RayLima 19/04/2024
Viver é muito perigoso
Tudo começa com Clarissa Dalloway, que sai para comprar flores para sua festa que acontecerá naquela noite de Junho. Durante o trajeto ela cruza seu caminho com o de Septimus e sua esposa Rezia, ele, um homem atormentado pela guerra, está a caminho de uma consulta com seu novo psiquiatra, ela uma mulher triste e aflita com a condição de seu marido. Outro personagem de destaque é Peter Walsh, um antigo namorado de Clarissa, com quem talvez ela tivesse se casado se não houvesse conhecido Richard Dalloway. Peter retorna de um longo período na Índia e vai visitar Clarissa, esse reencontro traz à tona pensamentos de ?e se? nos dois. Clarissa relembra com carinho e imagina como seria sua vida se fosse esposa de Peter. Peter relembra também com carinho, mas com certa amargura, pois foi rejeitado por Clarissa, por quem era apaixonado.
A história se desenvolve como uma grande teia de aranha que une todas essas pessoas. Não somente esses três personagens principais citados, mas também as pessoas ao redor. Somos inundados pelo fluxo de pensamento de todos, mesmo que pareçam insignificantes para o enredo. Enquanto os personagens passeiam pelas ruas do centro de Londres, nós percorremos no íntimo desses personagens. Virgínia narra cenas do passado e do presente, explorando o coração e o cérebro dos personagens, seus pensamentos, visões, sonhos, angústias, arrependimentos, lembranças, alegrias. Misturando o real e o ilusório.
?A beleza estava por toda parte.?
Ler ?Mrs Dalloway? é uma experiência única. Desde que li pela primeira vez, em 2017, assim que terminei sabia que era um livro ao qual eu queria retornar um dia. Muitas vezes, como leitora assídua, sinto que os livros se tornam um pouco repetitivos, seja em sua narrativa ou em suas reflexões. Aqui não. Pessoalmente, nenhuma leitura me fez sentir/pensar o mesmo que esse livro. A genialidade de Virgínia Woolf em tornar uma história tão banal em algo incrível.
?Quando somos jovens, disse Peter, estamos demasiadamente agitados para poder conhecer as pessoas. [?] agora que somos maduros, então, podemos observar, podemos compreender, e sem ter perdido a capacidade de sentir, disse.?
Esse livro me faz pensar como passamos pela vida sem nos dar conta que as coisas mais incríveis acontecem em dias comuns. Assim como na narrativa de Virgínia, em que tudo acontece ao mesmo tempo, pessoas caminham debaixo do mesmo sol, elas se cruzam, e mesmo sem trocar uma palavra, estão conectadas por esse fio invisível que é a vida, cada uma com a cabeça cheia de alguma preocupação ou alegria diferente. Ao mesmo tempo há pessoas morrendo e nascendo, chorando e sorrindo, casando e separando. E mesmo que tenhamos realidades diferentes, em algum momento iremos sentir as mesmas coisas. Todos temos dias bons e ruins, dias em que nos sentimos invisíveis, infelizes, inseguros, livres, apaixonados, etc. Como quando Clarissa sabe que um homem se matou; ela estava feliz, estava em sua festa, mas pensou que mesmo assim ela conseguia entender esse homem. É por isso que livros como esse se tornam clássicos. Mesmo tendo sido escrito há mais de 100 anos, continua sendo relevante, pois fala de situações e sentimentos inerentes à natureza humana.
??Que importância tem o cérebro?, disse Lady Rosseter, levantando-se, ?comparado ao coração???