PorEssasPáginas 19/01/2015
A Cuca Recomenda: O Alienado - Por Essas Páginas
Adquiri o e-book de O Alienado há muito tempo, em uma promoção, e sempre adiava a leitura – apesar de ter muita curiosidade – por falta de tempo e por ter outros livros na frente, especialmente os de parceria. Participar de um blog é incrível, mas pela responsabilidade com editoras e autores parceiros, às vezes você acaba protelando as leituras que realmente quer fazer. Mas então eu estava de férias, com meu celular à beira da piscina, e pensei: estou de férias, ué! Vamos ler um livro de férias!
Deixando bem claro aqui que O Alienado não é exatamente um livro para ler nas férias, meus caros. É denso, inteligente, crítico, abstrato e muitas vezes, surreal. Só tinha lido alguns contos de Cirilo S. Lemos, mas a leitura do seu romance confirmou minhas suspeitas: sua mente é um lugar extremamente amplo e repleto de histórias surpreendentes – as mais malucas que se possa imaginar.
A primeira coisa que você, leitor, precisa saber, é que O Alienado não é um livro pé no chão, apesar de conter fortes críticas sociais. É um livro completamente louco, muitas vezes absurdo – e isso foi ótimo! – mas é bom avisar, porque se você for com outras ideias pode não gostar. O livro não faz sentido por muitas páginas, mas você sente, mais do que sabe, que em algum momento aquelas peças vão se encaixar.
“Quero é não precisar acreditar em nada que alguém venha me dizer para acreditar. Quero descobrir tudo por mim mesmo.”
Consegui distinguir três partes distintas e importantes no livro: a primeira, a narração de Cosmo sobre sua conturbada infância, quando nutria uma enorme admiração pelo amigo Virgílio, menino inteligente, que lia milhares de livros que o anterior não compreendia e sofria preconceito por causa da mãe de vida fácil. Ao mesmo tempo, Cosmo brigava com a mãe para manter essa amizade e sentia falta do pai, embarcado, que dificilmente estava em casa. Parece que não, mas depois de um tempo você percebe o quanto essa parte da história, uma das mais interessantes, interliga todo o resto feito os ovos em uma receita de bolo. Na realidade, todo o livro parece uma elaborada receita, onde cada ingrediente aparentemente não faz sentido, mas juntos, formam um belo resultado.
A segunda parte importante é a vida de Cosmo adulta, quando aparentemente ele está com problemas mentais. Tudo é bem confuso nessa parte, especialmente no início, mas quando você relaxa e deixa o absurdo penetrar, a leitura flui muito mais. A terceira parte é o livro que Cosmo está escrevendo, que também não parece fazer nenhum sentido, mas depois se enrosca e se reúne à história de uma maneira inacreditável. Todas essas partes são intercaladas e, se você não tomar cuidado, pira o cabeção, mesmo.
“É como se todos fossem fotos de coisas, não a coisa em si.”
É difícil falar desse livro porque é difícil explicá-lo, então vou me ater às minhas sensações durante a leitura. Confesso que, durante algumas páginas, fiquei com vontade de jogar tudo para o alto e pensei que era burra e concreta demais para toda aquela piração. Mas há algo na escrita de Cirilo, algo instigante e apaixonante, que impede o leitor de largar o livro e, quando você menos espera, está novamente grudado nas páginas. A história vai se construindo em pequenos detalhes que o leitor coleta em meio às três histórias, como se estivesse investigando a vida do personagem principal, Cosmo. Às vezes eu sentia que estava enlouquecendo junto com o personagem, mas não, é incrível como, no fim, tudo aquilo faz um sentido perturbador e, nem o personagem, nem você, leitor, estão perdendo a cabeça (há controvérsias, especialmente ao usar essa expressão… quem ler vai me entender bem no finalzinho). As três histórias se conectam de uma maneira surreal, mas coerente, e você fica lá, pasmo com aquela ideia maluca, mas fantástica, do autor. Vou precisar usar uma expressão estrangeira para definir um livro brasileiro, mas infelizmente, só ela traduz meu sentimento: esse livro é do tipo “blow your mind”.
Como li em e-book, não tenho tanta coisa assim a falar da edição da Draco, mas pelo que eu vi no livro digital, o físico parece ser bastante caprichado. Há, inclusive, alguns quadrinhos no meio do livro, que enriquecem a experiência. Infelizmente encontrei alguns pequenos erros de revisão que me incomodaram; nada que prejudique ou tire o brilhantismo do livro, no entanto. Aliás, preciso dizer que esse livro foi difícil de escolher trechos para a resenha: eu queria colocar milhares de frases aqui.
“Seu hálito tem o perfume de coisas guardadas.”
O Alienado facilmente pode ser uma daquelas obras brasileiras que perduram e são dissecadas por críticos literários, acadêmicos e professores de literatura. O livro tem o tom certo de crítica social, abstrato e um leve pedantismo literário que geralmente é encontrado nessas obras consagradas. (Mas até essa “pretensão” é ótima, pois também parece criticar os pedantes!) E, de fato, o livro e o autor merecem essa consagração. Espero de verdade que ele chegue um dia, e que bons livros nacionais como esse sejam reconhecidos. Os críticos e acadêmicos brasileiros precisam descer um pouco de seus pedestais e entender que na fantasia e ficção científica também existe sim alta literatura.
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