spoiler visualizarEvelyn 27/11/2013
A Sombra no Sol...
Primeiro, sobre a frase escolhida... “A thing is not necessarily true because a man dies for it.” De Oscar Wilde. Tenho que concordar e discordar. Não é preciso que seja verdadeira para nós, mas para o sujeito que morre por ela, sim. Se o sujeito acreditar, então, fará todo o sentido, não? Mas enfim...
E sobre a introdução...
Armando é um personagem muito charmoso. Ele é diferente. Totalmente palpável. Armando é um sujeito tranquilo, profissional e completamente ciente de seu trabalho. Ele precisa fazer o corpo voltar a viver e, tenho certeza, o fará. Acredito que ele já tenha dado início à sua missão. A agenda deverá ser uma fantástica fonte de informação. Uma agenda sempre revela muito, muito mais do que sua escrita se prestarmos atenção aos detalhes. Isso é muito verdadeiro. É onde rabiscamos as nossas frustrações das esperas, onde delimitamos nossos desejos, onde registramos nossas dúvidas e dívidas. Agendas são fontes perigosas de informações. kkkk
“O que posso fazer para te conhecer, rapaz?” Armando pergunta em determinado momento. Eu meio que respondi sussurrando... Conhece a ti mesmo. Como olhar-se no espelho. Depois, porém, me contive, porque Armando não deverá ser muito parecido de Ícaro. Ele provavelmente tem outra vivência e, por consequência, outras maneiras de encarar a vida.
A descrição da chegada de Armando é algo tão fantástico. Eu consegui viver cada minutinho da introdução. Eu, na pele dele. Eu, lá, encontrando o cadáver. E ele é meio sentimental, eu acho. Tocou no Ícaro, em sua face, ajeitou seus cabelos... Algo familiar.
Agora, tenho que falar do “galo do tempo”, que é o vidrinho que o Armando carrega, de um líquido que muda de cor. Sério mesmo, tive um surto de riso com isso. Achei tão criativo! Eu acho que me fez feliz sem motivo.
A tela que foi pintada pelo Gabriel é estranha, mas muito significativa. Duas coisas que se completam. Luz e sombra. Claro e escuro. Assim como não existe sombra sem luz, não haveria necessidade da luz se não houvesse a escuridão. Dois lados da mesma moeda, eu creio.
Esse livro promete... E eu comecei gostando de cara. E como tudo o que me cativa, merece um comentário, eis-me aqui...
01 Muito prazer...
Realidade e sonho.
Realidade e romance.
Ícaro, bem como disse Armando "empáfia regada a senso de humor" apesar de se proclamar a dureza da vida preferia o romance e a bem da verdade era que mesmo afirmando o contrário ele não teve escolha nem oportunidade.
Talvez seu voo não tenha realmente se completado. Talvez o sol nem tenha tido a chance de derreter suas asas, mas assim como o personagem da mitologia ele, ao tentar o voo tenha encontrado o chão duro e sem sentido, vazio e sem emoção. Talvez por isso tenha se resignado àquela condição de rato, de criatura que mergulha no submundo e o absorve como seu. Porque é preciso.
Não há outra verdade mais cruel do que aquela que está atrás do olhar sarcástico, queimando o mundo com vontade, na fantasia, porque não pôde fazê-lo de verdade.
Armando deverá chegar lá, mas terá que mergulhar além do que imagina. Talvez ele deva acrescentar nessa ação de desnudar Ícaro, despir-se igualmente.
O mais difícil é aceitar quem se é. O mais difícil é enchergar-se além do espelho.
02 O rebanho...
Solidão.
Que vontade é essa que cala muda? Ícaro não é senão uma grande e completa solidão, abraçado ao que ele tem - ele mesmo - e que não é o bastante.
E ter a si mesmo não basta, não é suficiente. Sua voz precisa de eco. precisa de uma muralha que rebata, que lhe devolva algo, por mínimo que seja.
Entender que os outros não têm senão a capacidade de enxergar a si mesmo e não o outro que lhe completa é afirmar o egoísmo que habita insuportavelmente o dia.
O mundo é recheado de perversões. E a maior delas é a o silêncio das almas que se evidencia no barulho dos corpos.
A intimidade é cruel.
Ouvir a si mesmo é cruel.
Fazer o corpo falar mais alto do que a alma é cruel.
Entender que o tempo é manipulável, que nos torna mais silenciosos, nos torna mais finitos do que já somos. Somos pecadores, mas o pior pecado que cometemos é o pecado contra nós mesmos. Quando burlamos nossas vontades.
03 A sombra no sol...
A vida não tem dia certo para acabar. Simples assim. Tão certo como dois e dois são tudo menos razão.
E sim. o que resta são os enigmas. Aqueles que os outros tentam decifrar juntando pequenos trechos da vida do morto. Um amontoado de nada que é melhor deixar pra lá porque a ninguém interessa mesmo o porquê.
A morte, assim como a vida, é mercadoreia. Eu compro, tu compras, ele compra. As sombras só afirmam o que já sabemos existir, o que está ausente, ou o que não se mostra completo. As sombras são projeções da luz que não emana de nós. Nada além disso.
* * *
Ícaro não é senão um homem jovem comum, que reflete sobre sua condição e que se revolta com ela. Está caminhando por sobre uma corda, está trilhando um caminho frágil. Como não se apaixonar por um personagem tão singular? Como não apaixonar-se por um personagem que ama e quer ser amado? Porque até agora, tudo o que entendi de Ícaro é que ele carrega com ele um profundo desejo de ser mais, mais para si mesmo e mais para o outro. Um outro. Qualquer outro. Mas que lhe devolva o que lhe preencha a alma; o que lhe aqueça o coração.
04
A luz do dia é mais encorajadora. É direta. É clara. A noite nos faz mergulhar em lembranças e medos. É à noite que nossos fantasmas aparecem e é de madrugada que os piores surgem. O medo não some com a fumaça do cigarro. Encarar a noite, sozinho, é algo sobrehumano para alguém sozinho. E o fim dos anônimos é a loucura da solidão.
Ícaro é um anônimo.
E sozinho.
Aqui, nesse capítulo ele afirma isso de uma forma tão intensa e sofrida que parei no primeiro parágrafo. O primeiro parágrafo define o personagem de uma forma ímpar. É possível carregar tamanha dor? É possível encarar os outros carregando tantas máscaras? Porque para mim, Ícaro é um ator de muitas faces, até para ele mesmo. Ele engana a si mesmo tentando driblar o que é, o que sente, ou que não quer sentir, o que não quer ser. Ícaro é um sobrevivente, mas totalmente quebrado da vida.
Só se entende o quanto se pode suportar depois de já se ter feito. Nossa consciência não é imediata. A dor cega nossa razão. A dor e o medo são entorpecentes para o bem ou para o mal.
Ícaro é sozinho e sofrido, e quebrado, e mascarado. E pessoas sofridas e sozinhas chamam atenção de tudo que é jeito. Até o espelho serve por companhia. A vida é realmente recheada de casualidades? Não sei. Talvez sim, talvez não.
Armando entende um pouco mais de Ícaro ao mesmo tempo em que também compreende um pouco mais do seu próprio mundo. Nada como um diálogo com a morte para se entender da vida. Nesse caso, não será tarde demais para Armando.
05
Então, ele precisa de companhia real. Quer dizer que todos os outros são personagens que ele criou? Mas os outros não são companhia. Os outros são vazios para ele. Não têm sentido. Não fazem sentido em sua vida.
Assim como Armando pergunta-se no final do capítulo anterior se todos esses personagens da agenda serão mesmo reais, ou criações de um solitário, me pergunto se realmente Ícaro existe. Armando está realmente diante de alguém que era de carne e osso?
Ícaro quer alguém que lhe devolva o afeto escasso, as palavras gastas, o tempo finito. Qualquer um. Qualquer mortal. Qualquer que seja. Por isso o homem que ele leva para casa e para a cama não é um cliente naquele momento. Ele pagará, assim como todos os outros, por companhia. Esse sujeito é de seu desejo, e até agora, o único, porque ele o amarra e, esse gesto deixa claro a confiança mínima, mas existente, que Ícaro deposita no homem, antes casado, agora solteiro. Só depositamos confiança quando nos deixamos envolver ou no desespero do momento.
Interessante como Ícaro se comporta tão exatamente igual a todos os seus supostos clientes.
06
Por que ele se sente maculado se faz o que quer? Ele não é todo ciente? Quando fazemos o que queremos, quando nos importamos com nossos desejos, não existe pecado, mas do jeito que fala, passa essa coisa de sentir-se manchado, de uma cor que não lhe agrada, como uma parede gasta, retocada pela umidade e mofo.
A solidão de Ícaro é tão triste... Se é que se pode ter uma solidão não triste. Mas existem pessoas solitárias totalmente resignadas e resolvidas. Talvez adaptadas. Deve existir alguma solidão alegre, por certo. Aquela que nos dá prazer pelo silêncio, pela melodia que se toca só para nosso deleite. Aquela na qual nossos pensamentos não nos apavoram.
Mas é preciso ser bem resolvido para ser sozinho e ter essa solidão tão nobre. Porque não é uma opção para a grande maioria.
E solidão sem saudade é raro. A saudade é quase que um apêndice da solidão. Quando infla, quando incha, é quase fatal.
Não sei se Ícaro não é mesmo um hipócrita, vivendo uma mentira ou uma verdade tão doída que machuca conhecê-la.
07
Ícaro é apaixonado e não tem o que deseja. Além de sozinho, além de mentiroso – mente para si e para o mundo – é assolado por paixões que lhe marcam a alma. Por desejos de coisas normais que talvez nunca terá, ou não terá porque prefere sofrer. Masoquista. É um romântico disfarçado. É triste e patético e solitário. Por vezes quero odiá-lo, mas não consigo.
Como entender alguém que joga contra si mesmo? Como pretender resgatar alguém que não quer ser resgatado porque se deprecia?
Ícaro não tem autoestima em bom nível. Fato. O momento romântico se desfaz porque a realidade o esbofeteia e a dor é tão intensa que ele cala.
Ícaro existe?
08 Répteis e felinos
Ícaro é marcado por instantes de pura mortalidade. Insegurança, dúvidas, incapacidade. Ele é humano. E Nazarethe só mostra a ele o quanto insignificante é o seu sentir frente aos outros. Não deixa nada de sua presença. Ela apenas deixa a certeza da incerteza da satisfação.
Frente a ela, ele é, de forma incontestável, o réptil. Ela, o predador.
Ícaro me parece uma daquelas figuras imaginárias que Fernando Pessoa fala. Que são mais profundas, que têm mais significado e verdade do que as pessoas de carne e osso. Ícaro só não morreu definitivamente porque ainda consegue viver o momento. Porque, do contrário, estaria morto. Viver aqui teria mesmo um significado muito mais significativo do que respirar.
09 Síndrome de Pirandello
Ninguém o conhece realmente. Nem ele mesmo, eu creio. E ele tem múltiplas faces. Ele é um, e ele é mil. Muitos num único. Muitas realidades. Muitas verdades. Mas ele não é conhecido. Ele é o desconhecido da história. O mundo é ignorante de Ícaro. Ninguém o conhece de fato porque sua verdade é múltipla. Ninguém o tocou na alma, sua mais preciosa e tão verdadeira fonte de identidade. Porque é impossível realmente ver o todo. Nós só percebemos as partes. As particularidades. Se os personagens que conhecem Ícaro pudessem juntar todos os pequenos fragmentos de conhecimento de Ícaro, mesmo assim, talvez fosse impossível conhecê-lo, porque não estão realmente próximos. A proximidade nos torna mais humanos. É na convivência que nos reconhecemos, ou não, no outro. O distanciamento nos afasta das faces da verdade.
E quando ele fala em nome e caligrafia, eu mergulho no verbo. O verbo que faz acontecer. Que cria. Que nomeia. A palavra é a afirmação da ideia, do existir. Ele é um verbo em carne e osso, mas não em alma e coração.
Ícaro é uma ficção. Tatuado no mundo real.
10 Colcha de retalhos...
Ícaro é bom no que faz. É bom em fingir. É bom em mentir. É bom em desejar ser outro e ser feliz sendo quem é. Além de solidão. Ícaro é anônimo. E triste. E desconhecido. Ele também é cada um dos pedaços da colcha de retalhos que constrói com os outros e, ao mesmo tempo, nenhum.
É, sim, contraditório. E repleto de sentido. É um homem perfeito na sua definição.
E então temos o nome de Chagall e de sua obra La Dance... É um misto de fantasia e brincadeira. Uma troca de olhares, um minueto talvez. E talvez Ícaro esteja realmente tão vivo e presente que sua materialidade não importa. Porque, assim como no quadro, há vida na dança. E não há dança sem vida. A definição perfeita para a vida de Ícaro é essa: uma dança, entre a brincadeira e a verdade. Entre a fantasia e a realidade. Ícaro de múltiplas danças. Ícaro de múltiplos eus. Ícaro de múltiplas vidas, amores e morte.
Ainda me pergunto se Ícaro é real. Encontro-me totalmente na dúvida se esse personagem é mais um dos personagens das páginas desse diário que fala do que move o homem: Vida, amor e morte. Ou se ele criou todos esses outros personagens para tentar explicar sua própria existência.
11 Eros
Sim. A vida até pode ser uma mentira contada aos poucos. Ícaro é uma mentira. Mas não podemos esquecer de que tudo em que acreditamos é real. Quando acreditamos é real. Porque somos nós que damos o tom, a cor, o cheiro, para o nosso entorno. É de nós que sai a materialidade do mundo.
Ícaro é real porque acredita ser real. Ícaro não é real. É fantasia. É mentira. É reflexo do que se espelha. O espelho no espelho. Mas é real porque consegue se fazer sentir e para Armando se tornará real.
Armando está tornando Ícaro real. Já começou.
Intrigante como Ícaro me deixa balançar entre o sonho e a realidade. Ele é feito disso. De sonho e realidade. É confuso e contraditório, e cheiro de sentido, sim! Ele é de carne e osso, e também tem alma e coração. Ao mesmo tempo em que é etéreo, fugaz, inconsistente. Ele é a loucura do homem, a tradução da mentira ou das muitas faces da verdade. Tudo nele é intenso.
O que mais admiro nessa minha leitura até aqui é a linguagem utilizada para descrever as sensações, as emoções, as particularidades do personagem. Uma linguagem tão poética, tão intensa, tão sensível! Surpreendo-me lendo expressões que se transformam em imagens de arte, tão vívidas e tão arrebatadoras que minha voz precisa pronunciá-las várias vezes. E são ao mesmo tempo tão mundanas e tão profanas. Eu estou encantada com essa forma de escrita. Não só pela história. Não só por Ícaro. Mas pela maneira que são escolhidas e combinadas as palavras.
12 Novos vícios – Um sonhador. Nuvens são sonhos que se desfazem. O amontoado de poeira é muito mais consistente e apesar de negar, Ícaro quer levantar voo.
Talvez Eros seja mesmo sua consciência; a afirmação de sua negação. Ou a negação de suas mentiras.
Para onde quer que queiramos ir existe um caminho. Para cima ou para baixo. Ícaro só precisaria fechar os olhos e estaria à caminho. Ele é o lugar que ocupa, a fé que despreza, o amor que lhe fer. Sua vida é um ilusão. E seu sonhos não são reais. Real é a dor que ele sente, é a solidão que ele é, é o vazio que ele ocupa e que ocupa toda a sua alma.
13 Pegadas na areia – Nada parece natural em Ícaro. E nada funciona. Nem sua vontade de fugir do que é, de ser consolado pelo mundo. Ele tem sua solidão e seu anonimato. E se tenta parecer piedoso, se tenta demonstrar cuidado para com o outro, é apenas para desviar a atenção do que é, do que sente e de estar na linha de frente de quem o deseja resgatar.
Ninguém se lembrará dele, nem mesmo se deixasse pegadas na areia. Ícaro é seu próprio esquecimento.
14 Garotos alados – Ícaro talvez não exista mesmo, porque não consegue transpor a ilusão, a fantasia que rodeia cada indicação de sua existência. É um engano puro e simples. Uma palavras que se errou o significado.
Ícaro não existe senão nos contrapontos de suas ações.
Ícaro é sua própria, maior e melhor invenção. Ele existe para ele mesmo porque acredita em sua existência. Mas ninguém realmente o considera possível porque ninguém realmente importa-se com ele. Tudo o que ele quer – amor – simples e real – correspondido e sincero – é impossível.
Já disse que Ícaro é silêncio. Que é anônimo. Que é sozinho/solitário. Ícaro é falso, é fake. É tão real que não existe senão no entendimento das suas ações, tão contrárias ao discurso. Palavras são verbos. Por isso Ícaro existe no silêncio.
Ícaro me parece um prenúncio de fim. De todos os seu desejos – que são muitos – nenhum o completou até agora plenamente.
15 Jogo de dois – Os extremos são perigosos. Viver. Morrer. A linha que tudo segura é feita dos desejos, dos sentidos, do complexo do amor.
É isso. Ícaro é invisível aos olhos de seus igualmente fantasiosos personagens porque, ou não ama, ou não é amado. Ícaro seria amor, se não fosse vazio, se não fosse sozinho, se não fosse solidão.
Ele deseja tão intensamente e tanto e de forma tão diversa que dificilmente haverá qualquer satisfação no amontoado de momentos carnais e não carnais dele mesmo.
Ele é lamento. Um lamento insuportável de solidão.
* * * * * *
Eu não sei exatamente o que dizer de tudo o que li até agora a não ser que é quase poesia. A linguagem é encantadora. A maneira como o personagem vai nos conduzindo por seus sentimentos é surpreendente. Me sinto totalmente presa a ele e a esse mundo que ele descreve. Ele é a materialização do que a sociedade é. Cheia de vícios, cheia de desejos, cheia de sonhos e, ao mesmo tempo, cheia de nada. Porque sem amor não somos coisa alguma. E Ícaro não tem amor. Ele não tem o que o faria totalmente pleno, perfeito e capaz de voar sem asas. Quando é que ele vai encontrar o amor? Quando???
16 Entreatos
Ele confessa sua atuação, mas não suporta a atuação dos outros. Não quer encarar as verdades reais de seus personagens.
Acredito que ninguém queria ter suas verdades expostas. Mas a verdade de Ícaro está dividia em seus personagens. Estilhaçada por entre as palavras, as mentiras que ouve, que conta, que finge que sabe, que diz, que não sabe nada. Sua verdade é uma só. Ele não suporta o que é e mesmo assim encara o que representa.
Se é solitário, se é anônimo, se é silêncio e lamento, Ícaro é igualmente um suicida que mergulha em sua própria morte um pouco a cada dia.
Ele morre um pouco a cada dia sem contudo finalizar o ato. Ele se mantém na margem. Ele está no limite. Ele quer se manter longe do mundo que vive. Ele se isola em um mundo completamente vulnerável que ele pensa ser seguro. Ele se isola, mas no fundo se expõe.
17 Fluídos e formas.
Ele está cansado de tudo. Ele quer algo novo. Quer dar meia volta. Mas como voltar se ele está completamente mergulhado em tudo o que ele criou para si? Como desfazer-se do que ele próprio criou?
Eu quero formular algo para descrever meus sentimentos, mas é impossível.
O capítulo 17 é incrível! Eu simplesmente não tenho como descrever a angústia que senti, o desespero, o medo e ao mesmo tempo a tontura de tudo terminar por completo. Que sentimento é esse!? Eu não consigo não ler e reler e reler esse amontoado de palavras que dizem o quão solitário, o quão vazio Ícaro é. O que ele é não tem descrição cabível aqui. Não posso substituir as palavras do autor. Me vez estremecer de um jeito que não existe outra coisa senão o capítulo 17.
18 Cherenton
Então, Ícaro foi comprado. Não como antes. Porque antes ele vendia o corpo e não o que ele era. Mas agora o sentido de tudo muda. Ele tem um dono. Um proprietário e apesar de não querer admitir, é uma mercadoria. Na sua ilusão, antes, ele vendia e era proprietário de seu corpo. Tinha um distanciamento.Mas agora é diferente. Além de sozinho e anônimo, além de ser lamento e silêncio, agora ele é materialidade do mundo. Ele é mundano. E acredito que aqui, o que antes havia a possibilidade de ser sagrado, se transforma em profano. Ele profanou sua crenças, mesmo se dizendo não possuidor de uma.
Ele, que busca o amor, viver o amor verdadeiro em seu mundo de ficção, agora é uma mercadoria.
Não há sentido de busca, apenas resignação de espera. O que é seu, ao mundo pertence. Tudo nele já não é dele. Ele aceitou entrar na armadilha e encontra a sua própria escuridão porque chegou ao último degrau de sua descida. Não há mais nada além. Ou ele cai ou ele sobe de vez. Suas asas só podem fazer um único movimento – ou de fecharem-se ou de abrirem-se totalmente.
O sol lhe queimará as penas, de qualquer jeito, mas para baixo é mais fácil. Não acredito na ascensão sem queda, contudo, não é uma história comum. E se existe Armando, então, há um resgate. Se há um resgate, há uma queda, não literalmente, porque Ícaro já está em declínio desde o primeiro capítulo.
19 Fim das férias
Patrícia me lembra uma ponte para o precipício. Se Ícaro está no último degrau e suas asas só podem ter um movimento, Patrícia me parece ser aquele diferencial entre a decisão, aquela que conduzirá o ato. Ela é sua proprietária. E isso pode fazer diferença. Ícaro é seu bem precioso.
Ícaro tem uma materialidade, aqui, agora, mortal. Antes, parecia ficção. Fictício. Impossível de ser atingido porque parecia permanecer à distância. Agora ele é proximidade. Agora ele é extremamente passível de morte. Não está protegido. Não está encoberto. Não conseguirá passar por seus clientes sem ser tocado, sem ser maculado. Ícaro sofrerá.
20 e 21 – Fantasmas na parede / Cá entre nós
Ícaro se surpreende. Inevitável não perceber como ele se surpreende com Gabriel! Pela primeira vez sem sarcasmos, sem ironias. Seu olhar foi capturado. Seu coração já é prisioneiro. Pela primeira vez temos um Ícaro totalmente livre do ranço da solidão, do anonimato como sentimento, livre da pobreza do sentir. Tudo faz sentido.
Ícaro que é sozinho, que é solitário, e anônimo, e lamento e é silêncio, agora é a sombra no sol. Materializou-se primeiro porque perdeu sua própria propriedade, depois porque se despiu de seus personagens, e agora porque encontrou o que procura e seus olhos não conseguem senão admirar o que lhe é tão inatingível. O amor é algo impossível. O amor é sofrer.
Ele se reconhece no outro! Ele se despe com a nudez do outro. Ele se reconhece verdadeiramente e só os amores fazem com que nossa essência se reconheça no outro.
Ícaro está perfeitamente nu nesse capítulo 20.
Ele não tem mais qualquer outro resquício do que foi, do que viveu, porque o sol ofusca sua visão.
O amor cega a alma. E Ícaro é pura alma.
É o amor que vai fazer Ícaro dar-se por conta de que ele existe e portanto, morre, e portanto sofre.
O amor que é a terceira e grande e profunda e insuperável ferida. Mais do que a vida, mais do que a morte. Ícaro é o entremeio de sua própria existência. O que sobra de tudo.
Gabriel derrubou todas as barreiras de Ícaro porque personifica a busca, ou o que Ícaro procura. No fim, Ícaro é só um garoto que quer amar e ser amado. Eis que a última muralha, a última pedra se vai. E está descoberto. Está nu, frente ao mundo e ele não é senão mais um, igual a tantos outros.
Seus personagens se desfazem, seu submundo se esvai, sua escuridão se desmancha. Seu lugar seguro não existe mais. O dia mostra, torna palpável, transforma as sombras, alinha-as, as define. O dia mostra o que é silêncio na noite.
Ah... Sofri muito com esse capítulo!!!
Eis que Armando consegue chegar, então, ao ponto de fazer Ícaro voltar.
22 Teoria da evolução
Sim... De um moleque de porta de bordel para um garoto de programa. Qual a diferença? O que difere um de outro? Tudo! E nada. Mas o Ícaro que sonhava, que era malandro, que driblava sua solidão, que desviava as esquinas no anonimato, agora é visível. Ele se fez notar e está conseguindo morrer um pouco a cada dia... E ele só carrega consigo os fantasmas de quem foi. E ele foi muitos. Os muitos com os quais esteve, com os quais representou. Agora, ele não representa mais. Ele é. Simples condição de quem existe. Ícaro existe?
23 Prêmio de consolação
Não... Não é possível que ele não queria mais nada...
Ícaro encontrou seu oposto e seu igual. Ícaro encarou-se no espelho ao encontrar Gabriel. Encontrou-se com o artista, com o enganador, com o personagem de sua própria via, com o colecionador de corpos, com aquele a quem queria enganar...
Gabriel é sua própria sombra no sol. Não é senão uma sombra. Apenas uma mancha limitada pela luz.
Ícaro encontrou seu desejo, sua paixão e sua última máscara. Gabriel é o final de sua estrada. É o sol que derrete suas asas, que tolhe seu voo, que destrói a fantasia.
24 Onde os corpos se levantam
As paixões são armadilhas de bobos que se iludem com as cores e a música. Ícaro não é senão mais um bobo a espera de um final feliz.
Não há finais felizes nesse mundo de máscaras onde Ícaro vive. Se antes ele era silêncio, se era lamento, se era solidão e anônimo, agora ele se deu por conta de tudo isso e sua dor é ainda maior, porque percebeu que não apenas seu mundo é ilusão, seus sonhos são ilusão. O amor é uma farsa, mais uma máscara, mais um momento em meio ao caos e vai passar, e vai morrer e vai ser esquecido e se esquecer dele.
Não existe futuro real, palpável. Gabriel é uma ilusão de felicidade. Gabriel não existe.
25 Em pleno voo
Não existe outra possível escapatória para Ícaro. O que ele carrega tem um peso insuportável. É por isso que ele tenta, numa última ação, abrir suas asas e fugir.
Mas não há lugar para esconder-se. Somos o que somos e sentimos do jeito que é preciso ou possível. Não há escapada esperta e veloz capaz de nos isolar do que o presente nos dá por sedex. Querer que o passado seja capaz de nos resgatar é começar a cair.
Ícaro abre as asas que não tem. Elas foram queimadas pelo sol, como na mitologia. Destruídas no calor de uma paixão que morreu em cinzas, tons que Gabriel e sua paleta não lhe presentearam porque Gabriel é seu retrato, seu reflexo mais real.
26 Depois da queda
Nesse capítulo eu chorei.
27 Necrópole particular
Viver o presente é complicado. Muito mais corajoso e o sujeito que vive o presente sabe disso. O presente é mias real, mais valente e determinado. O presente, que carrega o passado nas costas não tem senão outra direção senão para o futuro seja ele bom ou ruim.
“Não há amor que não nos mate.”
Não há como não morrer todos os dias quando se ama. Ou por motivos banais ou por reais. O amor é fim. O amor é o começo do fim.
28 Estraga prazeres
“Pelo sol que não tive coragem de alcançar.” Porque amores são imperfeitos e dão cores a nossa vida apesar do sofrimento.
Proteger-se do amor? Impossível. O amor é nosso fim. O princípio e o fim.
29 O pulo do gato
Revisar o que se viveu nem sempre é bom. Nem sempre o passado nos traz o alento. Nem sempre é escolha, e nem sempre é insignificante.
O passado é a noite do dia. É a parte da vida onde depositamos nossas tralhas. É nosso porão. É o que apavora. Porque porões são locais de amontoar coisas que não queremos. O sótão é mais aprazível.
E quando nada mais nos resta, resta o que somos. Verdadeiramente. Nada além dos sonhos, das frustrações, dos desejos e sentimento, nossas ideias e conclusões. Não somos nada mais do que aquilo que sonhamos, queremos, sabemos, sentimos. Ninguém nos tira isso e não é possível livrar-se disso tão pouco.
Não existe porto seguro depois da tempestade. Nem antes. É ilusão.
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Então, Armando é um f*da p*! kkkk A vingança é sempre a ilusão da cura da paixão. Ele instiga Ícaro! Não vale! Ícaro não pode mover-se pela vingança. E se assim o for, ele é prisioneiro de um amor que não viveu, de um sonho que não vingou, de um desejo que se perdeu em Gabriel.
Eu pensei que Ícaro amasse, mas ele não amou. Ele apaixonou-se e isso muda tudo. Amor é diferente. Ele era sozinho, anônimo, silêncio. E revelou-se para quem ele julgou ser seu amor. Ele apaixonou-se e iludiu-se. Ingênuo, adolescente falso amor esse que o fez revelar-se, abrir-se em essência, desvencilhar-se de suas máscaras e cais. O sol que derreteu suas asas foi a paixão que seu peito não conseguiu suportar.
Antes de Patrícia, Ícaro era livre de corpo e alma. A cidade lhe pertencia. Depois, era livre de alma, porque seu corpo pertencia a quem o comprasse. E agora, com Armando, percebo que sua alma não mais lhe pertencerá.
Triste fim o de Ícaro, prisioneiro de corpo e alma?
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30 Ode ao caos
Ele aceita sua condição. Ele se livra da dor que carrega e da escuridão a qual estava acostumado. Ele entende que não há renascimento sem vislumbre de luz. Ele entende que não há recomeço sem libertação do passado. Não há como seguir adiante sem deixar tudo para trás.
Se o futuro lhe trouxer Gabriel provavelmente lhe traga uma nova visão de tudo.
Agora ele não vai ter mais a cidade como pano de fundo. Terá Neon Azul. Terá sim, novos clientes, novos perfis psicológicos para desvendar.
Quem sabe, morrerá mais uma vez. Quem sabe, a paixão surja mais uma vez.
Talvez esse novo Ícaro consiga alçar realmente voos reais, com asas que não se derreterão à luz, porque ele agora é/faz parte dela ou a entende como essência sua. Ele, a parte sombria de sua própria existência é capaz de entender a intensidade de cada uma de suas passagens pela luz do sol.
Como você sobreviveu escrevendo “A sombra no sol?” Como conseguiu vencer cada linha sem parecer-se ou projetar-se num personagem tão profundo? Ele é tão vertical que me amedronta? Existiria realmente um Ícaro? Eu me pergunto. Como escrever um personagem que rouba todos os cenários do livro? Não há roteiro, aqui. (É claro que há roteiro!!!) O que eu quero dizer é que há um personagem. Ícaro. Todo o roteiro não é nada frente à densidade desse sujeito. Não há personagem secundário capaz de sobreviver sozinho, sem ele. Ícaro é a concentração de todos eles. Todos os outros personagens do livro são mínimos diante dele. Se eu tivesse que descrever Ícaro, apesar de sua vida ser sombria e sem glamour, sem encanto, apesar de ele ser um silêncio total, de ser sozinho, de ser anônimo, eu diria que Ícaro é o sol. Pleno. Não é só uma sombra no sol. Ele é o sujeito capaz de me deslocar desse universo para meus outros universos, muitas vezes, espaços que eu não quero visitar, lugares que eu não tenho coragem de avaliar e de viver.
Não posso comentar o óbvio – da linguagem rápida; que somos leitores de um leitor (Armando), que temos primeira pessoa e terceira pessoa na escrita; que as histórias que Ícaro nos conta são uma análise crítica do mundo, da vida, do turbilhão que somos em sentimento e pensamento; que o sexo, aqui, é tratado livremente, mas não superficialmente porque nos faz pensar sobre nossos desejos e ações; que cada um dos capítulos é um única história que pode ou não entrelaçar-se depois. Eu só posso falar de Ícaro que, do começo ao fim, se despe e me despe, porque ao analisar seus encontros, suas personagens mascaradas, também me tira a máscara porque me leva a confrontar meus sentimentos e entendimentos do mundo.
Me sinto encantada. Eric Novello possui uma escrita excepcional. Ícaro é um poema. O livro como um todo, poesia. Em prosa.