismo. Tudo com um humor viciante.
Pautado por tramas absurdas (clássico exemplo encontra-se em Que Paladar Terrível, Querida – sobre um leilão de uma trufa) sempre na intenção de desconstruir ideias, Allen dessa vez não utiliza desse expediente a todo o momento. É o caso de Caríssima Babá, que trata de uma babá que escreve um livro contando o podre de seus patrões.
Um exemplo da maneira magnífica com que Woody Allen joga com as palavras está no início de um dos parágrafos do conto-título, onde ele brinca com as teorias da física, misturando realidade e absurdo e diz: “Acordei na sexta-feira e, como o universo está em expansão, levei mais tempo do que o habitual para achar o meu roupão. Isso me fez sair para o trabalho e, como a noção de alto e baixo é relativa, o elevador que peguei foi parar no terraço, onde foi difícil conseguir um táxi” (pg. 172). É simplesmente irresistível.